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Q2702033 Português

Leia o texto a seguir para responder às questões de 1 a 5.


Cem cruzeiros a mais


Fernando Sabino


Ao receber certa quantia num guichê do Ministério, verificou que o funcionário lhe havia dado cem cruzeiros a

mais. ________voltar para devolver, mas outras pessoas protestaram: entrasse na fila.

Esperou pacientemente a vez, para que o funcionário lhe fechasse na cara a janelinha de vidro:

- Tenham paciência, mas está na hora do meu café.

Agora era uma questão de teimosia. Voltou à tarde, para encontrar fila maior – não conseguiu sequer aproximar- se

do guichê antes de encerrar-se o expediente.

No dia seguinte era o primeiro da fila:

- Olha aqui: o senhor ontem me deu cem cruzeiros a mais.

- Eu?

Só então reparou que o funcionário era outro.

- Seu colega, então. Um de bigodinho.

- O Mafra.

- Se o nome dele é Mafra, não sei dizer.

- Só pode ter sido o Mafra. Aqui só trabalhamos eu e o Mafra. Não fui eu. Logo ...

Ele _______ a cabeça, aborrecido:

- Está bem, foi o Mafra. E daí?

O funcionário lhe explicou com toda a urbanidade que não podia responder pela distração do Mafra:

- Isto aqui é a pagadoria, meu chapa. Não posso receber, só posso pagar. Receber, só na recebedoria. O

próximo!

O próximo da fila, já impaciente, empurrou-o com o ___________. Amar o próximo como a ti mesmo! Procurou

conter-se e se afastou, indeciso. Num súbito impulso de indignação – agora iria até o fim – dirigiu-se à

recebedoria.

- O Mafra? Não trabalha aqui, meu amigo, nem nunca trabalhou.

- Eu sei. Ele é da pagadoria. Mas foi quem me deu os cem cruzeiros a mais. Informaram-lhe que não podiam

receber: tratava-se de uma devolução, não era isso mesmo? e não de pagamento. Tinha trazido a guia? Pois

então?

Onde já se viu pagamento sem guia? Receber mil cruzeiros a troco de quê?

- Mil não: cem. A troco de devolução.

- Troco de devolução. Entenda-se.

- Pois devolvo e acabou-se.

- Só com o chefe. O próximo!

O chefe da seção já tinha saído: só no dia seguinte. No dia seguinte, depois de fazê-lo esperar mais de meia

hora, o chefe informou-lhe que deveria redigir um ofício historiando o fato e devolvendo o dinheiro.

- Já que o senhor faz tanta questão de devolver.

- Questão _________.

- Louvo o seu escrúpulo.

- Mas o nosso amigo ali do guichê disse que era só entregar ao senhor – suspirou ele.

- Quem disse isso?

- Um homem de óculos naquela seção do lado de lá. Recebedoria, parece.

- O Araújo. Ele disse isso, é? Pois olhe: volte lá e diga-lhe para deixar de ser besta. Pode dizer que fui eu que

falei. O Araújo sempre se metendo a entendido!

- Mas e o ofício? Não tenho nada com essa briga, vamos fazer logo o ofício.

- Impossível tem de dar entrada no protocolo.

Saindo dali, em vez de ir ao protocolo, ou ao Araújo para dizer-lhe que deixasse de ser besta, o honesto cidadão

dirigiu-se ao guichê onde recebera o dinheiro, fez da nota de cem cruzeiros uma bolinha, atirou-a lá dentro por

cima do vidro e foi-se embora.


FONTE: SABINO, Fernando. In: Para gostar de ler, São Paulo: Ática, 2001. vol. 3, p.73- 75.

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