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RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Assinale a alternativa que justifica o uso da forma “porque” no texto: “Era a aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados” (𝓁. 4-8).
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
A acentuação gráfica das palavras “independência”, “inseparável” e “abrigá-los” se justifica, respectivamente pelas seguintes regras:
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Em “Que dizer do recomeço representado por Brasília” (𝓁. 24), o vocábulo sublinhado se classifica como:
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Na construção “Era a aurora de um país (...) dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em sonho outros ousariam” (𝓁. 4-6), o mais-que-perfeito e o futuro do pretérito simples do indicativo poderiam ser substituídos corretamente pelos seguintes tempos compostos:
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Na frase “Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos” (𝓁. 19), a concordância é considerada aceitável pela gramática normativa porque:
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Assim como na frase “Para a desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele” (𝓁. 30-31), a colocação pronominal está CORRETA em:
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Em “Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo” (𝓁. 17), a preposição é exigida pelo vocábulo:
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Assim como em “desimpedido” (𝓁. 30), o prefixo indica oposição, negação ou falta em:
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Assinale a alternativa em que as orações dos períodos estão corretamente segmentadas.
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
No período “O essencial é o seguinte: //nunca antes neste país houve um governo tão imbuído da ideia // de que veio // para recomeçar a história.” (𝓁. 32-33), a oração sublinhada é classificada como:
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Em “São duas efemérides que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço.” (𝓁. 1-2), o travessão simples é utilizado para:
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
A construção “Era a aurora de um país destemido” (𝓁. 4-5) contém a seguinte figura de linguagem:
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
O articulista emprega as aspas por variados motivos, um deles é impor um tom de censura irônica ao que diz. Assinale a alternativa em que todos os usos das aspas devem assim ser entendidos.
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Nos trechos “São duas efemérides que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante” (𝓁. 1-2) e “porque avançava por sertões ignotos” (𝓁. 5), as palavras sublinhadas significam, respectivamente:
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Na passagem a seguir, “José Bonifácio está fora das datas redondas que serão lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso” (𝓁. 11-12), o articulista sugere, ao empregar o vocábulo “carona”, o ponto de vista de que José Bonifácio:
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Conforme o que se pode ler sobre as qualidades de “dinâmico” (𝓁. 5), “justo” (𝓁. 6) e “moderno” (𝓁. 7) aplicadas ao Brasil estão na perspectiva da:
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Segundo o raciocínio do articulista, o que aproxima, do ponto de vista político, Joaquim Nabuco, José Bonifácio, Juscelino Kubitschek, os militares que governaram o país mais recentemente e o atual governo brasileiro é:
RECOMEÇOS PASSADOS E PRESENTES
01 ____ Em 2010 completam-se 100 anos da morte de Joaquim Nabuco e Brasília faz cinquenta anos. São duas efemérides
02 que dizem dos destinos da pátria de forma semelhante – ambas têm a ver com recomeços, ou tentativas de recomeço. Lembrar
03 de Nabuco é lembrar da abolição da escravatura, movimento do qual ele foi talvez o principal dos agentes, e com certeza o
04 mais elegante. Com a abolição pretendeu-se um recomeço. Com Brasília, 72 anos depois da abolição, pretendeu-se outro. Era a
05 aurora de um país destemido, porque avançava por sertões ignotos; dinâmico, porque ousara um empreendimento que só em
06 sonho outros ousariam; justo, porque na nova capital as diferenças de classe e de hierarquia se dissolveriam na homogeneidade
07 das superquadras e das vias expressas; e moderno, porque os terrenos baldios daquele naco do Planalto Central seriam
08 preenchidos por uma arquitetura de riscos deslumbrantemente avançados.
09 ____ Joaquim Nabuco (1849-1910) forma, com José Bonifácio, o Patriarca da Independência (1763-1838), a dupla de
10 maiores estadistas da história do Brasil. Eles merecem esse título não só pelo que fizeram, mas também pela ideia geral que os
11 movia – a ideia rara, lúcida e generosa de construção de uma nação. José Bonifácio está fora das datas redondas que serão
12 lembradas neste ano, mas é outro que personifica um recomeço – merece uma carona neste texto, por isso. Ele personifica a
13 independência, assim como Nabuco personifica a abolição. Ambos venceram, no sentido de que, em grande parte pelas
14 manobras de Bonifácio, o Brasil em 1822 se tornou independente, assim como, em grande parte pela pregação de Nabuco, a
15 escravidão foi legalmente abolida em 1888. Ambos perderam, porém, no que propunham como sequência necessária de tais
16 objetivos.
17 ____ Bonifácio ousou querer dotar o jovem estado brasileiro de um povo. Ora, um povo não podia ser formado por uma
18 sociedade dividida entre senhores e escravos. Daí que, três gerações antes de Nabuco, ele já propusesse a abolição da
19 escravidão. Falaram mais alto os interesses dos traficantes e dos senhores de escravos. Nabuco, se pegou a fortaleza escravista
20 já mais desgastada, pronta para o assalto final, não teve êxito na segunda parte de sua pregação: a distribuição de terras entre os
21 antigos escravos (ele dizia que a questão da “democratização do solo” era inseparável da emancipação) e o investimento num
22 sistema de educação abrangente o bastante para abrigá-los. Tal qual o de José Bonifácio, o recomeço pretendido por Nabuco
23 ficou pela metade.
24 ____ Que dizer do recomeço representado por Brasília? Há versões segundo as quais, entre os motivos que levaram o
25 presidente Juscelino Kubitschek a projetá-la, estaria a estratégia de fugir da pressão popular presente numa metrópole como o
26 Rio de Janeiro. Uma espúria síndrome de Versalhes contaminaria, desse modo, as nobres razões oficiais para a mudança da
27 capital. Mais perverso que a eventual mancha de origem, no entanto, é o destino que estava reservado à “capital da esperança”.
28 Meros quatro anos depois de inaugurada, ela viraria, com seu isolamento dos grandes centros e suas avenidas tão propícias à
29 investida dos tanques, a capital dos sonhos da ditadura militar. Hoje, é identificada com a corrupção e a tramoia. Pode ser
30 injusto. Falta demonstrar que, em outra cidade, a corrupção e a tramoia teriam curso menos desimpedido. Não importa. Para a
31 desgraça de Brasília, o estigma grudou-lhe na pele.
32 ____ “Falo, falo, e não digo o essencial”, costumava escrever Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: nunca antes neste
33 país houve um governo tão imbuído da ideia de que veio para recomeçar a história. Embalado por um lado em seus próprios
34 mitos, e por outro em festivos, se não interesseiros, louvores internacionais, chega a esta quadra acreditando que preside a uma
35 inédita mudança de estruturas, na ordem interna, ao mesmo tempo em que é premiado com uma promoção pela comunidade
36 internacional. Assim como ocorreu pelo menos duas vezes, em décadas recentes – com o “desenvolvimentismo” de JK e com o
37 “milagre econômico” dos militares –, propaga-se a ideia de que “desta vez vai”. A noção de que se está reinaugurando o país
38 traz o duplo prejuízo de poder ser interpretada como um embuste, de um lado, e induzir ao autoengano, de outro. Não há
39 refundação possível. Raras são as oportunidades de recomeço. O poder das continuidades é sempre maior.
40 ____ P.S.: É ano novo. Bom recomeço, para quem acredita neles.
TOLEDO, R. P. Recomeços Passados e Presentes. Veja. São Paulo, ed. 2146, ano 43, n. 1, p. 102, 06 jan. 2010.
Embora o texto apresente pontos de vista secundários, a tese central é a ideia de que: