Considere o texto a seguir para a próximas questão.
Há alguma razão em fazer o
julgamento de um homem pelos
aspectos mais comuns de sua vida;
mas, tendo em vista a natural
instabilidade de nossos costumes e
opiniões, muitas vezes me pareceu que
mesmo os bons autores estão errados
em se obstinarem em formar de nós
uma ideia constante e sólida. Escolhem
um caráter universal e, seguindo essa
imagem, vão arrumando e interpretando
todas as ações de um personagem, e,
se não conseguem torcê-las o
suficiente, atribuem-nas à dissimulação.
Creio mais dificilmente na constância
dos homens do que em qualquer outra
coisa, e em nada mais facilmente do que na inconstância. Quem os julgasse nos
pormenores e separadamente, peça por
peça, teria mais ocasiões de dizer a
verdade.
Em toda a Antiguidade é difícil
escolher uma dúzia de homens que
tenham ordenado sua vida num projeto
definido e seguro, que é o principal
objetivo da sabedoria. Pois para resumila por inteiro numa só palavra e
abranger em uma só todas as regras de
nossa vida, “a sabedoria”, diz um antigo,
“é sempre querer a mesma coisa, é
sempre não querer a mesma coisa”, “eu
não me dignaria”, diz ele, “a acrescentar
‘contanto que a tua vontade esteja
certa’, pois se não está certa, é
impossível que sempre seja uma só e a
mesma.” Na verdade, aprendi outrora
que o vício é apenas o desregramento e
a falta de moderação; e, por
conseguinte, é impossível o
imaginarmos constante. É uma frase de
Demóstenes, dizem, que “o começo de
toda virtude são a reflexão e a
deliberação, e seu fim e sua perfeição, a
constância”. Se, guiados pela reflexão,
pegássemos certa via, pegaríamos a
mais bela, mas ninguém pensa antes de
agir: “O que ele pediu, desdenha; exige
o que acaba de abandonar; agita-se e
sua vida não se dobra a nenhuma
ordem.”
(Michel de Montaigne. Os ensaios: uma
seleção, 2010. Adaptado.)