No texto anterior, predomina a função da linguagem:
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Ano: 2024
Banca:
SELECON
Órgão:
Prefeitura de Lucas do Rio Verde - MT
Prova:
SELECON - 2024 - Prefeitura de Lucas do Rio Verde - MT - Professor de Língua Portuguesa/Inglesa |
Q3103323
Não definido
Texto associado
Leia o texto a seguir:
Protesto tímido
Fernando Sabino
Ainda há pouco eu vinha para casa a pé, feliz da minha vida e
faltavam dez minutos para a meia-noite. Perto da Praça General
Osório, olhei para o lado e vi, junto à parede, antes da esquina,
algo que me pareceu uma trouxa de roupa, um saco de lixo.
Alguns passos mais e pude ver que era um menino.
Escurinho, de seus seis ou sete anos, não mais. Deitado de
lado, braços dobrados como dois gravetos, as mãos protegendo a
cabeça. Tinha os gambitos também encolhidos e enfiados dentro
da camisa de meia esburacada, para se defender contra o frio da
noite. Estava dormindo, como podia estar morto. Outros, como eu,
iam passando, sem tomar conhecimento de sua existência. Não
era um ser humano, era um bicho, um saco de lixo mesmo, um
traste inútil, abandonado sobre a calçada. Um menor abandonado.
Quem nunca viu um menor abandonado? A cinco passos, na
casa de sucos de frutas, vários casais de jovens tomavam sucos
de frutas, alguns mastigavam sanduíches. Além, na esquina da
praça, o carro da radiopatrulha estacionado, dois boinas-pretas
conversando do lado de fora. Ninguém tomava conhecimento da
existência do menino.
Segundo as estatísticas, como ele existem nada menos que
25 milhões no Brasil, que se pode fazer? Qual seria a reação do
menino se eu o acordasse para lhe dar todo o dinheiro que trazia
no bolso? Resolveria o seu problema? O problema do menor
abandonado? A injustiça social?
(....)
Vinte e cinco milhões de menores – um dado abstrato, que a
imaginação não alcança. Um menino sem pai nem mãe, sem o
que comer nem onde dormir – isto é um menor abandonado. Para
entender, só mesmo imaginando meu filho largado no mundo aos
seis, oito ou dez anos de idade, sem ter para onde ir nem para
quem apelar. Imagino que ele venha a ser um desses que se
esgueiram como ratos em torno aos botequins e lanchonetes e
nos importunam cutucando-nos de leve – gesto que nos desperta
mal contida irritação – para nos pedir um trocado. Não temos
disposição sequer para olhá-lo e simplesmente o atendemos (ou
não) para nos livrarmos depressa de sua incômoda presença. Com
o sentimento que sufocamos no coração, escreveríamos toda a
obra de Dickens. Mas estamos em pleno século XX, vivendo a era
do progresso para o Brasil, conquistando um futuro melhor para
os nossos filhos. Até lá, que o menor abandonado não chateie,
isto é problema para o juizado de menores. Mesmo porque são
todos delinquentes, pivetes na escola do crime, cedo terminarão
na cadeia ou crivados de balas pelo Esquadrão da Morte.
Pode ser. Mas a verdade é que hoje eu vi meu filho dormindo
na rua, exposto ao frio da noite, e além de nada ter feito por ele,
ainda o confundi com um monte de lixo.
No texto anterior, predomina a função da linguagem: