Atenção: Para responder à questão, considere o texto abaixo.
Criadores e legados
Dando alguns como aceitável que a nossa vida possa ser considerada um absurdo, já que ela existe para culminar na morte,
parece-lhes ainda mais absurda quando se considera o caso dos grandes criadores, dos artistas, dos pensadores. Eles empregam
tanta energia e tempo para reconhecer, formular e articular linguagens e ideias, tanto esforço para criar ou desafiar teorias e correntes
do pensamento, é-lhes sempre tão custoso edificar qualquer coisa a partir da solidez de uma base e com vistas a alguma projeção no
espaço e no tempo – que a morte parece surgir como o mais injusto e absurdo desmoronamento para quem justamente mais se
aplicou na engenharia de toda uma vida.
Por outro lado, pode-se ponderar melhor: se o legado é grande, e não morre tão cedo, a desaparição de quem o construiu em
nada reduz a atualização de sentido do que foi deixado. O criador não testemunhará o desfrute, mas quem recolher seu legado
reconhecerá nele a força de um sujeito, de uma autoria confortadora para quantos que se beneficiam da obra deixada, e que dela
assim compartilham. Sem sombra de rancor, uma sonata de Beethoven modula-se no dedilhar de uma sucessão de pianistas e por
gerações de ouvintes, a cada vez que é interpretada e renovada. Na onda ecoante, no papel, no celuloide, no marfim, no mármore, no
barro, no metal, na voz das palavras, é o tempo da vida e da arte, não o da morte, que se celebra no Feito.
O legado teimoso das obras consumadas parece contar com o fundamento mesmo da morte para reafirmar a cada dia o tempo
que lhes é próprio. Essa é a sua riqueza e o seu desafio. Sempre alguém poderá dizer, na voz do poeta Manuel Bandeira: “ tenho o
fogo das constelações extintas há milênios”, ecoando tanto uma verdade da astrofísica como a poesia imensa do nosso grande lírico.
(Justino de Azevedo, inédito)
No 3o
parágrafo, a evocação do verso de Manuel Bandeira, repercutindo a verdade de um fenômeno físico, é utilizada para
demonstrar que