Em “Já faz muito tempo que o canarinho se foi”, se a expres...

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Q1357729 Português

O amor é um pássaro que não sobrevive em gaiolas

Rebeca Bedone



Tive um canário quando era criança. A avezinha cabia na palma da minha mão. Alegre, distinto e bonito, o pássaro amarelo cantava o tempo todo. Seu canto pacífico era deliciosamente agradável: parecia uma composição poética e ritmada. A gaiola ficava pendurada na varanda de casa, e o vento que passava levava a melodia para quem estivesse por perto.
Certo dia, fui até a gaiola e chamei pelo passarinho; mas ele não apareceu, como sempre fazia. Tomada por um estranhamento, subi na cadeira para procurá-lo: o canário estava deitado, quieto, imóvel. Chamei pelo meu pai, que examinou o bichinho e, tristemente, me informou que ele havia morrido. Dizem que o canário vive cerca de 10 anos, mas aquele teve uma vida breve.
Já faz muito tempo que o canarinho se foi. Naquela época, eu não sabia nada sobre aves; nem sobre tantas outras coisas, como o amor. Não imaginava que seria impossível viver uma vida sem decepções ou arrependimentos. Que pessoas me desapontariam. Que eu magoaria alguém. Que sentiria remorso por ter sido egoísta, como quando prendi a avezinha que tanto gostava. Que pela necessidade de ter alguém ou pelo medo de ficar só, tentaria prender um companheiro ou um amigo.
Assim, houve um tempo em que resolvi andar sozinha. No decorrer dos anos, entre uma e outra decepção amorosa, meu coração calejado se fechou. Prendi a mim mesma, como no poema de Charles Bukowski: “há um pássaro azul em meu peito que quer sair, mas sou duro demais com ele, eu digo, fique aí, não deixarei que ninguém o veja”.
É que eu não queria mais sentir frio na barriga, aperto no peito e dores de adeus. Parecia quase impossível encontrar alguém que estivesse disposto ao amor e ao relacionamento — só mais tarde fui descobrir que era eu quem não estava disposta a me entregar. O silêncio após as partidas nunca deixou de tocar a minha alma, como a ausência do canto do meu canarinho.
Até que um dia, num desses dias em que não se espera da vida nada além do que ela já nos ofereceu, resolvi deixar de ser tão dura comigo mesma. Não foi fácil, houve um longo processo de paciência e autoconhecimento; mas houve, sobretudo, vontade de voar outra vez. O pássaro em meu peito partiu sem rumo nem expectativas, ele só queria ser livre das minhas dores e inseguranças. 
Conheci meu namorado. Não foi amor à primeira vista, como nos contos de fadas; mas foi paixão da vida real: “você se apaixona quando se desprende da necessidade de ter alguém”. Quando você menos espera, as conversas ao telefone se perdem nas horas, junto com a alegria que chega na proximidade do reencontro; de repente, o tempo em que não houve afeto recíproco se preenche com um sentimento bom. E ao perceber a felicidade explodir dentro do peito, percebe-se que ela é verdadeira porque não tem obrigação.
O amor é um pássaro que não sobrevive em gaiolas. Gaiolas podem ser o ciúme, a insegurança ou o próprio egoísmo. Gaiolas podem ser o medo de amar outra vez; ou pode ser a incompreensão de que amor e liberdade caminham juntos: amamos porque somos livres e temos liberdade porque confiamos no amor.


Há pessoas que têm receio da palavra liberdade; alguns até acreditam que ser livre é individualismo. Talvez, faltalhes a compreensão da honestidade de Bukowski, aquela que “não me deixa fingir que sou uma coisa que não sou”. Talvez, falta-lhes saber que a vida é efêmera, como o canto que inicia e termina antes de que gostaríamos. Mas, com a janela do coração aberta, os pássaros voam; e a pessoa permanece no relacionamento não por estar presa a ele, mas porque é genuíno o seu desejo de ficar.

FONTE: https://www.revistabula.com/23923-o-amor-e-um-passaro-que-nao-sobreviveem-gaiolas/
Em “Já faz muito tempo que o canarinho se foi”, se a expressão em destaque fosse substituída pela expressão “longos, longos anos” e se acrescentássemos ao verbo fazer o verbo auxiliar dever, mantendo-se o tempo verbal, o modo verbal e a correção gramatical, teríamos:
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