Questões de Concurso Para celg/d-go

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Q683294 Português

Texto 2                         

                     O convite à viagem

                                              Charles Baudelaire 

Sonha, alma irmã,

A loucura sã

De termos lá nosso leito!

Amar sem correr,

Amar e morrer

No país que é do teu jeito!

O sol desses céus

Cintila entre véus

E tem pra mim o encanto

Do olhar de luz

Que trai e seduz

Brilhando através do pranto.


Lá, tudo é ordem, beleza,

Luxo, calma e prazer. 


Móveis ancestrais,

Polidos metais

Emolduram nossa cama;

A mais rara flor

Casa seu odor

Ao leve aroma do âmbar;

Tetos de cetim,

Espelhos sem fim,

Esplendores do Oriente,

Tudo fala então

Rente ao coração

Na doce língua da gente. 


Lá, tudo é ordem, beleza,

Luxo, calma e prazer. 


Vês neste canal

Dormir esta nau

De coração vagabundo?

É para atender

Teu menor querer

Que ela vem do fim do mundo!

Ao entardecer,

O sol ao morrer

Tinge cais, cidade, nave

De ouro e açafrão.

Os dias se vão

Numa luz quente e suave. 


Lá, tudo é ordem, beleza,

Luxo, calma e prazer. 

Disponível em: <http://nyontime.blogspot.com.br/2005/06/luxocalma-e-prazer.html>.Trad. Jorge Pontual. Acesso em: 30 out.2014.

O encanto do lugar idealizado pelo poeta
Alternativas
Q683293 Português

Texto 2                         

                     O convite à viagem

                                              Charles Baudelaire 

Sonha, alma irmã,

A loucura sã

De termos lá nosso leito!

Amar sem correr,

Amar e morrer

No país que é do teu jeito!

O sol desses céus

Cintila entre véus

E tem pra mim o encanto

Do olhar de luz

Que trai e seduz

Brilhando através do pranto.


Lá, tudo é ordem, beleza,

Luxo, calma e prazer. 


Móveis ancestrais,

Polidos metais

Emolduram nossa cama;

A mais rara flor

Casa seu odor

Ao leve aroma do âmbar;

Tetos de cetim,

Espelhos sem fim,

Esplendores do Oriente,

Tudo fala então

Rente ao coração

Na doce língua da gente. 


Lá, tudo é ordem, beleza,

Luxo, calma e prazer. 


Vês neste canal

Dormir esta nau

De coração vagabundo?

É para atender

Teu menor querer

Que ela vem do fim do mundo!

Ao entardecer,

O sol ao morrer

Tinge cais, cidade, nave

De ouro e açafrão.

Os dias se vão

Numa luz quente e suave. 


Lá, tudo é ordem, beleza,

Luxo, calma e prazer. 

Disponível em: <http://nyontime.blogspot.com.br/2005/06/luxocalma-e-prazer.html>.Trad. Jorge Pontual. Acesso em: 30 out.2014.

Nos versos “Vês neste canal/ Dormir esta nau/ De coração vagabundo?” a atribuição de características humanas ao navio
Alternativas
Q683292 Português

Texto 2                         

                     O convite à viagem

                                              Charles Baudelaire 

Sonha, alma irmã,

A loucura sã

De termos lá nosso leito!

Amar sem correr,

Amar e morrer

No país que é do teu jeito!

O sol desses céus

Cintila entre véus

E tem pra mim o encanto

Do olhar de luz

Que trai e seduz

Brilhando através do pranto.


Lá, tudo é ordem, beleza,

Luxo, calma e prazer. 


Móveis ancestrais,

Polidos metais

Emolduram nossa cama;

A mais rara flor

Casa seu odor

Ao leve aroma do âmbar;

Tetos de cetim,

Espelhos sem fim,

Esplendores do Oriente,

Tudo fala então

Rente ao coração

Na doce língua da gente. 


Lá, tudo é ordem, beleza,

Luxo, calma e prazer. 


Vês neste canal

Dormir esta nau

De coração vagabundo?

É para atender

Teu menor querer

Que ela vem do fim do mundo!

Ao entardecer,

O sol ao morrer

Tinge cais, cidade, nave

De ouro e açafrão.

Os dias se vão

Numa luz quente e suave. 


Lá, tudo é ordem, beleza,

Luxo, calma e prazer. 

Disponível em: <http://nyontime.blogspot.com.br/2005/06/luxocalma-e-prazer.html>.Trad. Jorge Pontual. Acesso em: 30 out.2014.

No Texto 2, o convite à viagem
Alternativas
Q683291 Português

Texto 2                         

                     O convite à viagem

                                              Charles Baudelaire 

Sonha, alma irmã,

A loucura sã

De termos lá nosso leito!

Amar sem correr,

Amar e morrer

No país que é do teu jeito!

O sol desses céus

Cintila entre véus

E tem pra mim o encanto

Do olhar de luz

Que trai e seduz

Brilhando através do pranto.


Lá, tudo é ordem, beleza,

Luxo, calma e prazer. 


Móveis ancestrais,

Polidos metais

Emolduram nossa cama;

A mais rara flor

Casa seu odor

Ao leve aroma do âmbar;

Tetos de cetim,

Espelhos sem fim,

Esplendores do Oriente,

Tudo fala então

Rente ao coração

Na doce língua da gente. 


Lá, tudo é ordem, beleza,

Luxo, calma e prazer. 


Vês neste canal

Dormir esta nau

De coração vagabundo?

É para atender

Teu menor querer

Que ela vem do fim do mundo!

Ao entardecer,

O sol ao morrer

Tinge cais, cidade, nave

De ouro e açafrão.

Os dias se vão

Numa luz quente e suave. 


Lá, tudo é ordem, beleza,

Luxo, calma e prazer. 

Disponível em: <http://nyontime.blogspot.com.br/2005/06/luxocalma-e-prazer.html>.Trad. Jorge Pontual. Acesso em: 30 out.2014.

No poema, o país para o qual o eu lírico faz um “convite à viagem”
Alternativas
Q683290 Português

Texto 1

PAISAGENS EM MOVIMENTO

    Ponho todos os cristais ao Sol de sábado, acendo vela para Oxum e de repente pergunto para ninguém: viver é viajar? Sim — é clichê, mas verdadeiro —, viver é viajar. Como pergunto para ninguém, é ninguém que responde? Ou quando se diz ninguém isso será apenas a maneira dissimulada de referir-se a um Alguém talvez com maiúscula? Eu não sei? Resisto à tentação de um texto todo feito inteiro de interrogações: quero falar de viagem.

     Quando vocês estiverem lendo isto aqui, estarei viajando. E estarei bem porque estarei viajando. Vem de longe essa sensação. Não apenas desde a infância, viagens de carro para a fronteira com a Argentina, muitas vezes atolando noite adentro, puxados por carro de boi, ou em trem Maria Fumaça, longuíssima viagem até Porto Alegre, com baldeação em Santa Maria da Boca do Monte. Outro dia, seguindo informações vagas de parentes, remexendo em livros de História, descobri que um de meus antepassados foi Cristóvão Pereira de Abreu, tropeiro solitário que abriu caminho pela primeira vez entre o Rio Grande do Sul e Sorocaba, imagino que talvez lá pelo século 17 ou 18. Deve estar no sangue, portanto, no DNA. Como afirmam que “quem herda aos seus não rouba”, está tudo certo e é assim que é e assim que sou.

    Pois adoro viajar. Quem sabe porque o transitório que é a vida, em viagem deixa de ser metáfora e passa a ser real? Para mim, nada mais vivo do que ver o povo e paisagem passar e passar além de uma janela em movimento. Talvez trouxe esta mania dos trens (janela de trem é a melhor que existe), carros e ônibus da infância, porque mesmo em avião hoje em dia, só viajo na janela. Quem já viu de cima Paris, o Rio de Janeiro ou a antiga Berlim do muro sabe que vale a pena.

    Topo qualquer negócio por uma viagem. Quando mais jovem, cheguei a fazer mais de uma vez São Paulo-Salvador de ônibus (na altura de Jequié você entende o sentido da palavra exaustão), há três anos naveguei São Luís do Maranhão-Alcântara num barquinho saltitante (na maré baixa, você caminha quilômetros pelo manguezal), e exatamente há um ano atrás, já bastante bombardeado, encarei Paris-Lisboa de ônibus, e logo depois ParisOslo de ônibus também. Não por economia, a diferença de avião é mínima — mas por pura paixão pela janela. Sábia paixão. Não fosse isso, jamais teria comprado aquela fita de Nina Hagen numa lanchonete de beira de estrada nos Países Bascos (tristes e feios) à margem dos Pireneus, ou visto a cidadezinha onde nasceu Ingrid Bergman, num vale belíssimo na fronteira da Suécia com a Noruega.

    Para suportar tais fadigas, é preciso não só gostar de viajar, mas principalmente de ver. Para um verdadeiro apaixonado pelo ver, não há necessidade sequer de fotografar, vídeo então seria ridículo. Quando não se tem a voracidade de registrar o que se vê, vê-se mais e melhor, sem ânsia de guardar, mostrar ou contar o visto. Vê-se solitária e talvez inutilmente, para dentro, secretamente, pois ninguém poderá provar jamais que viu mesmo. Além do mais a memória filtra e enfeita as coisas. Até hoje não sei se aquela Ciudad Rodrigo que vi pela janela do ônibus, envolta em névoas no alto de uma colina no norte da Espanha, seria mesmo real ou metade efeito de um Lexotan dado por meu amigo Gianni Crotti em Lisboa. Cá entre nós, nem preciso saber.

     Mando esta da estrada, ando com o pé que é um leque outra vez. Lembro um velho poema de Manuel Bandeira — «café com pão/café com pão” — recriando a sonoridade dos trens de antigamente. Pois aqui nesta janela, além dela, passa boi, passa boiada, passa cascata, matagal, vilarejo e tudo mais que compõe a paisagem das coisas viventes, embora passe também cemitério e fome. Coisas belas, coisas feias: o bom é que passam, passam, passam. Deixa passar. 


       ABREU, Caio Fernando. Pequenas epifanias. Porto Alegre: Sulina, 1996. p. 155–157. 

Em “Coisas belas, coisas feias: o bom é que passam, passam, passam”, o verbo “passar” deixa de indicar
Alternativas
Q683289 Português

Texto 1

PAISAGENS EM MOVIMENTO

    Ponho todos os cristais ao Sol de sábado, acendo vela para Oxum e de repente pergunto para ninguém: viver é viajar? Sim — é clichê, mas verdadeiro —, viver é viajar. Como pergunto para ninguém, é ninguém que responde? Ou quando se diz ninguém isso será apenas a maneira dissimulada de referir-se a um Alguém talvez com maiúscula? Eu não sei? Resisto à tentação de um texto todo feito inteiro de interrogações: quero falar de viagem.

     Quando vocês estiverem lendo isto aqui, estarei viajando. E estarei bem porque estarei viajando. Vem de longe essa sensação. Não apenas desde a infância, viagens de carro para a fronteira com a Argentina, muitas vezes atolando noite adentro, puxados por carro de boi, ou em trem Maria Fumaça, longuíssima viagem até Porto Alegre, com baldeação em Santa Maria da Boca do Monte. Outro dia, seguindo informações vagas de parentes, remexendo em livros de História, descobri que um de meus antepassados foi Cristóvão Pereira de Abreu, tropeiro solitário que abriu caminho pela primeira vez entre o Rio Grande do Sul e Sorocaba, imagino que talvez lá pelo século 17 ou 18. Deve estar no sangue, portanto, no DNA. Como afirmam que “quem herda aos seus não rouba”, está tudo certo e é assim que é e assim que sou.

    Pois adoro viajar. Quem sabe porque o transitório que é a vida, em viagem deixa de ser metáfora e passa a ser real? Para mim, nada mais vivo do que ver o povo e paisagem passar e passar além de uma janela em movimento. Talvez trouxe esta mania dos trens (janela de trem é a melhor que existe), carros e ônibus da infância, porque mesmo em avião hoje em dia, só viajo na janela. Quem já viu de cima Paris, o Rio de Janeiro ou a antiga Berlim do muro sabe que vale a pena.

    Topo qualquer negócio por uma viagem. Quando mais jovem, cheguei a fazer mais de uma vez São Paulo-Salvador de ônibus (na altura de Jequié você entende o sentido da palavra exaustão), há três anos naveguei São Luís do Maranhão-Alcântara num barquinho saltitante (na maré baixa, você caminha quilômetros pelo manguezal), e exatamente há um ano atrás, já bastante bombardeado, encarei Paris-Lisboa de ônibus, e logo depois ParisOslo de ônibus também. Não por economia, a diferença de avião é mínima — mas por pura paixão pela janela. Sábia paixão. Não fosse isso, jamais teria comprado aquela fita de Nina Hagen numa lanchonete de beira de estrada nos Países Bascos (tristes e feios) à margem dos Pireneus, ou visto a cidadezinha onde nasceu Ingrid Bergman, num vale belíssimo na fronteira da Suécia com a Noruega.

    Para suportar tais fadigas, é preciso não só gostar de viajar, mas principalmente de ver. Para um verdadeiro apaixonado pelo ver, não há necessidade sequer de fotografar, vídeo então seria ridículo. Quando não se tem a voracidade de registrar o que se vê, vê-se mais e melhor, sem ânsia de guardar, mostrar ou contar o visto. Vê-se solitária e talvez inutilmente, para dentro, secretamente, pois ninguém poderá provar jamais que viu mesmo. Além do mais a memória filtra e enfeita as coisas. Até hoje não sei se aquela Ciudad Rodrigo que vi pela janela do ônibus, envolta em névoas no alto de uma colina no norte da Espanha, seria mesmo real ou metade efeito de um Lexotan dado por meu amigo Gianni Crotti em Lisboa. Cá entre nós, nem preciso saber.

     Mando esta da estrada, ando com o pé que é um leque outra vez. Lembro um velho poema de Manuel Bandeira — «café com pão/café com pão” — recriando a sonoridade dos trens de antigamente. Pois aqui nesta janela, além dela, passa boi, passa boiada, passa cascata, matagal, vilarejo e tudo mais que compõe a paisagem das coisas viventes, embora passe também cemitério e fome. Coisas belas, coisas feias: o bom é que passam, passam, passam. Deixa passar. 


       ABREU, Caio Fernando. Pequenas epifanias. Porto Alegre: Sulina, 1996. p. 155–157. 

O enunciado “o pé que é um leque” faz parte da cultura gaúcha e expressa uma vontade de dançar. A figura de linguagem que sustenta essa imagem é a seguinte:
Alternativas
Q683288 Português

Texto 1

PAISAGENS EM MOVIMENTO

    Ponho todos os cristais ao Sol de sábado, acendo vela para Oxum e de repente pergunto para ninguém: viver é viajar? Sim — é clichê, mas verdadeiro —, viver é viajar. Como pergunto para ninguém, é ninguém que responde? Ou quando se diz ninguém isso será apenas a maneira dissimulada de referir-se a um Alguém talvez com maiúscula? Eu não sei? Resisto à tentação de um texto todo feito inteiro de interrogações: quero falar de viagem.

     Quando vocês estiverem lendo isto aqui, estarei viajando. E estarei bem porque estarei viajando. Vem de longe essa sensação. Não apenas desde a infância, viagens de carro para a fronteira com a Argentina, muitas vezes atolando noite adentro, puxados por carro de boi, ou em trem Maria Fumaça, longuíssima viagem até Porto Alegre, com baldeação em Santa Maria da Boca do Monte. Outro dia, seguindo informações vagas de parentes, remexendo em livros de História, descobri que um de meus antepassados foi Cristóvão Pereira de Abreu, tropeiro solitário que abriu caminho pela primeira vez entre o Rio Grande do Sul e Sorocaba, imagino que talvez lá pelo século 17 ou 18. Deve estar no sangue, portanto, no DNA. Como afirmam que “quem herda aos seus não rouba”, está tudo certo e é assim que é e assim que sou.

    Pois adoro viajar. Quem sabe porque o transitório que é a vida, em viagem deixa de ser metáfora e passa a ser real? Para mim, nada mais vivo do que ver o povo e paisagem passar e passar além de uma janela em movimento. Talvez trouxe esta mania dos trens (janela de trem é a melhor que existe), carros e ônibus da infância, porque mesmo em avião hoje em dia, só viajo na janela. Quem já viu de cima Paris, o Rio de Janeiro ou a antiga Berlim do muro sabe que vale a pena.

