Para responder à questão, considere o texto abaixo.
A missão era simples. Ir ao supermercado do Amaro Branco, um bairro popular aqui de Olinda, onde o açougueiro e o
responsável pelas verduras ficam discutindo a plenos pulmões sobre a rodada do campeonato estadual ou lamentando as apostas
que fizeram pela internet, do campeonato europeu. Eu iria comprar frutas e uma lista pequena de coisas, além da minha indefectível
água mineral com gás. Compras estando feitas, botei a mão no bolso, o cartão ficou em casa. Aceitam “pix”? Ainda estamos
resolvendo isso, respondeu o gerente, com uma cara de cansado já de manhã. Desci o restante da ladeira sem nada, fui alugar uma
bicicleta para ir a um supermercado mais distante, mas só havia uma bicicleta, que não funcionava.
Já eram 10h20 da manhã e tudo tinha dado errado. O dia começou a mudar quando passei defronte à Maternidade do Tricentenário, a única pública da cidade. É impossível você passar pela frente e não ter imagens de mulheres grávidas, famílias preocupadas com o que está por acontecer. Mas o que me chamou a atenção foi um homem, que estava sentado num banquinho de praça,
que fica numa das poucas áreas com árvores no entorno, ao lado de uma farmácia. Era o famoso “galego”, como chamamos aqui em
Pernambuco. Branco, meio obeso, uns 35 anos, o rosto estava vermelho e suava como se fosse ter um infarto. Estava sozinho.
Imediatamente reduzi o passo, andei uns três metros e parei, para ver o que estava acontecendo. Sou de uma curiosidade
canina. Poucos segundos depois, sai de dentro do hospital uma mulher, que julgo ser sua irmã. Vem apressada, chorando, e começa
a falar bem alto, olhando para o meu amigo: “Mago, acabou de nascer. Ela é a tua cara, Mago, é a tua cara!” Nesse instante, o
homem cai num choro convulso. Abraça sua irmã, e chora profundamente. Fui tomado por uma emoção profunda, também comecei a
chorar, como se o galego fosse um parente. Fazia tempo que não via um homem chorar. Aliás, o choro parece que ficou uma coisa
meio clandestina. É difícil ver gente triste na internet.
(LIMA, Samarone. Nascimentos. Disponível em: www.revistacontinente.com.br. Adaptado)