Sempre que haja necessidade expressiva de reforço, de ênfase...

Próximas questões
Com base no mesmo assunto
Q2098284 Português
Atenção: Leia a crônica “A casadeira”, de Carlos Drummond de Andrade, para responder à questão.

1. Testemunhei ontem, na loja de Copacabana, um acontecimento banal e maravilhoso. A senhora sentou-se na banqueta e cruzou elegantemente as pernas. O vendedor, agachado, calçou-lhe o par de sapatos. Ela se ergueu, ensaiou alguns passos airosos em frente do espelho, mirou-se, remirou-se, voltou à banqueta. O sapato foi substituído por outro. Seguiu-se na mesma autocontemplação, e o novo par de sapatos foi experimentado, e nova verificação especular. Isso, infinitas vezes. No semblante do vendedor, nem cansaço, nem impaciência. Explica-se: a cliente não refugava os sapatos experimentados. Adquiria-os todos. Adquiriu dozes pares, se bem contei.
2. − Ela está fazendo sua reforma de base? − perguntei a outro vendedor, que sorriu e esclareceu:
3. − A de base e a civil. Vai se casar pela terceira vez.
4. − Coitada... Vocação de viúva.
5. − Não é isso, senhor. Os dois primeiros maridos estão vivos. É casadeira, sabe como é?
6. Não me pareceu que, para casar pela terceira vez, ela tivesse necessidade de tanto calçamento. Oito ou nove pares seriam talvez para irmãs de pé igual ao seu, que ficaram em casa? Hipótese boba, que formulei e repeli incontinente. Ninguém neste mundo tem pé igual ao de ninguém, nem sequer ao de si mesmo, quanto mais ao da irmã. Daí avancei para outra hipótese mais plausível. Aquela senhora, na aparência normal, devia ter pés suplementares, Deus me perdoe, e usava-os dois de cada vez, recolhendo os demais mediante uma organização anatômica (ou eletrônica) absolutamente inédita. Observei-a com atenção e zelo científico, na expectativa de movimento menos controlado, que denunciasse o segredo. Nada disso. Até onde se podia perceber, eram apenas duas pernas, e bem agradáveis, terminando em dois exclusivos pés, de esbelto formato.
7. Assim, a coleção era mesmo para casar − e fiquei conjeturando que o casamento é uma rara coisa, exigindo a todo instante que a mulher troque de sapato, não se sabe bem para quê − a menos que os vá perdendo no afã de atirá-los sobre o marido, e eles (não o marido) sumam pela janela do apartamento.
8. A senhora pagou − não em dinheiro ou cheque, mas com um sorriso que mandava receber num lugar bastante acreditado, pois já reparei que as maiores compras são sempre pagas nele, e aos comerciantes agrada-lhes o sistema. As caixas de sapato adquiridas foram transportadas para o carro, estacionado em frente à loja. Mentiria se dissesse que eram doze carros monumentais, com doze motoristas louros, de olhos azuis. Não. Era um carro só, simplesinho, sem motorista, nem precisava dele, pois logo se percebeu sua natureza de teleguiado. Sem manobra, flechou no espaço e sumiu, levando a noiva e seus doze pares de França, perdão! de sapatos. Eu preveni que o caso era banal e maravilhoso. 


(Adaptado de: ANDRADE, Carlos Drummond de. Cadeira de balanço. São Paulo: Companhia das Letras, 2020)
Sempre que haja necessidade expressiva de reforço, de ênfase, pode o objeto indireto vir repetido. Essa reiteração recebe o nome de objeto indireto pleonástico. Ocorre objeto indireto pleonástico no seguinte trecho:
Alternativas

Comentários

Veja os comentários dos nossos alunos

A) aos comerciantes agrada-lhes o sistema.

Aos Comerciantes agrada a eles o sistema

Posso não estar certa, mas vou deixar minha análise para ajudar os colegas

a) O sistema (sujeito), agrada (VTI) aos comerciantes (OI), lhes (retoma comerciantes - OI PLEONÁSTICO.

b) O vendedor (sujeito) colocou (VTDI) o par de sapatos (OD), lhe (refere a si mesmo) OI

c) O cliente (sujeito) refugava (VTD) os sapatos experimentados (OD)

d) Ninguém neste mundo (sujeito) tem (VTD) pé igual ao de ninguém (OD)

e) Observei-a (VTD) a (OD) (sujeito elíptico eu) com atenção e zelo (não é complemento verbal)

Gabarito: Letra A

Gabarito: D

  • Os objetos pleonásticos são complementos verbais que já foram citados anteriormente e são introduzidos novamente, ou seja, mais de uma referenciação de um complemento verbal, dentro de um mesmo período. Essa modalidade de objeto é citada por meio de um pronome oblíquo átono — usa-se bastante esse recurso para evitar repetições. Os objetos pleonásticos são o único tipo de pleonasmo é aceito pela norma padrão, ao contrário da redundância tradicional que conhecemos (ex.: subir para cima).

A) aos comerciantes agrada-lhes o sistema. 

  • O sujeito da ação de agradar é "o sistema". O verbo agradar admite regência transitiva indireta — quem agrada, agrada A alguém, agrada aos comerciantes, agrada-lhes, agrada a eles. Repare que o objeto indireto desse verbo está sendo citado duas vezes: na primeira vez, em "aos comerciantes", na segunda vez, por meio do pronome oblíquo átono "lhes", que equivale "a eles"(aos comerciantes). Essas duas referenciações estão dentro de um mesmo período, desse modo, conclui-se que "lhes" é um objeto indireto pleonástico.

B) O vendedor, agachado, calçou-lhe o par de sapatos. 

  • Nota-se um adjunto adnominal acoplado ao verbo transitivo direto "calçou", o "lhe"; e
  • "[...]calçou o seu par de sapatos."

C) a cliente não refugava os sapatos experimentados. 

  • O verbo "refugava" é transitivo direto, portanto, não há como introduzir um objeto indireto, tampouco ser objeto pleonástico, já que, como explicado anteriormente, esse tipo de complemento verba precisa já ter sido citado anteriormente e ter sido escrito por meio de um pronome oblíquo átono — esse objeto só é citado uma única vez.

D) Ninguém neste mundo tem pé igual ao de ninguém.

  • Aqui, ocorre o mesmo caso que o anterior, isto é, um verbo transitivo direto que introduz um objeto direto uma única vez — também sem o uso do pronome oblíquo.

E) Observei-a com atenção e zelo científico.

  • Ainda que, nessa alternativa, o termo referenciado no objeto por meio de um pronome oblíquo átono já tenha sido citado anteriormente — "[...]A senhora sentou-se na banqueta[...]" e "[...]Aquela senhora, na aparência normal, devia ter pés suplementares[...]" —, não é correto denominá-lo de objeto pleonástico. Isso pois, como também já dito anteriormente, para ser classificado como objeto pleonástico, o objeto direto precisa já ter sido citado no período uma vez, precisamos ter duas citações, dois objetos. Nessa alternativa, o que acontece é uma única citação anafórica, não há com ser pleonasmo — o objeto é citado uma única vez. Ademais, a questão solicitou um objeto indireto pleonástico, nessa construção analisada, observa-se um objeto direto — um verbo transitivo direto é apresentado.

Clique para visualizar este comentário

Visualize os comentários desta questão clicando no botão abaixo