    Topo qualquer negócio por uma viagem. Quando mais jovem, cheguei a fazer mais de uma vez São Paulo-Salvador de ônibus (na altura de Jequié você entende o sentido da palavra exaustão), há três anos naveguei São Luís do Maranhão-Alcântara num barquinho saltitante (na maré baixa, você caminha quilômetros pelo manguezal), e exatamente há um ano atrás, já bastante bombardeado, encarei Paris-Lisboa de ônibus, e logo depois ParisOslo de ônibus também. Não por economia, a diferença de avião é mínima — mas por pura paixão pela janela. Sábia paixão. Não fosse isso, jamais teria comprado aquela fita de Nina Hagen numa lanchonete de beira de estrada nos Países Bascos (tristes e feios) à margem dos Pireneus, ou visto a cidadezinha onde nasceu Ingrid Bergman, num vale belíssimo na fronteira da Suécia com a Noruega.

    Para suportar tais fadigas, é preciso não só gostar de viajar, mas principalmente de ver. Para um verdadeiro apaixonado pelo ver, não há necessidade sequer de fotografar, vídeo então seria ridículo. Quando não se tem a voracidade de registrar o que se vê, vê-se mais e melhor, sem ânsia de guardar, mostrar ou contar o visto. Vê-se solitária e talvez inutilmente, para dentro, secretamente, pois ninguém poderá provar jamais que viu mesmo. Além do mais a memória filtra e enfeita as coisas. Até hoje não sei se aquela Ciudad Rodrigo que vi pela janela do ônibus, envolta em névoas no alto de uma colina no norte da Espanha, seria mesmo real ou metade efeito de um Lexotan dado por meu amigo Gianni Crotti em Lisboa. Cá entre nós, nem preciso saber.

     Mando esta da estrada, ando com o pé que é um leque outra vez. Lembro um velho poema de Manuel Bandeira — «café com pão/café com pão” — recriando a sonoridade dos trens de antigamente. Pois aqui nesta janela, além dela, passa boi, passa boiada, passa cascata, matagal, vilarejo e tudo mais que compõe a paisagem das coisas viventes, embora passe também cemitério e fome. Coisas belas, coisas feias: o bom é que passam, passam, passam. Deixa passar. 


       ABREU, Caio Fernando. Pequenas epifanias. Porto Alegre: Sulina, 1996. p. 155–157. 

Se comparada com a atual mania de registro e divulgação de imagens de viagem via redes sociais, a opinião do locutor
Alternativas
Q683287 Português

Texto 1

PAISAGENS EM MOVIMENTO

    Ponho todos os cristais ao Sol de sábado, acendo vela para Oxum e de repente pergunto para ninguém: viver é viajar? Sim — é clichê, mas verdadeiro —, viver é viajar. Como pergunto para ninguém, é ninguém que responde? Ou quando se diz ninguém isso será apenas a maneira dissimulada de referir-se a um Alguém talvez com maiúscula? Eu não sei? Resisto à tentação de um texto todo feito inteiro de interrogações: quero falar de viagem.

     Quando vocês estiverem lendo isto aqui, estarei viajando. E estarei bem porque estarei viajando. Vem de longe essa sensação. Não apenas desde a infância, viagens de carro para a fronteira com a Argentina, muitas vezes atolando noite adentro, puxados por carro de boi, ou em trem Maria Fumaça, longuíssima viagem até Porto Alegre, com baldeação em Santa Maria da Boca do Monte. Outro dia, seguindo informações vagas de parentes, remexendo em livros de História, descobri que um de meus antepassados foi Cristóvão Pereira de Abreu, tropeiro solitário que abriu caminho pela primeira vez entre o Rio Grande do Sul e Sorocaba, imagino que talvez lá pelo século 17 ou 18. Deve estar no sangue, portanto, no DNA. Como afirmam que “quem herda aos seus não rouba”, está tudo certo e é assim que é e assim que sou.

    Pois adoro viajar. Quem sabe porque o transitório que é a vida, em viagem deixa de ser metáfora e passa a ser real? Para mim, nada mais vivo do que ver o povo e paisagem passar e passar além de uma janela em movimento. Talvez trouxe esta mania dos trens (janela de trem é a melhor que existe), carros e ônibus da infância, porque mesmo em avião hoje em dia, só viajo na janela. Quem já viu de cima Paris, o Rio de Janeiro ou a antiga Berlim do muro sabe que vale a pena.

    Topo qualquer negócio por uma viagem. Quando mais jovem, cheguei a fazer mais de uma vez São Paulo-Salvador de ônibus (na altura de Jequié você entende o sentido da palavra exaustão), há três anos naveguei São Luís do Maranhão-Alcântara num barquinho saltitante (na maré baixa, você caminha quilômetros pelo manguezal), e exatamente há um ano atrás, já bastante bombardeado, encarei Paris-Lisboa de ônibus, e logo depois ParisOslo de ônibus também. Não por economia, a diferença de avião é mínima — mas por pura paixão pela janela. Sábia paixão. Não fosse isso, jamais teria comprado aquela fita de Nina Hagen numa lanchonete de beira de estrada nos Países Bascos (tristes e feios) à margem dos Pireneus, ou visto a cidadezinha onde nasceu Ingrid Bergman, num vale belíssimo na fronteira da Suécia com a Noruega.

    Para suportar tais fadigas, é preciso não só gostar de viajar, mas principalmente de ver. Para um verdadeiro apaixonado pelo ver, não há necessidade sequer de fotografar, vídeo então seria ridículo. Quando não se tem a voracidade de registrar o que se vê, vê-se mais e melhor, sem ânsia de guardar, mostrar ou contar o visto. Vê-se solitária e talvez inutilmente, para dentro, secretamente, pois ninguém poderá provar jamais que viu mesmo. Além do mais a memória filtra e enfeita as coisas. Até hoje não sei se aquela Ciudad Rodrigo que vi pela janela do ônibus, envolta em névoas no alto de uma colina no norte da Espanha, seria mesmo real ou metade efeito de um Lexotan dado por meu amigo Gianni Crotti em Lisboa. Cá entre nós, nem preciso saber.

