Em “a sobriedade e a honestidade certas” (sexto período do ...
A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.
O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pego.
Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão.
Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: “gratificar-se-á generosamente”, ou “receberá uma boa gratificação”. Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o açoitasse.
Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas, por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir, também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem.
Machado de Assis. Pai contra Mãe. In: Machado de Assis. Relíquias da casa velha, 1906 (com adaptações).
Machado de Assis inicia o conto Pai contra Mãe — escrito em 1906 e publicado na coletânea Relíquias da casa velha —, mencionando “ofícios e aparelhos” da escravidão no Brasil. O conto aborda a história de Cândido Neves, personagem que trabalhava na captura de escravos fugidios. Considerando o fragmento desse conto apresentado anteriormente, julgue os itens a seguir.
Comentários
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Gabarito: ERRADO
➝ Certas: Possui sentido de garantidas
- Indica que a sobriedade e a honestidade mencionadas são qualidades específicas
➝ Corretas: Enfatizaria a ideia de que a sobriedade e a honestidade são moralmente apropriadas
Veja que tais palavras NÃO têm o mesmo significado.
Certas com sentido de exatidão.
Corretas como verdadeiro
Bom, mais uma questão que a banca daria o gabarito que quisesse. Na minha mente, é possível sim referir-se a sobriedade e a honestidade como corretas, pois logo anteriormente ele chama embriaguez e furto de pecados extintos.
Gabarito: Errado.
Embora as palavras “certas” e “corretas” sejam sinônimos em alguns contextos, no trecho “a sobriedade e a honestidade certas”, o adjetivo “certas” tem o sentido de “asseguradas” ou “garantidas” no contexto do texto, referindo-se ao efeito das máscaras em extinguir os pecados atribuídos aos escravos. Substituí-lo por “corretas” alteraria o sentido original, que não se refere à moralidade ou à retidão das características, mas à sua certeza ou segurança.
manteria a coerência das ideias do texto = SIM
, visto que tais palavras têm o mesmo significado. = NÃO
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