Questões de Concurso
Sobre português para pedagogo
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Texto 3
O domínio do trivial
Hoje, cada vez mais, mesmo quando parecemos discordar, pensamos todos as mesmas trivialidades.
Contardo Calligaris
[1º§]Aos vinte anos, leitor de Gramsci¹, eu entendia que o poder das classes dominantes se exercia de duas maneiras. Havia a exploração econômica, com repressão eventualmente brutal das reivindicações dos trabalhadores (sem contar as guerras imperialistas). E havia a outra face do domínio: o controle das ideias e das mentes, oculto e insidioso. Esse era o terreno de luta dos intelectuais: podíamos colaborar com a classe dominante ou, então, fazer o quê? Sermos porta-vozes de uma nova classe?
[2º§]Não éramos totalmente ingênuos. Reconhecíamos os horrores do dito "socialismo real" e percebíamos que ele substituíra uma classe dominante por outra. A ditadura do proletariado não tinha por que ser melhor do que a ditadura da burguesia; talvez, aliás, ela fosse pior. Nosso sonho era outro: uma sociedade sem classes.
[3º§]Pois bem, um espectador apressado poderia pensar que, enfim, realizamos a famosa sociedade sem classes – ao menos em parte. Claro, desigualdades e exploração continuam; no entanto, é difícil distinguir a cultura da classe dominante das outras que lhe seriam opostas, porque, no fundo, mesmo quando parecemos discordar, pensamos todos de forma igual.
[4º§]Acabo de ler "L'Egemonia Sottoculturale", de Massimiliano Panarari (A hegemonia da subcultura, editora Einaudi, 2010). O autor, um intelectual de minha geração, faz uma crítica hilária da "subcultura da fofoca", que seria, segundo ele, a cultura dominante na Itália de hoje. (...) Mas o que Panarari diz não se aplica só ao caso da Itália. Mundo afora, é cada vez mais difícil dizer algo que não faça parte de um senso comum que é feito de referências, ideias e, sobretudo, maneiras de pensar compartilhadas graças ao uso generalizado da mesma mídia.
[5º§]Nesse quadro, pensar criticamente é árduo. Quem deseja convencer seus leitores ou espectadores de que ele pensa fora da trivialidade dominante tende a parecer-se com aquelas crianças que, de vez em quando, gritam "xixi e cocô" e, com isso, gabamse de ter quebrado um grande tabu.
[6º§]Nesse sentido, nos EUA, são cada vez mais populares radialistas,
apresentadores e jornalistas supostamente "conservadores",
que devem seu sucesso a uma vulgaridade e a uma truculência
que parecem satisfazer a espera de todos por um pensamento
novo, diferente. (...) Sua "ousadia" é tão inovadora quanto a das
crianças do "xixi e cocô".
[7º§]No Brasil, o debate eleitoral em curso poderia também servir para mostrar que nosso senso comum compartilhado é, no caso, uma espécie de razoabilidade, resignada a evitar temas excessivamente conflitivos (...) e a aceitar alianças duvidosas e supostamente "necessárias".
[8º§]Como chegamos a essa perda de contraste na vida pública e cultural?
[9º§]Segundo Panarari, a burguesia ganhou a luta pela hegemonia jogando a carta do prazer: "Na década do hedonismo², todos se convenceram, de repente, de que estava na hora de divertir-se. Palavra de ordem: "Queremos folgar" e, por favor, evite-se empestar a existência, de qualquer maneira que seja, com política, cultura, economia e todas essas ‘coisas’ assimiláveis a preocupações e aborrecimentos". Conclusão: a subcultura hedonista da fofoca é o novo ópio do povo.
[10º§]Concordo (um pouco) com essa visão apocalíptica da cultura dominante. Mas discordo da ideia de que a subcultura da fofoca seja a invenção vitoriosa de uma classe específica. Ela é, em meu ver, uma consequência dos nossos tempos, pela razão que segue. Quando a mídia é de massa, não há mais diferença entre manipuladores e manipulados, pois os próprios manipuladores, expostos à mídia, são manipulados por suas produções. Ou seja, progressivamente, todo o mundo pensa as mesmas trivialidades.
[11º§]É o feitiço que enfeitiça o feiticeiro.
Fonte:Folha de São Paulo, 19/08/2010. Texto adaptado.
