TEXTO I
A triste história de Kluge Hans, o cavalo
que calculava
Uns 120 anos atrás, uma das maiores celebridades
da ciência mundial era Kluge Hans (João Esperto,
em alemão), o cavalo que, segundo o seu dono,
sabia somar, subtrair, multiplicar, dividir, operar com
frações, dizer as horas e calcular dias da semana.
O proprietário, o professor de matemática e treinador
de cavalos amador, Wilhelm von Osten, exibia Hans
publicamente, sem cobrar ingresso, para grande espanto
da audiência. Por exemplo, quando Von Osten perguntava
“se o oitavo dia do mês é uma terça-feira, em que data cai
a sexta-feira seguinte?” Hans respondia batendo o casco
no chão 11 vezes.
Os céticos diziam que era fraude, que Von Osten passava
as respostas ao bicho por meio de sinais. Mas Hans
acertava mesmo quando o dono estava ausente e as
perguntas eram feitas por outra pessoa. Assim, a lenda do
cavalo que calculava não parava de crescer.
Perante o interesse do público, a autoridade educacional
da Alemanha criou uma comissão de 13 especialistas para
investigar o fenômeno. Além do psicólogo Carl Stumpf,
que a presidia, ela incluía um veterinário, um gerente de
circo, um oficial de cavalaria, vários professores e o diretor
do zoológico de Berlim. Em setembro de 1904 saiu o
relatório, o qual inocentava Von Osten de qualquer truque.
Então, o biólogo e psicólogo Oskar Pfungst decidiu
testar as habilidades do cavalo em diferentes condições:
usando outras pessoas para questionar Hans;
isolando o questionador e o cavalo do público; variando
se Hans podia ver o questionador ou não; e até se o
questionador sabia as respostas ou não.
Dessa forma, ele confirmou que não importava quem fazia
as perguntas, o que comprovava que não havia má-fé da
parte de Von Osten. Por outro lado, Pfungst constatou
que Hans só respondia corretamente quando podia ver
o questionador e este conhecia as respostas! De algum
modo subconsciente, o questionador passava as respostas
ao cavalo... E isso acontecia até quando era o próprio
Pfungst quem questionava!
A descoberta lançou o descrédito sobre o pobre Hans,
o que era muito injusto: mesmo não sendo capaz de
calcular, Hans era um animal notável, com uma capacidade
extraordinária para ler a expressão facial e a linguagem
corporal dos humanos, melhor do que nós próprios
somos capazes.
Von Osten não ficou convencido com as conclusões de
Pfungst e continuou exibindo o seu fenômeno até morrer,
em 1909. A partir daí, Hans passou por vários donos e
acabou sendo alistado para servir na 1ª Guerra Mundial.
O seu registro termina em 1916, quando, acredita-se,
foi morto em combate.
VIANA, Marcelo. Folha de S.Paulo. Folha Corrida,
20 dez. 2023, p. B8 (adaptado).