A utopia de Marx e Engels é sobretudo pertinente aos espaços.
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Todas as utopias imaginadas até hoje acabaram em distopias, ou tinham na sua origem um defeito que as condenava. A primeira, que deu nome às várias fantasias de um mundo perfeito que viriam depois, foi inventada por sir Thomas Morus em 1516. Dizem que ele se inspirou nas descobertas recentes do Novo Mundo, e mais especificamente do Brasil, para descrever sua sociedade ideal, que significaria um renascimento para a humanidade, livre dos vícios do mundo antigo. Na Utopia de Morus o direito à educação e à saúde seria universal, a diversidade religiosa seria tolerada e a propriedade privada, proibida. O governo seria exercido por um príncipe eleito, que poderia ser substituído se mostrasse alguma tendência para a tirania, e as leis seriam tão simples que dispensariam a existência de advogados. Mas para que tudo isso funcionasse Morus prescrevia dois escravos para cada família, recrutados entre criminosos e prisioneiros de guerra. Além disso, o príncipe deveria ser sempre homem e as mulheres tinham menos direitos que os homens. Morus tirou o nome da sua sociedade perfeita da palavra grega para “lugar nenhum”, o que de saída já significava que ela só poderia existir mesmo na sua imaginação.
Utopias e distopias
Todas as utopias imaginadas até hoje acabaram em distopias, ou tinham na sua origem um defeito que as condenava. A primeira, que deu nome às várias fantasias de um mundo perfeito que viriam depois, foi inventada por sir Thomas Morus em 1516. Dizem que ele se inspirou nas descobertas recentes do Novo Mundo, e mais especificamente do Brasil, para descrever sua sociedade ideal, que significaria um renascimento para a humanidade, livre dos vícios do mundo antigo. Na Utopia de Morus o direito à educação e à saúde seria universal, a diversidade religiosa seria tolerada e a propriedade privada, proibida. O governo seria exercido por um príncipe eleito, que poderia ser substituído se mostrasse alguma tendência para a tirania, e as leis seriam tão simples que dispensariam a existência de advogados. Mas para que tudo isso funcionasse Morus prescrevia dois escravos para cada família, recrutados entre criminosos e prisioneiros de guerra. Além disso, o príncipe deveria ser sempre homem e as mulheres tinham menos direitos que os homens. Morus tirou o nome da sua sociedade perfeita da palavra grega para “lugar nenhum”, o que de saída já significava que ela só poderia existir mesmo na sua imaginação.
Platão imaginou uma república idílica em que os governantes
seriam filósofos, ou os filósofos governantes. Nem ele nem os
outros filósofos gregos da sua época se importavam muito com o
fato de viverem numa sociedade escravocrata. Em “Candide”,
Voltaire colocou sua sociedade ideal, onde havia muitas escolas
mas nenhuma prisão, em El Dorado, mas “Candide” é menos
uma visão de um mundo perfeito do que uma sátira da
ingenuidade humana. Marx e Engels e outros pensadores
previram um futuro redentor em que a emancipação da classe
trabalhadora traria igualdade e justiça para todos. O sonho
acabou no totalitarismo soviético e na sua demolição. Até John
Lennon, na canção “Imagine”, propôs sua utopia, na qual não
haveria, entre outros atrasos, violência e religião. Ele mesmo foi
vítima da violência, enquanto no mundo todo e cada vez mais as
pessoas se entregam a religiões e se matam por elas.
Quando surgiu e se popularizou o automóvel anunciou-se
uma utopia possível. No futuro previsto os carros ofereceriam
transporte rápido e lazer inédito em estradas magnetizadas para
guiá-los mesmo sem motorista. Isso se os carros não voassem, ou
se não houvesse um helicóptero em cada garagem. Nada disso
aconteceu. Foi outra utopia que pifou. Hoje vivemos em meio à
sua negação, em engarrafamentos intermináveis, em chacinas
nas estradas e num caos que só aumenta, sem solução à vista.
Mais uma vez, deu distopia.
(Veríssimo, Luiz Fernando. O Globo, 22/12/2013)
A utopia de Marx e Engels é sobretudo pertinente aos espaços.