TEXTO I
Um mergulho no oceano
A última vez que entrei numa sala de aula foi no último
dia da faculdade, e lá se vão muitas luas, parece que foi em
outra vida. Fazia tanto tempo que eu não era estudante que
fiquei apreensiva ao me matricular na The London School of
English, de onde retornei semana passada. Haveria quantos
alunos por sala? Ainda existe giz e quadro-negro? E sendo eu
uma analfabeta digital, passaria vergonha levando um caderno
e uma caneta para anotações?
Éramos poucos em cada sala – no máximo oito, entre
tchecos, russos, japoneses, italianos, espanhóis e brasileiros. O
quadro-negro agora é um quadro branco onde se escreve com
marcadores coloridos (para os saudosistas, vale uma visita à
Saatchi Gallery, que expõe antigos quadros-negros das mais
famosas universidades do mundo – Cambridge, Harvard, Oxford
– extraindo de nós um novo olhar para o efeito das frases,
fórmulas e gráficos rabiscados a giz).
E a analfabeta digital não passou vergonha com seu
caderno e caneta, mesmo cercada por colegas equipados com
tablets e laptops. Não conheço recurso mais eficiente para reter
e decorar informações do que escrevê-las à mão. Fiquei
impressionada ao ver que alguns alunos fotografam o quadro
antes de o professor apagá-lo. Não copiam, simplesmente
fotografam com seus celulares. Eu sempre aprendi mais
escrevendo, sublinhando, fazendo círculos em torno das
palavras, enchendo a página de flechas e asteriscos. Meu
caderno ainda vai acabar sendo exposto numa mostra de
design.
O mais valioso da experiência foi resgatar o prazer
inocente de aprender. Cada nova palavra, cada nova expressão
era uma vitória particular que eu assimilava com humildade. A
minha vergonha em falar um idioma que não domino, e ao
mesmo tempo a disposição em me divertir com os próprios
erros, me tornavam uma aprendiz de mim mesma e da vida,
essa venerável mestra.
Algumas pessoas se satisfazem com o que já sabem, é
como se seu conhecimento coubesse numa piscina. Dão
algumas braçadas para um lado, outras braçadas para o outro,
agarram-se às bordas e tocam o fundo com os pés: sentem-se
seguras nessa amplitude restrita. Mas nada como mergulhar
num mar do conhecimento sem fim, onde não há limites, a
profundidade é oceânica e a ideia é nadar sem chegar à terra
firme, simplesmente manter-se em movimento. Cansa, mas
também revitaliza. Uma pena que nossa preguiça impeça a
grandeza de se descobrir algo novo todos os dias.
Eu, que além de apegada aos instrumentos rudimentares
da escrita, tenho certo receio de procedimentos estéticos em
geral, descobri uma maneira de me manter jovem para sempre,
mesmo que, olhando, ninguém diga: não vou mais parar de
estudar e assim realizarei a utopia de me sentir com 20 anos até
os 100 – depois disso, aí sim, recreio.
MEDEIROS, Martha. Simples assim. 12. ed. – Porto Alegre, RS: LP&M,
2016.