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A VIDA DA LÍNGUA
Por: Leandro Karnal. Adaptado de:
http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,a-vida-dalingua,70001665676
16 fev 2017.
A língua é um fenômeno vivo. Pertence aos seus
usuários e muda constantemente. Esperneiam gramáticos,
exasperam-se puristas, descabelam-se professores: ela
ignora molduras e flui orgânica nas ruas e famílias.
Há um uso regido pela gramática normativa que
estabelece regras. Às vezes, elas são divertidas. Por
exemplo: existe uma parte da gramática que trata da
produção oral das palavras, ou seja, como pronunciar ou
onde cairia a sílaba tônica de cada termo. Você tem dúvida,
por exemplo, deve-se dizer rubrica ou rúbrica? Esse setor
da gramática resolve. O correto seria pronunciar o “e”
fechado na palavra obeso ou aberto? Por que eu falei que
era um setor divertido? Porque a parte da gramática que
trata das dúvidas sobre sílabas tônicas e outras é ortoepia
ou ortoépia, ou seja, admite duas formas de pronúncia.
Quem deveria me dizer qual a forma correta admite duas
formas.
Existe o campo da linguística, que irritava o solene
gramático Napoleão Mendes de Almeida. Ela é ampla e
abrange, inclusive, a gramática normativa. Porém, antes de
indicar o certo e o errado, analisa a apropriação/construção/
produção de sentidos de comunicação para uma pessoa ou
para um grupo. Assim, ir “de a pé” ou ser “de menor” não
seriam, do ponto de vista linguístico, erros, mas usos com
explicação racional para o porquê do desvio da norma
culta. Por vezes, é uma tentativa de hipercorreção, como é
o caso do emprego de “menas”. Figura ser mais correto
concordar o gênero e muita gente lasca um “menas
pessoas” porque parece contraditório dizer menos. Em
outras ocasiões, nossa resistência lusófona ao excesso de
consoantes provoca a introdução de uma vogal onde não
caberia na ortoepia ortodoxa. Surgem “adevogados”,
trocam-se “pineus” e o monstro verde irritadiço é o incrível
“Hulki”. O uso recebe um nome complexo: suarabácti (ou
anaptixe), a criação de uma vogal de apoio. A pronúncia
“pissicologia” causa-lhe horror, ó meu parnasiano leitor?
Como eu afirmei, a língua é viva. [...]
Nós sintetizamos (vossa mercê vira você e daí
surge o internético vc), colocamos vogais, adaptamos,
decompomos e refazemos. O império de Napoleão (o
gramático) dá origem a muitas pequenas repúblicas, vivas,
pulsantes e indiferentes às vestais oficiais e oficiosas do
tabernáculo das regras. No sentido empregado por Noam
Chomski, eu preciso de uma gramaticalidade para minha
expressão, e nem sempre é a prevista no código
napoleônico.
Língua é história. Em 1912, um navio britânico a
caminho dos EUA naufragou de forma trágica. A elite
brasileira leu sobre o evento e pronunciou o nome do navio
como se fosse francês: Titanic, enfatizando a sílaba final e
produzindo o gracioso biquinho da francofonia. Ninguém
pronunciou com sonoridade inglesa ou traduziu para
Titânico. Mais de um século, ainda falamos como se o navio
tivesse zarpado de Marselha e sido confeccionado em um
porto gaulês. Por quê? A elite brasileira era usuária da
língua de Paris.
[...] Criamos muito. Deletar, por exemplo: não é
inglês e não é português. Na origem, uma palavra latina que
chegou ao francês e ultrapassou o canal da Mancha. É a
nossa tradicional antropofagia, analisada pelos Andrades,
Oswald e Mário. Pedem-me budget e eu penso na antiga,
sólida e útil palavra orçamento. A reunião flui assim: “O
senhor será keynote speaker e a escolha é em função do
seu know-how sobre o modelo ted para CEOs. [...]
Não adianta solidificar uma armadura que defenda
o português. O ataque não é externo, é opção dos cidadãos
de dentro. Podemos insistir que ludopédio seria mais
correto, futebol está consagrado e ponto. O chá da
academia será acompanhado de cookies e de cupcakes. A
língua pode até morrer um dia, mas nós, seus usuários,
partiremos antes. Isto assusta ou consola? Good luck!
Há apenas uma alternativa correta. Assinale-a. O texto
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