Gravidez na adolescência
Drauzio Varella
Por um capricho da natureza feminina, a idade da
primeira menstruação diminuiu progressivamente desde
o início do século 20.
Em 1900, as moças menstruavam pela primeira vez ao
redor dos 17 anos. Hoje, nem bem completam 11 ou
12 anos e já menstruam. Ninguém sabe ao certo a razão
desse fenômeno biológico; é provável que esteja ligado
à melhor nutrição das crianças atuais.
Até a geração de nossas avós, as mulheres casavam
cedo, geralmente antes de entrar na fase reprodutiva.
Mais tarde, menstruavam e vinham os filhos, um atrás
do outro, até a menopausa. Viviam em sociedades com
taxas altas de mortalidade infantil, nas quais dar à luz
dez vezes era a estratégia reprodutiva mais sensata
para criar cinco ou seis sobreviventes.
Na era da informática, ao contrário, o investimento na
educação de uma ou duas crianças consome tanta
energia, que os casais responsáveis planejam com
extremo cuidado o tamanho de suas famílias.
Nas camadas de nível educacional mais alto, as
mulheres brasileiras seguem de perto a tendência
internacional de completar os estudos, conseguir
trabalho e independência financeira antes de pensar
em filhos. Nas maternidades particulares, há muito não
causam espanto as primigestas com mais de 40 anos.
Paradoxalmente, no entanto, ao lado dessa característica
dos novos tempos, convivemos com o antigo problema
da gravidez na adolescência, agravado agora pelo início
mais precoce da fase fértil das mulheres. Enquanto as
taxas gerais de fecundidade nas décadas de 1970 e
1980 caíram no país inteiro, o número de adolescentes
de 15 a 19 anos grávidas aumentou 26%.
A Pesquisa Nacional em Demografia e Saúde, realizada
em 1996, mostrou que 14% das meninas dessa faixa
etária já tinham pelo menos um filho e que as jovens mais
pobres apresentavam fecundidade dez vezes maior.
Entre as parturientes atendidas pela rede do SUS no
período de 1993 a 1998, houve aumento de 31% dos
casos de meninas entre 10 e 14 anos. Nesses cinco
anos, 50 mil adolescentes foram parar nos hospitais
públicos devido a complicações de abortos clandestinos.
Quase 3 mil estavam na faixa dos 10 aos 14 anos.
Como não poderia deixar de ser, a situação é
especialmente grave nas regiões mais pobres do país:
no Norte e no Nordeste, de cada três partos, uma das
mães tem de 10 a 19 anos. Mas, mesmo no Sul e no
Sudeste, o número de parturientes nessa faixa etária é
inaceitável: cerca de 25%.
Muitos especialistas em saúde pública calculam que
os índices de mortalidade infantil poderiam diminuir
significativamente, se houvesse prevenção da gravidez
na adolescência, no Brasil.
Grande parte das crianças assim nascidas são filhas
de homens que não assumem os deveres inerentes à
paternidade. Impunes à lei, simplesmente abandonam
os filhos aos cuidados da mãe despreparada, com
a conivência silenciosa da sociedade machista e
discriminatória em relação às mulheres.
O argumento de que esses homens são irresponsáveis
por serem eles também muito jovens nem sempre
é verdadeiro, dado o interesse que as adolescentes
costumam despertar nos homens mais velhos.
Ficar grávida ainda criança é uma das consequências
mais perversas da incompetência de nosso sistema
educacional.Amenina pobre, sem instrução, que começa
a vida com um bebê no colo, dificilmente conseguirá
mudar seu destino de miséria e ignorância.
[...]
Parece que o Ministério da Saúde está decidido a dedicar
mais atenção à prevenção da gravidez na adolescência.
Entre as medidas adotadas estão a preparação de
profissionais para atendimento, divulgação de material
educativo, acesso a métodos anticoncepcionais e
aos preservativos, além do estímulo à promoção de
atividades culturais e esportivas.
Embora essas intervenções sejam fundamentais, a
solução do problema não é tarefa exclusiva do governo.
A menina que fica grávida aos 12 anos não o faz por
decisão prévia, voluntária; engravida por falta de
informação, desvantagem econômica ou armadilha da
natureza. Se receber orientação adequada, saberá se
defender, como demonstram os estudos publicados
nessa área.
Ainda que não seja por solidariedade ou economia
de recursos, pelo menos por prudência é preciso agir.
Afinal, quantos marginais que nos tiram a tranquilidade
nas cidades brasileiras descendem de meninas
engravidadas em idade de brincar com boneca?
Disponível em: <https://drauziovarella.uol.com.br/drauzio/artigos/gravidez-na-adolescencia/>. Acesso em: 18 jan. 2019.