Fluoretação da Água
A díade água-saúde é reconhecida pela humanidade
desde tempos imemoriais, seja por representar risco seja
por se associar à proteção da vida. Há aproximadamente um
século, conhecimentos científicos vincularam os fluoretos,
presentes em águas, ao risco do que atualmente
identificamos como “fluorose dentária”, uma anomalia de
formação do esmalte dentário derivada da exposição
prolongada ao halogênio, mas, também, à prevenção da
cárie dentária, quando os teores de fluoretos se situam em
patamares compatíveis com a produção desse benefício.
Na comunidade científica não há dúvida quanto à
segurança dessa exposição para a saúde humana, o que faz
da fluoretação da água de abastecimento público uma
tecnologia de saúde pública amplamente utilizada em vários
países, como: Austrália, Brasil, Canadá, Estados Unidos,
dentre outros. Toda a água tem alguma quantidade de
fluoreto e a tecnologia consiste no ajuste da sua
concentração para valores em torno de 0,7mg por litro.
No Brasil, em 1974 tornou-se obrigatório o uso dessa
tecnologia preventiva em todas as estações de tratamento
de água. A política pública é considerada uma das
estratégias responsáveis por significativo declínio da
experiência de cárie na população infantil e adolescente
brasileira, projetando um distinto padrão de saúde bucal
para as próximas gerações.
Muito já se escreveu sobre o tema, que deveria estar
relativamente “pacificado” em meio às evidências científicas
do campo sanitário na contemporaneidade, no entanto, a
controvérsia acerca da fluoretação da água continua viva em
vários países — com cobertura na literatura científica, na
mídia impressa e internet.
Um estudo pesquisou nos EUA o tráfego mensal de
comunicação virtual em sítios eletrônicos, cujo escopo era
discutir fluoretação. O período considerado foi entre junho
de 2011 e maio de 2012. Facebook, Twitter, YouTube foram
monitorados e a atividade “fluoretação” foi categorizada em
função dos dois grupos antagônicos de internautas: “pró” ou
“anti”. Os tweets do Twitter foram ainda subcategorizados
conforme os principais argumentos (tags) usados pelos
ativistas. Como resultado, descobriu-se que a atividade
“anti” gerou um tráfego informacional que excedeu
largamente a atividade “pró”. Os números comparados
mostram uma diferença de cinco a 60 vezes, dependendo da
mídia analisada.
“Veneno”, “câncer” e “inútil” foram as três principais
especulações usadas contra a fluoretação, destituídas de
substancial fundamentação científica. Geralmente, são
mensagens com estratégias persuasivas que são
intelectualmente problemáticas, fazendo uso de embustes
verbais e sofismas lógicos catalogados na literatura filosófica
e sociológica: falácia do espantalho, falsa dicotomia e
maniqueísmo, “duplipensar”, falácia da omissão, redução ao
absurdo, redução ad hominem, distorção de fatos, omissão
de fontes, mitos insistidos, teoria da conspiração e paranoia
social.
Surpreendentemente, a “fluorose”, que poderia ser o
argumento mais comentado, inclusive por se tratar de um
tema extensivamente pesquisado pelo grupo “pró”, não
apareceu entre os três primeiros, embora haja farto material
científico (incluindo revisões sistemáticas) que poderia
informar o debate em nível mais elevado.
Faculdade de Saúde Pública Universidade de São Paulo.
Adaptado.