Texto 1 – Surpreendente "creche" de dinossauros é descoberta
em sítio na Bolívia [adaptado]
Na região de Tarija, cerca de 350 pegadas possibilitaram a
cientistas criar hipóteses sobre o comportamento da megafauna;
mas registros correm risco de ser perdidos
Por Redação Galileu
28/03/2023
Um grupo de pesquisadores descobriu, na região de Tarija, no
sul da Bolívia, um sítio paleontológico que pode guardar os
registros mais antigos de dinossauros em toda a América do
Sul. A “creche”, como foi apelidada, provavelmente serviu de rota
migratória há 150 milhões de anos e guarda pegadas de
indivíduos jovens e adultos. Os resultados do estudo foram
publicados em julho na revista Historical Biology.
O achado traz nova complexidade ao acervo fóssil do país,
que agora conta com mais 350 peças paleontológicas para ser
avaliadas, além de acender um alerta para os deslizamentos de
terra na região. Esses eventos catastróficos podem provocar o
desaparecimento ou o atraso de novas descobertas sobre a
antiga fauna.
Viagem no tempo
A partir da avaliação da região e dos fósseis encontrados, os
especialistas garantem que o registro retrata a transferência de
um grande grupo. Eles trabalham com o cenário de que dois
saurópodes adultos (do tipo brontossauro) conduziram centenas
de seus filhotes ao longo do trajeto, em um comportamento de
rebanho e proteção dos jovens.
Ainda foram identificados no espaço dois ornitópodes
(especificamente, iguanodontes) e um terópode (do tipo
tiranossauro), que também parecem ter feito o caminho juntos.
Essa trilha parece ter seu início no sul do Peru, passando pelo
centro da Bolívia e chegando até o norte da Argentina.
Até agora, o país só tinha registros do início e do fim da era
desses répteis gigantes. “Com essa descoberta, a Bolívia passa a
ter um sítio com pegadas de dinossauros dos três períodos:
Triássico, Jurássico e Cretáceo”, afirma Sebastián Apesteguía, um
dos autores do estudo, em entrevista ao jornal espanhol El País.
O artigo descreve as pegadas dos saurópodes adultos como
arredondadas e semelhantes às de elefantes, com 75 a 95
centímetros de diâmetro. Com base nisso, os cientistas
calcularam que seus quadris estariam quase quatro metros acima
do solo, seus corpos teriam cerca de 20 metros de comprimento
do nariz à cauda e seriam capazes de caminhar em uma
velocidade média de 5 km/h. Por outro lado, as pegadas dos
jovens dinossauros medem entre 15 e 30 centímetros de
diâmetro.
Embora os investigadores avisem que não há garantia
absoluta de que os saurópodes viajavam em rebanho, eles
defendem que as provas apontam para isso. Se a migração fosse
individual ou de um agrupamento menor, os rastros dos
indivíduos mais jovens seriam encontrados dentro ou
sobrepostos aos maiores, não ao seu lado.
[...]
Risco de perda
A descoberta do sítio foi inesperada e aconteceu logo após
chuvas torrenciais na primavera de 2019, que resultaram
em deslizamentos de terra às margens do rio Santa Ana, perto da
cidade de Entre Ríos. Mas, da mesma forma como foram
encontrados, esses fósseis podem ser perdidos.
Devido a novos deslizamentos de terra na região, os cientistas
buscam apoio das autoridades locais para assumir medidas de
proteção ao sítio e às pegadas. “É impossível proteger os fósseis
construindo uma estrutura inteira na bacia hidrográfica. O que
deve ser feito agora é a digitalização das impressões. Tarija é um
patrimônio e os mais incríveis fósseis de sua megafauna estão
espalhados pelo mundo em exposições de destaque”, destaca
Apesteguía.
Méndez Torres, outro autor do estudo, acrescenta que a falta
de cultura científica contribui para o problema de gestão. “Em
lugares onde há achados do Quaternário, as pessoas dançam
sobre os fósseis porque há setores onde é totalmente impossível
[mover-se] sem pisar em um disco", pontua. "Mastodontes,
gliptodontes, preguiças e inúmeros outros espécimes são
totalmente abandonados, mesmo em locais onde há placas
alertando para multas por retirada de fósseis sem autorização.
Com meus próprios olhos, vi como um amador pegou dez
moedas, pagou a multa e as levou embora. Infelizmente, é isso
que vivemos na Bolívia.”
Enquanto ocorrem esses entraves na busca por uma solução,
os fósseis seguem desprotegidos. Em 2020, por exemplo, os
cientistas contam que um deslizamento levou à perda de mais de
30 pegadas. Na ocasião, mesmo frente a pedidos feitos pela
comunidade paleontológica, as autoridades responsáveis por
retirar os blocos das estradas simplesmente os levaram embora,
sem tomar os devidos cuidados de recuperação e
armazenamento desse material.
Disponível em:
revistagalileu.globo.com/ciência/noticia/surpreendente-crechede-dinossauros-e-descoberta-em-sitio-na-bolivia