Vocabulário de apoio
1- Gramsci: Antonio Gramsci (Ales, 22 de janeiro de 1891 — Roma, 27 de abril de 1937) filósofo marxista, jornalista, crítico literário e político italiano. Escreveu sobre teoria política, sociologia, antropologia e linguística.
2- Hedonismo: teoria ou doutrina filosófico-moral que afirma ser o prazer o
supremo bem da vida humana.
Texto 3
O domínio do trivial
Hoje, cada vez mais, mesmo quando parecemos discordar, pensamos todos as mesmas trivialidades.
Contardo Calligaris
[1º§]Aos vinte anos, leitor de Gramsci¹, eu entendia que o poder das classes dominantes se exercia de duas maneiras. Havia a exploração econômica, com repressão eventualmente brutal das reivindicações dos trabalhadores (sem contar as guerras imperialistas). E havia a outra face do domínio: o controle das ideias e das mentes, oculto e insidioso. Esse era o terreno de luta dos intelectuais: podíamos colaborar com a classe dominante ou, então, fazer o quê? Sermos porta-vozes de uma nova classe?
[2º§]Não éramos totalmente ingênuos. Reconhecíamos os horrores do dito "socialismo real" e percebíamos que ele substituíra uma classe dominante por outra. A ditadura do proletariado não tinha por que ser melhor do que a ditadura da burguesia; talvez, aliás, ela fosse pior. Nosso sonho era outro: uma sociedade sem classes.
[3º§]Pois bem, um espectador apressado poderia pensar que, enfim, realizamos a famosa sociedade sem classes – ao menos em parte. Claro, desigualdades e exploração continuam; no entanto, é difícil distinguir a cultura da classe dominante das outras que lhe seriam opostas, porque, no fundo, mesmo quando parecemos discordar, pensamos todos de forma igual.
[4º§]Acabo de ler "L'Egemonia Sottoculturale", de Massimiliano Panarari (A hegemonia da subcultura, editora Einaudi, 2010). O autor, um intelectual de minha geração, faz uma crítica hilária da "subcultura da fofoca", que seria, segundo ele, a cultura dominante na Itália de hoje. (...) Mas o que Panarari diz não se aplica só ao caso da Itália. Mundo afora, é cada vez mais difícil dizer algo que não faça parte de um senso comum que é feito de referências, ideias e, sobretudo, maneiras de pensar compartilhadas graças ao uso generalizado da mesma mídia.
[5º§]Nesse quadro, pensar criticamente é árduo. Quem deseja convencer seus leitores ou espectadores de que ele pensa fora da trivialidade dominante tende a parecer-se com aquelas crianças que, de vez em quando, gritam "xixi e cocô" e, com isso, gabamse de ter quebrado um grande tabu.
[6º§]Nesse sentido, nos EUA, são cada vez mais populares radialistas,
apresentadores e jornalistas supostamente "conservadores",
que devem seu sucesso a uma vulgaridade e a uma truculência
que parecem satisfazer a espera de todos por um pensamento
novo, diferente. (...) Sua "ousadia" é tão inovadora quanto a das
crianças do "xixi e cocô".
[7º§]No Brasil, o debate eleitoral em curso poderia também servir para mostrar que nosso senso comum compartilhado é, no caso, uma espécie de razoabilidade, resignada a evitar temas excessivamente conflitivos (...) e a aceitar alianças duvidosas e supostamente "necessárias".
[8º§]Como chegamos a essa perda de contraste na vida pública e cultural?
[9º§]Segundo Panarari, a burguesia ganhou a luta pela hegemonia jogando a carta do prazer: "Na década do hedonismo², todos se convenceram, de repente, de que estava na hora de divertir-se. Palavra de ordem: "Queremos folgar" e, por favor, evite-se empestar a existência, de qualquer maneira que seja, com política, cultura, economia e todas essas ‘coisas’ assimiláveis a preocupações e aborrecimentos". Conclusão: a subcultura hedonista da fofoca é o novo ópio do povo.
[10º§]Concordo (um pouco) com essa visão apocalíptica da cultura dominante. Mas discordo da ideia de que a subcultura da fofoca seja a invenção vitoriosa de uma classe específica. Ela é, em meu ver, uma consequência dos nossos tempos, pela razão que segue. Quando a mídia é de massa, não há mais diferença entre manipuladores e manipulados, pois os próprios manipuladores, expostos à mídia, são manipulados por suas produções. Ou seja, progressivamente, todo o mundo pensa as mesmas trivialidades.
