Para responder à questão desta prova, considere o texto abaixo.
Das vezes em que fomos embora
Ana Clara Dantas
Fui embora poucas vezes na vida. A mais dramática foi mesmo quando saí de casa. Não
houve briga ou desentendimento. Eu apenas senti que não cabia mais numa cidade pequena.
Vim de Caicó para Natal, onde ainda estou e não tenho vontade de sair. Geograficamente
falando, minha maior partida. Pessoalmente, o encontro com o meu lugar no mundo.
Hoje estou mais sujeita a partidas alheias. Amigos que vão pro Rio, São Paulo, Santa
Catarina, Japão. E, a cada ida, a cidade fica maior, pois o que é físico torna-se coisa de
poeta: saudade. E, pra quem não sabe versar sobre ela, resta uma lágrima envergonhada.
Penso que ir embora é ter certeza de que pessoas, sentimentos e até objetos ocupam
espaço. Porque até você sair de vez, seja de onde for, tudo é banal. Um almoço com os pais,
uma saída com os amigos e a saudade besta do que se tem ao alcance. Depois, é saber que
nada disso cabe na mala ou num feriadão.
Sorte que a gente se espalha e a vida cuida de preencher os espaços. Já nem sei o quanto de
vida cabe em um dia, em um mês, e neste ano que tanto nos tirou. Nos arrancou convívio,
saúde, dinheiro, sossego, gente. E nos devolveu tudo em espanto a cada reencontro
encabulado. Vejo o que o tempo fez em cada um desde que fomos embora, saímos, deixamos
alguém. Estamos mesmo correndo.
Meio quilo de palavras ditas aos que me fazem tanta falta é tudo o que preciso. Quem dera
elas viessem assim, no peso. Ou sob encomenda. Talvez até por aplicativo. No entanto, as
palavras fogem. Pior, se amontoam e nada falam a ninguém, apesar do barulho. Limito-me a
dizer, então, que tenho saudades imensas.
E saudades precisam ser ditas. Mais, precisam ser ouvidas. E isso há de caber até na
bagagem de mão.
Disponível em: https://www.saibamais.jor.br/das-vezes-em-que-fomos-embora/. Acesso em: 3 mar. 2021.
[Adaptado]