Menores infratores: o desafio da recuperação
Falta de mercado de trabalho é uma das dificuldades enfrentadas pelo Creas, instituição que atende menores
infratores e busca o encaminhamento desses jovens
Rio Grande do Sul – 05 de maio de 2017
Acompanhamento com especialistas e palestras são algumas das estratégias usadas pelo Centro de
Referência Especializado em Assistência Social (Creas) no intuito de recuperar jovens infratores que cumprem
medidas socioeducativas. Menores de 18 anos que foram flagrados desrespeitando a lei são encaminhados para
essa instituição, localizada no bairro Oriental.
Os jovens recebem acompanhamento do Creas. “O adolescente infrator recebe a determinação para
cumprir medida socioeducativa da Justiça e vem para o Creas, onde conversa com uma assistente social e é
elaborado um plano individual de atendimento, buscando conhecer ele, sua história e onde cumprir as medidas.
Temos reuniões de grupos semanais onde são abordados temas relativos à cidadania, drogadição e outros
assuntos importantes para a vida”, explica Franciele Tais Bohrer, assistente social e coordenadora do Creas.
Juliano Moura, capitão da Brigada Militar (BM), relata que é comum flagrar menores de 18 anos
cometendo crimes em Carazinho. “Por vezes, nos deparamos com adolescentes infringindo a lei. Percebe-se no
dia a dia que há a participação do adolescente em muitos delitos, seja somente entre menores de 18 anos ou na
companhia de maiores de idade. E os delitos são de todas as ordens, como roubo, venda e consumo de drogas e
muitos atos infracionais nos âmbitos familiar e escolar”, revela.
Mercado de trabalho
Os entrevistados pelo DM Carazinho afirmam que é possível recuperar jovens infratores. Porém,
algumas barreiras são enfrentadas. “Temos dificuldades em buscar parceiros para o cumprimento das medidas
socioeducativas e também em encontrar emprego para os jovens após o cumprimento das medidas. Entendemos
ser importante a inserção deles no mercado de trabalho para não ficarem ociosos. É um desafio para nós, além
de conseguir emprego para eles, mostrar que existe vida além dos atos infracionais. A sociedade precisa dar a
sua contribuição, inclusive a lei determina esse apoio”, relata Franciele.
Condenado por um crime que não cometeu, e posteriormente absolvido pelo Tribunal de Justiça, o
desportista Jarbas Rezende, que já palestrou duas vezes para os jovens atendidos pelo Creas, também defende
a abertura de mercado de trabalho. “Muito se fala em recuperação para o menor infrator, mas para isso é preciso
apresentar um horizonte para eles. O Creas precisa de mais apoio para funcionar e nisso o Poder Judiciário
poderia auxiliar com recursos, inclusive das penas alternativas”, argumenta.
Para o delegado Ednei Albarello, titular da Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Carazinho,
“a própria sociedade cria um preconceito, não que seja normal, mas quase automático com ex-presos ou exinternos. As empresas não dão espaço. Seria importante se o jovem conseguisse o emprego e incutisse em sua
cabeça que esse é o meio de vida correto”, opina.
Moura ressalta a importância do acompanhamento profissional na recuperação dos jovens. “Medidas
socioeducativas fortes e acompanhamento profissional, principalmente de psicólogos, podem amenizar a
situação e recuperar o indivíduo. Com certeza o trabalho seria um encaminhamento, até para um adulto, mas é
preciso, além da vaga, a qualificação”, pondera.
Ressocialização
O Estatuto da Criança e do Adolescente apregoa que a medida socioeducativa tem a função de
ressocializar. “Na prática as instituições responsáveis fazem o necessário, mas a grande maioria dos jovens
infringe a lei e segue no mesmo ritmo de cometer crimes. O objetivo da ressocialização não é alcançado”, alega
Albarello.
Para Moura, é preciso mudar o contexto em que crescem os jovens. “Dá para recuperar com medidas
socioeducativas mais enérgicas. Porém, eu acredito que o grande diferencial é o tratamento do ambiente, do
contexto em que essas crianças e adolescentes vivem. Precisamos de políticas públicas no intuito de que esses
jovens frequentem a escola, que tenham um convívio familiar saudável e com bons exemplos dos pais. Além
disso, o Comdicacar, os projetos sociais e a prática esportiva são importantes”, enumera o capitão da BM.
O cenário que forja um jovem infrator é complexo. Ele pode começar num contexto de desestrutura
familiar, inclusive com o fato de seus familiares estarem ligados à criminalidade. Junta-se a isso, na maior parte
dos casos, o crescimento em um ambiente hostil, marcado principalmente pela presença do tráfico de drogas.
Após serem pegos em atividade fora da lei, muitos reincidem em atos infracionais. E a reincidência
guarda forte relação com o contexto em que ele foi criado. “Muitos jovens emendam uma medida na outra
porque ainda não terminaram de cumprir o que havia sido determinado e já voltaram a cometer crimes. A
reincidência no ato infracional predomina no caso de jovens cujas famílias também tem envolvimento com esse
mundo”, revela Franciele.
Para Albarello, o crime é uma realidade na vida dos jovens. “Dos menores infratores, 99% têm uma
família desregrada. Seus pais têm problemas com drogas e álcool ou são envolvidos na criminalidade. A criança
nasce e cresce nesse meio e é muito difícil reverter essa situação. Estudos mostram que salvar alguém nessas
condições é a exceção da regra”, pontua.
Atualmente, o Creas atende cerca de 70 jovens infratores, a maior parte dos casos por envolvimento no
tráfico de drogas. “Já ressocializamos muitos jovens. Outros, perdemos para o mundo do crime. É uma vitória
quando conseguimos salvar um deles. Quando não conseguimos, sabemos que voltarão para o crime”, lamenta
Franciele.
Disponível em:<https://diariodamanha.com/noticias/menores-infratores-o-desafio-da-recuperacao/> . Acesso em: 28 jun. 2021.