[11º§]É o feitiço que enfeitiça o feiticeiro.
Fonte:Folha de São Paulo, 19/08/2010. Texto adaptado.
Vocabulário de apoio
1- Gramsci: Antonio Gramsci (Ales, 22 de janeiro de 1891 — Roma, 27 de abril de 1937) filósofo marxista, jornalista, crítico literário e político italiano. Escreveu sobre teoria política, sociologia, antropologia e linguística.
2- Hedonismo: teoria ou doutrina filosófico-moral que afirma ser o prazer o
supremo bem da vida humana.
Texto 3
O domínio do trivial
Hoje, cada vez mais, mesmo quando parecemos discordar, pensamos todos as mesmas trivialidades.
Contardo Calligaris
[1º§]Aos vinte anos, leitor de Gramsci¹, eu entendia que o poder das classes dominantes se exercia de duas maneiras. Havia a exploração econômica, com repressão eventualmente brutal das reivindicações dos trabalhadores (sem contar as guerras imperialistas). E havia a outra face do domínio: o controle das ideias e das mentes, oculto e insidioso. Esse era o terreno de luta dos intelectuais: podíamos colaborar com a classe dominante ou, então, fazer o quê? Sermos porta-vozes de uma nova classe?
[2º§]Não éramos totalmente ingênuos. Reconhecíamos os horrores do dito "socialismo real" e percebíamos que ele substituíra uma classe dominante por outra. A ditadura do proletariado não tinha por que ser melhor do que a ditadura da burguesia; talvez, aliás, ela fosse pior. Nosso sonho era outro: uma sociedade sem classes.
[3º§]Pois bem, um espectador apressado poderia pensar que, enfim, realizamos a famosa sociedade sem classes – ao menos em parte. Claro, desigualdades e exploração continuam; no entanto, é difícil distinguir a cultura da classe dominante das outras que lhe seriam opostas, porque, no fundo, mesmo quando parecemos discordar, pensamos todos de forma igual.
[4º§]Acabo de ler "L'Egemonia Sottoculturale", de Massimiliano Panarari (A hegemonia da subcultura, editora Einaudi, 2010). O autor, um intelectual de minha geração, faz uma crítica hilária da "subcultura da fofoca", que seria, segundo ele, a cultura dominante na Itália de hoje. (...) Mas o que Panarari diz não se aplica só ao caso da Itália. Mundo afora, é cada vez mais difícil dizer algo que não faça parte de um senso comum que é feito de referências, ideias e, sobretudo, maneiras de pensar compartilhadas graças ao uso generalizado da mesma mídia.
[5º§]Nesse quadro, pensar criticamente é árduo. Quem deseja convencer seus leitores ou espectadores de que ele pensa fora da trivialidade dominante tende a parecer-se com aquelas crianças que, de vez em quando, gritam "xixi e cocô" e, com isso, gabamse de ter quebrado um grande tabu.
[6º§]Nesse sentido, nos EUA, são cada vez mais populares radialistas,
apresentadores e jornalistas supostamente "conservadores",
que devem seu sucesso a uma vulgaridade e a uma truculência
que parecem satisfazer a espera de todos por um pensamento
novo, diferente. (...) Sua "ousadia" é tão inovadora quanto a das
crianças do "xixi e cocô".
[7º§]No Brasil, o debate eleitoral em curso poderia também servir para mostrar que nosso senso comum compartilhado é, no caso, uma espécie de razoabilidade, resignada a evitar temas excessivamente conflitivos (...) e a aceitar alianças duvidosas e supostamente "necessárias".
[8º§]Como chegamos a essa perda de contraste na vida pública e cultural?
[9º§]Segundo Panarari, a burguesia ganhou a luta pela hegemonia jogando a carta do prazer: "Na década do hedonismo², todos se convenceram, de repente, de que estava na hora de divertir-se. Palavra de ordem: "Queremos folgar" e, por favor, evite-se empestar a existência, de qualquer maneira que seja, com política, cultura, economia e todas essas ‘coisas’ assimiláveis a preocupações e aborrecimentos". Conclusão: a subcultura hedonista da fofoca é o novo ópio do povo.
[10º§]Concordo (um pouco) com essa visão apocalíptica da cultura dominante. Mas discordo da ideia de que a subcultura da fofoca seja a invenção vitoriosa de uma classe específica. Ela é, em meu ver, uma consequência dos nossos tempos, pela razão que segue. Quando a mídia é de massa, não há mais diferença entre manipuladores e manipulados, pois os próprios manipuladores, expostos à mídia, são manipulados por suas produções. Ou seja, progressivamente, todo o mundo pensa as mesmas trivialidades.
[11º§]É o feitiço que enfeitiça o feiticeiro.
Fonte:Folha de São Paulo, 19/08/2010. Texto adaptado.
Vocabulário de apoio
1- Gramsci: Antonio Gramsci (Ales, 22 de janeiro de 1891 — Roma, 27 de abril de 1937) filósofo marxista, jornalista, crítico literário e político italiano. Escreveu sobre teoria política, sociologia, antropologia e linguística.
2- Hedonismo: teoria ou doutrina filosófico-moral que afirma ser o prazer o
supremo bem da vida humana.
Viver a vida ou gravá-la?
Marcelo Gleiser
[1º§]Um artigo no jornal New York Times explora a onda explosiva do uso de celulares para gravar eventos, dos mais triviais aos mais significativos. Todo mundo quer ser a estrela da própria vida. Alguns vídeos postados no YouTube tornam-se "virais" (superpopulares) em questões de horas, como o do jornalista Scott Welsh que sacou seu celular em meio a uma pane no seu voo para gravar o caos e o drama a bordo. Conseguiu até sorrir com máscara de oxigênio no rosto. (O avião pousou sem problemas.) Se a morte parece inevitável, por que não registrar seus últimos momentos?
[2º§]Por um lado, isso faz sentido; nossa vida é importante, e queremos ser vistos, dividir nossas experiências, ser apreciados. Por outro, porém, essa compulsão de gravar tudo acaba provocando um distanciamento do momento vivido. Na ânsia de registrar nossas vidas, acabamos vivendo menos, deixando de nos engajar com o que ocorre.
[3º§]Algo ocorreu com nossa psique entre o diário que trancávamos na gaveta e a câmera de vídeo. Os celulares apenas agravaram essa tendência. Eis um exemplo. Em junho de 2001, acompanhei um grupo de ex-alunos da minha universidade num cruzeiro para ver um eclipse total do Sol na costa de Madagascar. No navio, havia um grupo de "caçadores de eclipse", pessoas que vão pelo mundo atrás de eclipses do Sol, aliando turismo à ciência. Quando presenciamos um eclipse, dá para entender por quê: é uma experiência primal, que nos remete a um estado emocional de maravilhamento com o mundo natural, ligando-nos a algo maior do que somos. Para minha surpresa, quando o momento estava para chegar, o convés do navio foi invadido por tripés e câmeras: entre assistir ao evento durante os poucos minutos em que a Lua oculta o Sol e o dia se torna mágico, as pessoas optaram por ver tudo por detrás duma lente.
[4º§]Fiquei chocado, especialmente porque profissionais a bordo tirariam fotos e fariam vídeos muito melhores do que os amadores. Mas as pessoas queriam fazer o seu vídeo, tirar as suas fotos. Fui a dois outros eclipses e foi a mesma coisa. As pessoas optaram por viver a experiência por trás duma máquina, em vez de visceralmente.
[5º§]O que os celulares e a mídia social fizeram foi facilitar enormemente o processo de registro e de distribuição das imagens. O alcance é muito maior e a gratificação é quantitativa (o número de "curtidas" que uma foto ou vídeo recebe).
[6º§]Claro, tem um lado disso que é ótimo. Celebramos os momentos significativos das nossas vidas e queremos dividi-los com as pessoas próximas. Mas a maioria do que é registrado não é significativo ou dividido com pessoas próximas. Deixamos de participar do momento, porque gravá-lo para os outros é mais importante (...).
[7º§]Nada substitui o contato direto, o olho no olho, a conversa direta. Os aparelhos são geniais, claro. Mas não devem definir como vivemos nossas vidas ou como vivenciamos momentos significativos; apenas complementá-los.
Fonte: Jornal Folha de São Paulo, 05/10/2014. Texto Adaptado.
