A mudança de posição de uma palavra em relação a outra pode ...
Língua é progressista, reacionária ou nada disso, muito pelo contrário?
Dia desses, soube que, na nossa praça pública virtual, se travava um interessante debate sobre a língua portuguesa, que, em suma, se resumia a distinguir entre a postura progressista e a postura reacionária (ou “fascista”) em relação ao idioma. A defesa do aprendizado da norma culta coube aos “reacionários”, enquanto o ataque à valorização desse registro formal reunia os “progressistas”. Posta dessa forma, a discussão cai na polaridade ideológica e o público tende a se alinhar segundo o posicionamento de seu grupo (ou de sua bolha), o que, em geral, abrevia o debate, logo dando lugar a outra polêmica qualquer.
Segundo a tese progressista, o que chamamos de norma culta é o registro linguístico das classes dominantes, que, exatamente por sê-lo, seria “elitista” ou excludente. Hoje, soma-se a essa ideia a de que nem mesmo uma boa parte dessa classe dominante brasileira domina à perfeição essa norma, o que faria dela, em grande medida, uma norma obsoleta, um padrão antiquado ou mesmo “subserviente ao modelo colonizador eurocêntrico”.
Se está na ordem do dia contar a história do ponto de vista dos historicamente excluídos e estimular ações concretas (queima de estátuas, destruição de símbolos etc.) para “recontar” o passado, analogamente parece estar em curso uma tentativa de derrubar a norma culta do pilar em que ainda se encontra e promover a “diversidade linguística”. Nesse caso, cada um se expressaria como achasse melhor em qualquer circunstância, tese que parece bem razoável quando vista apenas do ponto de vista de certo ativismo político.
A tese progressista é sempre mais sedutora (e mais o seria se não fosse abraçada tão facilmente pelo sistema). Por que dizer “nós vamos” se a desinência “-mos” carrega a mesma informação contida no pronome “nós”? A formulação “nós vai”, por exemplo, é mais econômica, pois suprime a redundância, que é parte do sistema de concordância. Mais que isso, dizer “nós vai” pode ser algo libertário ou mesmo revolucionário. Pode, mas só enquanto representar um contraponto a uma norma estabelecida. Destruída a norma, “nós vai” se institucionaliza e passa a ser a nova norma. Ou, como aparentemente se deseja, as normas conviveriam todas em harmonia, com o mesmo peso. Será?
Para começar a mudança, talvez os textos pudessem ter um salutar percentual de desvios da norma, outro percentual de estrangeirismos (os que porventura não o tivessem espontaneamente), um percentual de gírias locais, enfim, os textos poderiam ser mais “diversos”, refletindo a língua efetivamente falada pela sociedade. Bem, chega de imaginação.
Quem tem de enfrentar as consequências desses debates são, em geral, os professores nas salas de aula. A eles cabe a parte prática de incorporar essas teses libertárias ao cotidiano da sala de aula ou bater na tecla da importância de dominar a norma dos espaços de poder e, ao mesmo tempo, estimular os jovens a ler os autores da nossa literatura, aqueles que, com sua inteligência e imaginação, cultivaram a língua portuguesa em todos os seus recursos.
Como se sabe, nem todos os estudantes se transformarão em leitores de literatura, principalmente nestes tempos de muita pressa para chegar a lugar algum. Aqueles que se aventurarem nesse mergulho, em que o tempo é suspenso e somos levados para outros mundos, esses, por certo, saberão dar valor à língua que, sim, nós herdamos do colonizador – do qual, a propósito, muitos de “nós” descendem – e cultivamos à nossa maneira, língua que é repleta de recursos e cujo conhecimento é mais que uma vestimenta de luxo para frequentar ambientes “elitistas”.
Literatura requer tempo e um pouco de solidão. A leitura de um livro nos faz adentrar cenários que se constroem com palavras e conhecer pessoas também feitas de palavras, que nos deixam saudade quando o livro se fecha. Escritores transformam palavras e frases (as mesmas que usamos na comunicação) em arte e, assim, somos levados à fruição da linguagem como fruímos música ou pintura.
