Leia o texto para responder à questão.
O amor supera o calendário
Convidada por amigas para posar sem roupa para um
calendário beneficente, dona Isadora hesitou muito. Educada
numa tradição de severo moralismo, desaprovava fotos desse tipo, que considerava baixaria. Além disso, aos setenta
anos, não era exatamente um modelo desses que desfilam
em passarela, embora conservasse ainda muitos traços de
sua passada beleza e tivesse, graças à ginástica diária e a
uma dieta controlada, um corpo até razoável para a idade.
De outro lado, a causa era boa; tratava-se de ajudar um
hospital especializado em câncer infantil, que precisava de
muito dinheiro. Essa campanha, para ela, era inusitada. O
certo é que ninguém a recriminaria por sua atitude. O marido,
um homem de rígida moral, falecera há muitos anos. Resolveu ir em frente, e no dia estava ela, sem roupa, mas atrás
de flores, posando para um fotógrafo. A princípio sentiu-se
constrangida, mas lá pelas tantas estava até gostando.
O calendário foi um sucesso. Um dia, dona Isadora recebeu um telefonema. Do outro lado, uma voz masculina cumprimentava-a pela foto: – Vejo que você continua bela como
sempre. Parabéns.
Era o Belmiro, seu primeiro namorado. Haviam se conhecido no bairro em que moravam e viveram uma tórrida
paixão. Mas o pai dele, militar, levara a família para o Norte,
o que acabara por interromper o namoro. Por décadas não
se tinham visto; agora, Belmiro, de volta à cidade, por acaso
comprara o calendário e, pela saudade, resolvera telefonar.
Como Isadora, estava viúvo; e, como ela, recordava com
saudades os tempos de namoro.
Estão morando juntos e vivendo muito felizes. Belmiro só
fez uma exigência: Isadora jamais posará para um calendário
de novo.
(Moacyr Scliar, Histórias que os jornais não contam.
L&PM Editores. Adaptado)