Viver a vida ou gravá-la?
Marcelo Gleiser
[1º§]Um artigo no jornal New York Times explora a onda explosiva do uso de celulares para gravar eventos, dos mais triviais aos mais significativos. Todo mundo quer ser a estrela da própria vida. Alguns vídeos postados no YouTube tornam-se "virais" (superpopulares) em questões de horas, como o do jornalista Scott Welsh que sacou seu celular em meio a uma pane no seu voo para gravar o caos e o drama a bordo. Conseguiu até sorrir com máscara de oxigênio no rosto. (O avião pousou sem problemas.) Se a morte parece inevitável, por que não registrar seus últimos momentos?
[2º§]Por um lado, isso faz sentido; nossa vida é importante, e queremos ser vistos, dividir nossas experiências, ser apreciados. Por outro, porém, essa compulsão de gravar tudo acaba provocando um distanciamento do momento vivido. Na ânsia de registrar nossas vidas, acabamos vivendo menos, deixando de nos engajar com o que ocorre.
[3º§]Algo ocorreu com nossa psique entre o diário que trancávamos na gaveta e a câmera de vídeo. Os celulares apenas agravaram essa tendência. Eis um exemplo. Em junho de 2001, acompanhei um grupo de ex-alunos da minha universidade num cruzeiro para ver um eclipse total do Sol na costa de Madagascar. No navio, havia um grupo de "caçadores de eclipse", pessoas que vão pelo mundo atrás de eclipses do Sol, aliando turismo à ciência. Quando presenciamos um eclipse, dá para entender por quê: é uma experiência primal, que nos remete a um estado emocional de maravilhamento com o mundo natural, ligando-nos a algo maior do que somos. Para minha surpresa, quando o momento estava para chegar, o convés do navio foi invadido por tripés e câmeras: entre assistir ao evento durante os poucos minutos em que a Lua oculta o Sol e o dia se torna mágico, as pessoas optaram por ver tudo por detrás duma lente.
[4º§]Fiquei chocado, especialmente porque profissionais a bordo tirariam fotos e fariam vídeos muito melhores do que os amadores. Mas as pessoas queriam fazer o seu vídeo, tirar as suas fotos. Fui a dois outros eclipses e foi a mesma coisa. As pessoas optaram por viver a experiência por trás duma máquina, em vez de visceralmente.
[5º§]O que os celulares e a mídia social fizeram foi facilitar enormemente o processo de registro e de distribuição das imagens. O alcance é muito maior e a gratificação é quantitativa (o número de "curtidas" que uma foto ou vídeo recebe).
[6º§]Claro, tem um lado disso que é ótimo. Celebramos os momentos significativos das nossas vidas e queremos dividi-los com as pessoas próximas. Mas a maioria do que é registrado não é significativo ou dividido com pessoas próximas. Deixamos de participar do momento, porque gravá-lo para os outros é mais importante (...).
[7º§]Nada substitui o contato direto, o olho no olho, a conversa direta. Os aparelhos são geniais, claro. Mas não devem definir como vivemos nossas vidas ou como vivenciamos momentos significativos; apenas complementá-los.
Fonte: Jornal Folha de São Paulo, 05/10/2014. Texto Adaptado.
Observe o conceito gramatical de conjunções alternativas:
Conjunções alternativas – como o nome indica, enlaçam as unidades coordenadas matizando-as de um valor alternativo, quer para exprimir a incompatibilidade dos conceitos envolvidos, quer para exprimir a equivalência deles. A conjunção alternativa por excelência é ou, sozinha ou duplicada
(...).
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa; Atualizada pelo Novo Acordo
Ortográfico. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009: p. 321.
A partir dessa noção gramatical, a opção que explica o valor semântico
da conjunção ‘ou’ no título “Viver a vida ou gravá-la” é
Os meios de comunicação como exercício de poder
Por Marilena Chauí - Palestra proferida no lançamento da campanha “Para Expressar a Liberdade – Uma nova lei para um novo tempo”, em 27/08/2012, no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.
Podemos focalizar o exercício do poder pelos meios de comunicação de massa sob dois aspectos principais: o econômico e o ideológico.