É para ler os artistas da palavra que aprendemos os recursos da língua e é porque os lemos e vivenciamos em profundidade a experiência que generosamente compartilham conosco que queremos conhecer mais e mais os meandros dessa língua que nos conduz à sua alma.
Ninguém deveria ser privado da experiência da leitura de romances, que é a melhor forma de aprender a língua. O debate público bem poderia sair da superfície e estimular o avanço do conhecimento. Aos professores cabe a tarefa de ensinar os alunos a ler literatura – e a língua estará lá em seu esplendor.
(NICOLETI, Thaís. Língua é progressista, reacionária ou nada disso, muito pelo contrário? Jornal Folha de S. Paulo, 2024.)
Comentários
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Na minha opinião a alternativa correta é D) qualquer circunstância (3º§) / circunstância qualquer.
Explicação:
A) lugar algum (7º§) / algum lugar
A troca entre essas duas expressões altera o significado, pois "lugar algum" significa "nenhum lugar" (negativo), enquanto "algum lugar" sugere uma ideia de lugar indefinido, mas a classe gramatical das palavras permanece a mesma.
B) certo ativismo (3º§) / ativismo certo
A mudança de posição altera o sentido, pois "certo ativismo" significa um ativismo específico ou determinado, enquanto "ativismo certo" se referiria ao tipo certo de ativismo. Porém, a classe gramatical das palavras não muda.
C) salutar percentual (5º§) / percentual salutar
Aqui, a alteração de posição também altera o significado. "Salutar percentual" não faz sentido, já que "salutar" como adjetivo de "percentual" não é comum. Já "percentual salutar" sugere um percentual benéfico ou saudável. No entanto, a classe gramatical de "salutar" (adjetivo) e "percentual" (adjetivo) permanece a mesma.
D) qualquer circunstância (3º§) / circunstância qualquer
Neste caso, a troca não altera o significado nem a classe gramatical. "Qualquer circunstância" e "circunstância qualquer" têm o mesmo significado, e "qualquer" e "circunstância" permanecem nas mesmas classes gramaticais (pronome indefinido e substantivo, respectivamente).
Portanto, pra mim seria letra D o gabarito. Corrijam-me se eu estiver errado.
Gabarito letra C. Questão meramente interpretativa, basta verificar qual alteração se encaixa melhor no texto.
GABARITO C
A lugar algum (7º§) / algum lugar
- Comentário: A expressão lugar algum é usada para indicar inexistência ou negação (ex.: "Não fui a lugar algum"), enquanto algum lugar é afirmativa, indicando indefinição (ex.: "Vamos para algum lugar"). Há uma alteração semântica significativa, mas a classe gramatical não muda, pois "algum" continua sendo um pronome indefinido.
B certo ativismo (3º§) / ativismo certo
- Comentário: Em certo ativismo, "certo" funciona como um adjetivo, significando "determinado" ou "específico". Em ativismo certo, "certo" tem o sentido de "correto" ou "justo", também como adjetivo, mas com mudança de sentido. Embora a classe gramatical de "certo" não mude, a alteração semântica é relevante.
C salutar percentual (5º§) / percentual salutar
- Comentário: Em ambas as expressões, "salutar" continua sendo um adjetivo, qualificando "percentual" como algo saudável ou benéfico. A mudança de posição não altera significativamente o sentido, nem a classe gramatical. Esta é a alternativa que não apresenta alteração semântica ou de classe gramatical significativa.
D qualquer circunstância (3º§) / circunstância qualquer
- Comentário: Qualquer circunstância tem um sentido generalizador, indicando todas as possíveis circunstâncias, enquanto circunstância qualquer dá um tom de aleatoriedade ou desprezo por essa circunstância específica. A mudança de posição altera o sentido semântico, mas "qualquer" permanece um pronome indefinido em ambas.
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