TEXTO I
Mas carecia de ficar sozinho com o Dito. Tinha aprendido o
segredo de uma coisa, valor de ouro, que aumentava para sempre
seu coração. – “Dito, você sabe que quando a gente reza, reza,
reza, mesmo no fogo do medo, o medo vai s’embora, se a gente
rezar sem esbarrar?!” (...) [Dito] Tirou um pedaço de rapadurinha
preta do bolso, repartiu com Miguilim. Depois, falou:
– “Mas eu sei, que é mesmo. Aquilo que você perguntou.” –
Então, quando você está com medo, você também reza, Dito?” “–
Rezo baixo e aperto a mão fechada, aperto o pé no chão, até
doer...” “– Por que será, Dito?” “– Eu rezo assim. Eu acho que é
por causa que Deus é corajoso”.
O Dito, menor, muito mais menino, e sabia em adiantado as
coisas, com uma certeza, descarecia de perguntar. Ele, Miguilim,
mesmo quando sabia, espiava na dúvida, achava que podia ser
errado. Até as coisas que ele pensava, precisava de contar ao
Dito, para o Dito reproduzir, com aquela força séria, confirmada,
para então ele acreditar mesmo que era verdade.
GUIMARÃES ROSA, João. Manuelzão e Miguilim. 11. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2001. p. 97-98.