Do ponto de vista econômico, os meios de comunicação fazem parte da indústria cultural. Indústria porque são empresas privadas operando no mercado e que, hoje, sob a ação da chamada globalização, passa por profundas mudanças estruturais, “num processo nunca visto de fusões e aquisições, companhias globais ganharam posições de domínio na mídia.”, como diz o jornalista Caio Túlio Costa. Além da forte concentração (os oligopólios beiram o monopólio), também é significativa a presença, no setor das comunicações, de empresas que não tinham vínculos com ele nem tradição nessa área. O porte dos investimentos e a perspectiva de lucros jamais vistos levaram grupos proprietários de bancos, indústria metalúrgica, indústria elétrica e eletrônica, fabricantes de armamentos e aviões de combate, indústria de telecomunicações a adquirir, mundo afora, jornais, revistas, serviços de telefonia, rádios e televisões, portais de internet, satélites, etc.
No caso do Brasil, o poderio econômico dos meios é inseparável da forma oligárquica do poder do Estado, produzindo um dos fenômenos mais contrários à democracia, qual seja, o que Alberto Dines chamou de “coronelismo eletrônico”, isto é, a forma privatizada das concessões públicas de canais de rádio e televisão, concedidos a parlamentares e lobbies privados, de tal maneira que aqueles que deveriam fiscalizar as concessões públicas se tornam concessionários privados, apropriando-se de um bem público para manter privilégios, monopolizando a comunicação e a informação. Esse privilégio é um poder político que se ergue contra dois direitos democráticos essenciais: a isonomia (a igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito à palavra ou o igual direito de todos de expressar-se em público e ter suas opiniões publicamente discutidas e avaliadas). Numa palavra, a cidadania democrática exige que os cidadãos estejam informados para que possam opinar e intervir politicamente e isso lhes é roubado pelo poder econômico dos meios de comunicação.
A isonomia e a isegoria são também ameaçadas e destruídas pelo poder ideológico dos meios de comunicação. De fato, do ponto de vista ideológico, a mídia exerce o poder sob a forma do que denominamos a ideologia da competência, cuja peculiaridade está em seu modo de aparecer sob a forma anônima e impessoal do discurso do conhecimento, e cuja eficácia social, política e cultural está fundada na crença na racionalidade técnico-científica.
A ideologia da competência pode ser resumida da seguinte maneira: não é qualquer um que pode em qualquer lugar e em qualquer ocasião dizer qualquer coisa a qualquer outro. O discurso competente determina de antemão quem tem o direito de falar e quem deve ouvir, assim como pré-determina os lugares e as circunstâncias em que é permitido falar e ouvir, e define previamente a forma e o conteúdo do que deve ser dito e precisa ser ouvido. Essas distinções têm como fundamento uma distinção principal, aquela que divide socialmente os detentores de um saber ou de um conhecimento (científico, técnico, religioso, político, artístico), que podem falar e têm o direito de mandar e comandar, e os desprovidos de saber, que devem ouvir e obedecer. Numa palavra, a ideologia da competência institui a divisão social entre os competentes, que sabem e por isso mandam, e os incompetentes, que não sabem e por isso obedecem.
Enquanto discurso do conhecimento, essa ideologia opera com a figura do especialista. Os meios de comunicação não só se alimentam dessa figura, mas não cessam de instituí-la como sujeito da comunicação. O especialista competente é aquele que, no rádio, na TV, na revista, no jornal ou no multimídia, divulga saberes, falando das últimas descobertas da ciência ou nos ensinando a agir, pensar, sentir e viver. O especialista competente nos ensina a bem fazer sexo, jardinagem, culinária, educação das crianças, decoração da casa, boas maneiras, uso de roupas apropriadas em horas e locais apropriados, como amar Jesus e ganhar o céu, meditação espiritual, como ter um corpo juvenil e saudável, como ganhar dinheiro e subir na vida. O principal especialista, porém, não se confunde com nenhum dos anteriores, mas é uma espécie de síntese, construída a partir das figuras precedentes: é aquele que explica e interpreta as notícias e os acontecimentos econômicos, sociais, políticos, culturais, religiosos e esportivos, aquele que devassa, eleva e rebaixa entrevistados, zomba, premia e pune calouros – em suma, o chamado “formador de opinião” e o “comunicador”.
Ideologicamente, o poder da comunicação de massa não é uma simples inculcação de valores e ideias, pois, dizendo-nos o que devemos pensar, sentir, falar e fazer, o especialista, o formador de opinião e o comunicador nos dizem que nada sabemos e por isso seu poder se realiza como manipulação e intimidação social e cultural.