     Mando esta da estrada, ando com o pé que é um leque outra vez. Lembro um velho poema de Manuel Bandeira — «café com pão/café com pão” — recriando a sonoridade dos trens de antigamente. Pois aqui nesta janela, além dela, passa boi, passa boiada, passa cascata, matagal, vilarejo e tudo mais que compõe a paisagem das coisas viventes, embora passe também cemitério e fome. Coisas belas, coisas feias: o bom é que passam, passam, passam. Deixa passar. 


       ABREU, Caio Fernando. Pequenas epifanias. Porto Alegre: Sulina, 1996. p. 155–157. 

A metáfora presente em “o transitório que é a vida” pode ser explicada pelo seguinte trecho:
Alternativas
Q683286 Português

Texto 1

PAISAGENS EM MOVIMENTO

    Ponho todos os cristais ao Sol de sábado, acendo vela para Oxum e de repente pergunto para ninguém: viver é viajar? Sim — é clichê, mas verdadeiro —, viver é viajar. Como pergunto para ninguém, é ninguém que responde? Ou quando se diz ninguém isso será apenas a maneira dissimulada de referir-se a um Alguém talvez com maiúscula? Eu não sei? Resisto à tentação de um texto todo feito inteiro de interrogações: quero falar de viagem.

     Quando vocês estiverem lendo isto aqui, estarei viajando. E estarei bem porque estarei viajando. Vem de longe essa sensação. Não apenas desde a infância, viagens de carro para a fronteira com a Argentina, muitas vezes atolando noite adentro, puxados por carro de boi, ou em trem Maria Fumaça, longuíssima viagem até Porto Alegre, com baldeação em Santa Maria da Boca do Monte. Outro dia, seguindo informações vagas de parentes, remexendo em livros de História, descobri que um de meus antepassados foi Cristóvão Pereira de Abreu, tropeiro solitário que abriu caminho pela primeira vez entre o Rio Grande do Sul e Sorocaba, imagino que talvez lá pelo século 17 ou 18. Deve estar no sangue, portanto, no DNA. Como afirmam que “quem herda aos seus não rouba”, está tudo certo e é assim que é e assim que sou.

    Pois adoro viajar. Quem sabe porque o transitório que é a vida, em viagem deixa de ser metáfora e passa a ser real? Para mim, nada mais vivo do que ver o povo e paisagem passar e passar além de uma janela em movimento. Talvez trouxe esta mania dos trens (janela de trem é a melhor que existe), carros e ônibus da infância, porque mesmo em avião hoje em dia, só viajo na janela. Quem já viu de cima Paris, o Rio de Janeiro ou a antiga Berlim do muro sabe que vale a pena.

    Topo qualquer negócio por uma viagem. Quando mais jovem, cheguei a fazer mais de uma vez São Paulo-Salvador de ônibus (na altura de Jequié você entende o sentido da palavra exaustão), há três anos naveguei São Luís do Maranhão-Alcântara num barquinho saltitante (na maré baixa, você caminha quilômetros pelo manguezal), e exatamente há um ano atrás, já bastante bombardeado, encarei Paris-Lisboa de ônibus, e logo depois ParisOslo de ônibus também. Não por economia, a diferença de avião é mínima — mas por pura paixão pela janela. Sábia paixão. Não fosse isso, jamais teria comprado aquela fita de Nina Hagen numa lanchonete de beira de estrada nos Países Bascos (tristes e feios) à margem dos Pireneus, ou visto a cidadezinha onde nasceu Ingrid Bergman, num vale belíssimo na fronteira da Suécia com a Noruega.

    Para suportar tais fadigas, é preciso não só gostar de viajar, mas principalmente de ver. Para um verdadeiro apaixonado pelo ver, não há necessidade sequer de fotografar, vídeo então seria ridículo. Quando não se tem a voracidade de registrar o que se vê, vê-se mais e melhor, sem ânsia de guardar, mostrar ou contar o visto. Vê-se solitária e talvez inutilmente, para dentro, secretamente, pois ninguém poderá provar jamais que viu mesmo. Além do mais a memória filtra e enfeita as coisas. Até hoje não sei se aquela Ciudad Rodrigo que vi pela janela do ônibus, envolta em névoas no alto de uma colina no norte da Espanha, seria mesmo real ou metade efeito de um Lexotan dado por meu amigo Gianni Crotti em Lisboa. Cá entre nós, nem preciso saber.

     Mando esta da estrada, ando com o pé que é um leque outra vez. Lembro um velho poema de Manuel Bandeira — «café com pão/café com pão” — recriando a sonoridade dos trens de antigamente. Pois aqui nesta janela, além dela, passa boi, passa boiada, passa cascata, matagal, vilarejo e tudo mais que compõe a paisagem das coisas viventes, embora passe também cemitério e fome. Coisas belas, coisas feias: o bom é que passam, passam, passam. Deixa passar. 


       ABREU, Caio Fernando. Pequenas epifanias. Porto Alegre: Sulina, 1996. p. 155–157. 

O uso do provérbio “quem herda aos seus não rouba” é uma estratégia argumentativa do autor para
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Q683285 Português

Texto 1

PAISAGENS EM MOVIMENTO

    Ponho todos os cristais ao Sol de sábado, acendo vela para Oxum e de repente pergunto para ninguém: viver é viajar? Sim — é clichê, mas verdadeiro —, viver é viajar. Como pergunto para ninguém, é ninguém que responde? Ou quando se diz ninguém isso será apenas a maneira dissimulada de referir-se a um Alguém talvez com maiúscula? Eu não sei? Resisto à tentação de um texto todo feito inteiro de interrogações: quero falar de viagem.