Um dos aspectos mais terríveis desse duplo poder dos meios de comunicação se manifesta nos procedimentos midiáticos de produção da culpa e condenação sumária dos indivíduos, por meio de um instrumento psicológico profundo: a suspeição, que pressupõe a presunção de culpa. [...]
Assinale a opção sobre a ideia que se confirma no texto:
(I) O exercício do poder pelos meios de comunicação de massa se exerce, exclusivamente, pelo aspecto econômico e ideológico.
(II) No Brasil, o privilégio de que se beneficiam parlamentares e lobbies privados ocorre em conformidade com a isonomia e a isegoria.
(III) O especialista competente é aquele profissional capacitado para nos dar orientações sobre como devemos conduzir nossa vida.
(IV) A manipulação e a intimidação social e cultural são manifestações do exercício do poder do especialista, do formador de opinião e do comunicador sobre nós.
“Sobre o verde berço da floresta / Onde brota fauna e flora tão vibrante, / Nasceste tu, minha Belém, / Entre o leve alento dos igarapés / E agrados de rios afluentes.” (Eduardo Neves, “Hino de Belém”)
Nesses versos iniciais do hino da cidade de Belém, encontramos a seguinte figura de linguagem
“Os comerciantes que desejam estar atentos e fortes, em um mercado altamente competitivo e acirrado pela retração econômica, já sabem de cor e salteado o beabá das ferramentas do marketing promocional. O diretor do grupo Albero conta que todas as lojas oferecem degustação dos produtos em lançamento, com profissionais especializados para orientar e tirar as dúvidas dos consumidores.” (JORNAL DO COMMERCIO, 06 de abril de 2016)
O trecho acima contém dois períodos, o segundo deles emprega uma oração
“O Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos do Pará e Amapá divulgou o resultado da venda de veículos novos no estado em março. Segundo os dados, foram comercializadas 9.804 unidades em âmbito local no mês passado, ante as 8.711 unidades de fevereiro. No entanto, no acumulado do ano, foram emplacados 26.981 veículos, contra 34.249 no mesmo período do ano passado, representando queda de 21,22%.” (CORREIO DE TOCANTINS, 19 de abril de 2016)
Assinale a alternativa que analisa corretamente o papel sintático do termo transcrito.
Observe estas cinco frases-título recolhidas de notícias de jornal:
I – TUMULTO À TOA.
II – UM NÃO À VIOLÊNCIA.
III – NOMEAÇÕES À VAREJO.
IV – JANTARZINHO À LUZ DE VELA.
V – FUTEBOL À EUROPEIA.
Quantas delas contêm erro no emprego do acento indicativo de crase?
“Foi tranquilo o movimento de saída da cidade, na manhã do feriado de ontem, no Terminal Rodoviário de Belém e na Praça da Leitura, em São Brás. Na Praça, das 5 às 8h30, 12 ônibus haviam saído com lotação entre 30 e 40 passageiros e o 13º ainda aguardava por usuários para sair, perto das 9h. Não havia fila. No terminal, a única empresa a registrar uma pequena fila no guichê era a Sucesso, com linhas para cidades do nordeste paraense, como Marudá, Marapanim, Curuçá, Abade, Cristolândia, São João da Ponta e Vigia. Segundo um dos vendedores de bilhetes, os municípios mais procurados na manhã desta sexta eram Marudá (28 reais), Curuçá (24 reais) e Vigia (16,50). A expectativa era de que houvesse melhora no movimento, pela parte da tarde, devido ao fluxo natural de pessoas que trabalham em Belém durante a semana e normalmente voltam para casa em suas cidades de origem todas as sextas-feiras, no final da tarde.” (O LIBERAL, 23 de abril de 2016)
Da leitura atenta da notícia, depreende-se que
“A homologação da terra indígena Cachoeira Seca pode ajudar a frear o desmatamento no norte da região conhecida como Terra do Meio, no oeste do Pará. É o que espera o secretário executivo do Instituto Socioambiental (ISA). O governo federal homologou esta semana a demarcação da terra indígena e destinou a posse permanente e o usufruto exclusivo da área aos índios Arara. O território de mais 730 mil hectares está localizado nos municípios paraenses de Altamira, Placas e Uruará.” (GAZETA DE SANTARÉM, 09 de abril de 2016)
A notícia dá a entender que existe uma relação direta de causa e efeito entre
“De vez em quando, aquelas canoas passavam ao lado do barco grande, os ribeirinhos ficavam acenando e as pessoas retribuíam o aceno – é algo bastante único, que talvez só seja encontrado na região amazônica.” (Rudá Frias, “Crônicas da Cidade Morena”)
O comentário do narrador destaca uma cena comum na região, atestando
“Morei por quatro anos num lugar chamado Vila dos Cabanos, também conhecido como a Nova Barcarena, distrito do município de Barcarena. Quase todo mês eu ia com a minha mãe para Belém, fosse para visitar os parentes ou somente para comprar aquelas coisinhas que a gente só encontra na capital.
O barco era grande, tinha dois andares e saía do porto rumo a Belém sempre naquele vento constante. Durante a viagem, que levava em torno de 1h10min, passávamos por diversas ilhas e, nessas ilhas, eu podia ver aquelas casinhas lá ao longe, no meio da mata, longe de tudo. Ficava me perguntando sobre como seria a vida das pessoas que ali moravam, se eram felizes... Nunca consegui entender como aquelas pessoas preferiam morar no meio do nada a ficar em um centro urbano. Hoje em dia, obviamente, meu pensamento já mudou. Algo que eu adorava ver eram aquelas enormes torres de energia que atravessavam os rios. Achava aquilo uma coisa fantástica, linda. (Rudá Frias, “Crônicas da Cidade Morena”)
O cronista diz que “obviamente” seu pensamento, hoje em dia, mudou. Por que, para ele, isso é óbvio?
Conheça Aris, que se divide entre socorrer e fotografar náufragos
Profissional da AFP diz que a experiência de documentar o sofrimento
dos refugiados deixou-o mais rígido com as próprias filhas.
O grego Aris Messinis é fotógrafo da agência AFP em Atenas. Cobriu guerras e os protestos da Primavera Árabe. Nos últimos meses, tem se dedicado a registrar a onda de refugiados na Europa. Ele conta em um blog da AFP, ilustrado com muitas fotos, como tem sido o trabalho na ilha de Lesbos, na Grécia, onde milhares de refugiados pisam pela primeira vez em território europeu. Mais de 700.000 refugiados e imigrantes clandestinos já desembarcaram no litoral grego este ano. As autoridades locais estão sendo acusadas de não dar apoio suficiente aos que chegam pelo mar, e há até a ameaça de suspender o país do Acordo Schengen, que permite a livre circulação de pessoas entre os Estados-membros.
Messinis diz que o mais chocante do seu trabalho é retratar, em território pacífico, pessoas que trazem no rosto o sofrimento da guerra. “Só de saber que você não está em uma zona de guerra torna isso ainda mais emocional. E muito mais doloroso”, diz Messinis. Numa guerra, o fotógrafo também corre perigo, então, de certa forma, está em pé de igualdade com as pessoas que protagonizam as cenas que ele documenta. Em Lesbos, não é assim. Ele está em absoluta segurança. As pessoas que chegam estão lutando por suas vidas. Não são poucas as que morrem de hipotermia mesmo depois de pisar em terra firme, por falta de atendimento médico.
Exatamente por causa dessa assimetria entre o fotojornalista e os protagonistas de suas fotos, muitas vezes Messinis deixa a câmera de lado e põe-se a ajudá-los. Ele se impressiona e se preocupa muito com os bebês que chegam nos botes. Obviamente, são os mais vulneráveis aos perigos da travessia. Messinis fotografou os cadáveres de alguns deles nas pedras à beira-mar.
O fotógrafo grego diz que a experiência de ver o sofrimento das crianças refugiadas deixou-o mais rígido com as próprias filhas. As maiores têm 9 e sete anos. A menor, 7 meses. Quando vê o que acontece com as crianças que chegam nos botes, Messinis pensa em como suas filhas têm sorte de estarem vivas, de terem onde morar e de viverem num país em paz. Elas não têm do que reclamar.
(Por: Diogo Schelp 04/12/2015. Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/a-boa-e-velha-reportagem/conheca-aris-que-se-divide-entre-socorrer-e-fotografar-naufragos/.)