     Quando vocês estiverem lendo isto aqui, estarei viajando. E estarei bem porque estarei viajando. Vem de longe essa sensação. Não apenas desde a infância, viagens de carro para a fronteira com a Argentina, muitas vezes atolando noite adentro, puxados por carro de boi, ou em trem Maria Fumaça, longuíssima viagem até Porto Alegre, com baldeação em Santa Maria da Boca do Monte. Outro dia, seguindo informações vagas de parentes, remexendo em livros de História, descobri que um de meus antepassados foi Cristóvão Pereira de Abreu, tropeiro solitário que abriu caminho pela primeira vez entre o Rio Grande do Sul e Sorocaba, imagino que talvez lá pelo século 17 ou 18. Deve estar no sangue, portanto, no DNA. Como afirmam que “quem herda aos seus não rouba”, está tudo certo e é assim que é e assim que sou.

    Pois adoro viajar. Quem sabe porque o transitório que é a vida, em viagem deixa de ser metáfora e passa a ser real? Para mim, nada mais vivo do que ver o povo e paisagem passar e passar além de uma janela em movimento. Talvez trouxe esta mania dos trens (janela de trem é a melhor que existe), carros e ônibus da infância, porque mesmo em avião hoje em dia, só viajo na janela. Quem já viu de cima Paris, o Rio de Janeiro ou a antiga Berlim do muro sabe que vale a pena.

    Topo qualquer negócio por uma viagem. Quando mais jovem, cheguei a fazer mais de uma vez São Paulo-Salvador de ônibus (na altura de Jequié você entende o sentido da palavra exaustão), há três anos naveguei São Luís do Maranhão-Alcântara num barquinho saltitante (na maré baixa, você caminha quilômetros pelo manguezal), e exatamente há um ano atrás, já bastante bombardeado, encarei Paris-Lisboa de ônibus, e logo depois ParisOslo de ônibus também. Não por economia, a diferença de avião é mínima — mas por pura paixão pela janela. Sábia paixão. Não fosse isso, jamais teria comprado aquela fita de Nina Hagen numa lanchonete de beira de estrada nos Países Bascos (tristes e feios) à margem dos Pireneus, ou visto a cidadezinha onde nasceu Ingrid Bergman, num vale belíssimo na fronteira da Suécia com a Noruega.

    Para suportar tais fadigas, é preciso não só gostar de viajar, mas principalmente de ver. Para um verdadeiro apaixonado pelo ver, não há necessidade sequer de fotografar, vídeo então seria ridículo. Quando não se tem a voracidade de registrar o que se vê, vê-se mais e melhor, sem ânsia de guardar, mostrar ou contar o visto. Vê-se solitária e talvez inutilmente, para dentro, secretamente, pois ninguém poderá provar jamais que viu mesmo. Além do mais a memória filtra e enfeita as coisas. Até hoje não sei se aquela Ciudad Rodrigo que vi pela janela do ônibus, envolta em névoas no alto de uma colina no norte da Espanha, seria mesmo real ou metade efeito de um Lexotan dado por meu amigo Gianni Crotti em Lisboa. Cá entre nós, nem preciso saber.

     Mando esta da estrada, ando com o pé que é um leque outra vez. Lembro um velho poema de Manuel Bandeira — «café com pão/café com pão” — recriando a sonoridade dos trens de antigamente. Pois aqui nesta janela, além dela, passa boi, passa boiada, passa cascata, matagal, vilarejo e tudo mais que compõe a paisagem das coisas viventes, embora passe também cemitério e fome. Coisas belas, coisas feias: o bom é que passam, passam, passam. Deixa passar. 


       ABREU, Caio Fernando. Pequenas epifanias. Porto Alegre: Sulina, 1996. p. 155–157. 

No trecho “Quando vocês estiverem lendo isto aqui, estarei viajando. E estarei bem porque estarei viajando. Vem de longe essa sensação. Não apenas desde a infância”, as instâncias narrativas manifestam-se
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Q683284 Português

Texto 1

PAISAGENS EM MOVIMENTO

    Ponho todos os cristais ao Sol de sábado, acendo vela para Oxum e de repente pergunto para ninguém: viver é viajar? Sim — é clichê, mas verdadeiro —, viver é viajar. Como pergunto para ninguém, é ninguém que responde? Ou quando se diz ninguém isso será apenas a maneira dissimulada de referir-se a um Alguém talvez com maiúscula? Eu não sei? Resisto à tentação de um texto todo feito inteiro de interrogações: quero falar de viagem.

     Quando vocês estiverem lendo isto aqui, estarei viajando. E estarei bem porque estarei viajando. Vem de longe essa sensação. Não apenas desde a infância, viagens de carro para a fronteira com a Argentina, muitas vezes atolando noite adentro, puxados por carro de boi, ou em trem Maria Fumaça, longuíssima viagem até Porto Alegre, com baldeação em Santa Maria da Boca do Monte. Outro dia, seguindo informações vagas de parentes, remexendo em livros de História, descobri que um de meus antepassados foi Cristóvão Pereira de Abreu, tropeiro solitário que abriu caminho pela primeira vez entre o Rio Grande do Sul e Sorocaba, imagino que talvez lá pelo século 17 ou 18. Deve estar no sangue, portanto, no DNA. Como afirmam que “quem herda aos seus não rouba”, está tudo certo e é assim que é e assim que sou.

    Pois adoro viajar. Quem sabe porque o transitório que é a vida, em viagem deixa de ser metáfora e passa a ser real? Para mim, nada mais vivo do que ver o povo e paisagem passar e passar além de uma janela em movimento. Talvez trouxe esta mania dos trens (janela de trem é a melhor que existe), carros e ônibus da infância, porque mesmo em avião hoje em dia, só viajo na janela. Quem já viu de cima Paris, o Rio de Janeiro ou a antiga Berlim do muro sabe que vale a pena.

    Topo qualquer negócio por uma viagem. Quando mais jovem, cheguei a fazer mais de uma vez São Paulo-Salvador de ônibus (na altura de Jequié você entende o sentido da palavra exaustão), há três anos naveguei São Luís do Maranhão-Alcântara num barquinho saltitante (na maré baixa, você caminha quilômetros pelo manguezal), e exatamente há um ano atrás, já bastante bombardeado, encarei Paris-Lisboa de ônibus, e logo depois ParisOslo de ônibus também. Não por economia, a diferença de avião é mínima — mas por pura paixão pela janela. Sábia paixão. Não fosse isso, jamais teria comprado aquela fita de Nina Hagen numa lanchonete de beira de estrada nos Países Bascos (tristes e feios) à margem dos Pireneus, ou visto a cidadezinha onde nasceu Ingrid Bergman, num vale belíssimo na fronteira da Suécia com a Noruega.

    Para suportar tais fadigas, é preciso não só gostar de viajar, mas principalmente de ver. Para um verdadeiro apaixonado pelo ver, não há necessidade sequer de fotografar, vídeo então seria ridículo. Quando não se tem a voracidade de registrar o que se vê, vê-se mais e melhor, sem ânsia de guardar, mostrar ou contar o visto. Vê-se solitária e talvez inutilmente, para dentro, secretamente, pois ninguém poderá provar jamais que viu mesmo. Além do mais a memória filtra e enfeita as coisas. Até hoje não sei se aquela Ciudad Rodrigo que vi pela janela do ônibus, envolta em névoas no alto de uma colina no norte da Espanha, seria mesmo real ou metade efeito de um Lexotan dado por meu amigo Gianni Crotti em Lisboa. Cá entre nós, nem preciso saber.

     Mando esta da estrada, ando com o pé que é um leque outra vez. Lembro um velho poema de Manuel Bandeira — «café com pão/café com pão” — recriando a sonoridade dos trens de antigamente. Pois aqui nesta janela, além dela, passa boi, passa boiada, passa cascata, matagal, vilarejo e tudo mais que compõe a paisagem das coisas viventes, embora passe também cemitério e fome. Coisas belas, coisas feias: o bom é que passam, passam, passam. Deixa passar. 


       ABREU, Caio Fernando. Pequenas epifanias. Porto Alegre: Sulina, 1996. p. 155–157. 

A alteração da ordem dos elementos do sintagma “Viver é viajar” para “Viajar é viver” provoca
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Q683283 Português

Texto 1

PAISAGENS EM MOVIMENTO

    Ponho todos os cristais ao Sol de sábado, acendo vela para Oxum e de repente pergunto para ninguém: viver é viajar? Sim — é clichê, mas verdadeiro —, viver é viajar. Como pergunto para ninguém, é ninguém que responde? Ou quando se diz ninguém isso será apenas a maneira dissimulada de referir-se a um Alguém talvez com maiúscula? Eu não sei? Resisto à tentação de um texto todo feito inteiro de interrogações: quero falar de viagem.

     Quando vocês estiverem lendo isto aqui, estarei viajando. E estarei bem porque estarei viajando. Vem de longe essa sensação. Não apenas desde a infância, viagens de carro para a fronteira com a Argentina, muitas vezes atolando noite adentro, puxados por carro de boi, ou em trem Maria Fumaça, longuíssima viagem até Porto Alegre, com baldeação em Santa Maria da Boca do Monte. Outro dia, seguindo informações vagas de parentes, remexendo em livros de História, descobri que um de meus antepassados foi Cristóvão Pereira de Abreu, tropeiro solitário que abriu caminho pela primeira vez entre o Rio Grande do Sul e Sorocaba, imagino que talvez lá pelo século 17 ou 18. Deve estar no sangue, portanto, no DNA. Como afirmam que “quem herda aos seus não rouba”, está tudo certo e é assim que é e assim que sou.

    Pois adoro viajar. Quem sabe porque o transitório que é a vida, em viagem deixa de ser metáfora e passa a ser real? Para mim, nada mais vivo do que ver o povo e paisagem passar e passar além de uma janela em movimento. Talvez trouxe esta mania dos trens (janela de trem é a melhor que existe), carros e ônibus da infância, porque mesmo em avião hoje em dia, só viajo na janela. Quem já viu de cima Paris, o Rio de Janeiro ou a antiga Berlim do muro sabe que vale a pena.

    Topo qualquer negócio por uma viagem. Quando mais jovem, cheguei a fazer mais de uma vez São Paulo-Salvador de ônibus (na altura de Jequié você entende o sentido da palavra exaustão), há três anos naveguei São Luís do Maranhão-Alcântara num barquinho saltitante (na maré baixa, você caminha quilômetros pelo manguezal), e exatamente há um ano atrás, já bastante bombardeado, encarei Paris-Lisboa de ônibus, e logo depois ParisOslo de ônibus também. Não por economia, a diferença de avião é mínima — mas por pura paixão pela janela. Sábia paixão. Não fosse isso, jamais teria comprado aquela fita de Nina Hagen numa lanchonete de beira de estrada nos Países Bascos (tristes e feios) à margem dos Pireneus, ou visto a cidadezinha onde nasceu Ingrid Bergman, num vale belíssimo na fronteira da Suécia com a Noruega.

    Para suportar tais fadigas, é preciso não só gostar de viajar, mas principalmente de ver. Para um verdadeiro apaixonado pelo ver, não há necessidade sequer de fotografar, vídeo então seria ridículo. Quando não se tem a voracidade de registrar o que se vê, vê-se mais e melhor, sem ânsia de guardar, mostrar ou contar o visto. Vê-se solitária e talvez inutilmente, para dentro, secretamente, pois ninguém poderá provar jamais que viu mesmo. Além do mais a memória filtra e enfeita as coisas. Até hoje não sei se aquela Ciudad Rodrigo que vi pela janela do ônibus, envolta em névoas no alto de uma colina no norte da Espanha, seria mesmo real ou metade efeito de um Lexotan dado por meu amigo Gianni Crotti em Lisboa. Cá entre nós, nem preciso saber.

     Mando esta da estrada, ando com o pé que é um leque outra vez. Lembro um velho poema de Manuel Bandeira — «café com pão/café com pão” — recriando a sonoridade dos trens de antigamente. Pois aqui nesta janela, além dela, passa boi, passa boiada, passa cascata, matagal, vilarejo e tudo mais que compõe a paisagem das coisas viventes, embora passe também cemitério e fome. Coisas belas, coisas feias: o bom é que passam, passam, passam. Deixa passar. 


       ABREU, Caio Fernando. Pequenas epifanias. Porto Alegre: Sulina, 1996. p. 155–157. 

A oposição instaurada no enunciado “é clichê, mas verdadeiro”, confere à afirmação a ideia de que
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Q683282 Português

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PAISAGENS EM MOVIMENTO

    Ponho todos os cristais ao Sol de sábado, acendo vela para Oxum e de repente pergunto para ninguém: viver é viajar? Sim — é clichê, mas verdadeiro —, viver é viajar. Como pergunto para ninguém, é ninguém que responde? Ou quando se diz ninguém isso será apenas a maneira dissimulada de referir-se a um Alguém talvez com maiúscula? Eu não sei? Resisto à tentação de um texto todo feito inteiro de interrogações: quero falar de viagem.

     Quando vocês estiverem lendo isto aqui, estarei viajando. E estarei bem porque estarei viajando. Vem de longe essa sensação. Não apenas desde a infância, viagens de carro para a fronteira com a Argentina, muitas vezes atolando noite adentro, puxados por carro de boi, ou em trem Maria Fumaça, longuíssima viagem até Porto Alegre, com baldeação em Santa Maria da Boca do Monte. Outro dia, seguindo informações vagas de parentes, remexendo em livros de História, descobri que um de meus antepassados foi Cristóvão Pereira de Abreu, tropeiro solitário que abriu caminho pela primeira vez entre o Rio Grande do Sul e Sorocaba, imagino que talvez lá pelo século 17 ou 18. Deve estar no sangue, portanto, no DNA. Como afirmam que “quem herda aos seus não rouba”, está tudo certo e é assim que é e assim que sou.

    Pois adoro viajar. Quem sabe porque o transitório que é a vida, em viagem deixa de ser metáfora e passa a ser real? Para mim, nada mais vivo do que ver o povo e paisagem passar e passar além de uma janela em movimento. Talvez trouxe esta mania dos trens (janela de trem é a melhor que existe), carros e ônibus da infância, porque mesmo em avião hoje em dia, só viajo na janela. Quem já viu de cima Paris, o Rio de Janeiro ou a antiga Berlim do muro sabe que vale a pena.

    Topo qualquer negócio por uma viagem. Quando mais jovem, cheguei a fazer mais de uma vez São Paulo-Salvador de ônibus (na altura de Jequié você entende o sentido da palavra exaustão), há três anos naveguei São Luís do Maranhão-Alcântara num barquinho saltitante (na maré baixa, você caminha quilômetros pelo manguezal), e exatamente há um ano atrás, já bastante bombardeado, encarei Paris-Lisboa de ônibus, e logo depois ParisOslo de ônibus também. Não por economia, a diferença de avião é mínima — mas por pura paixão pela janela. Sábia paixão. Não fosse isso, jamais teria comprado aquela fita de Nina Hagen numa lanchonete de beira de estrada nos Países Bascos (tristes e feios) à margem dos Pireneus, ou visto a cidadezinha onde nasceu Ingrid Bergman, num vale belíssimo na fronteira da Suécia com a Noruega.

    Para suportar tais fadigas, é preciso não só gostar de viajar, mas principalmente de ver. Para um verdadeiro apaixonado pelo ver, não há necessidade sequer de fotografar, vídeo então seria ridículo. Quando não se tem a voracidade de registrar o que se vê, vê-se mais e melhor, sem ânsia de guardar, mostrar ou contar o visto. Vê-se solitária e talvez inutilmente, para dentro, secretamente, pois ninguém poderá provar jamais que viu mesmo. Além do mais a memória filtra e enfeita as coisas. Até hoje não sei se aquela Ciudad Rodrigo que vi pela janela do ônibus, envolta em névoas no alto de uma colina no norte da Espanha, seria mesmo real ou metade efeito de um Lexotan dado por meu amigo Gianni Crotti em Lisboa. Cá entre nós, nem preciso saber.

     Mando esta da estrada, ando com o pé que é um leque outra vez. Lembro um velho poema de Manuel Bandeira — «café com pão/café com pão” — recriando a sonoridade dos trens de antigamente. Pois aqui nesta janela, além dela, passa boi, passa boiada, passa cascata, matagal, vilarejo e tudo mais que compõe a paisagem das coisas viventes, embora passe também cemitério e fome. Coisas belas, coisas feias: o bom é que passam, passam, passam. Deixa passar. 


       ABREU, Caio Fernando. Pequenas epifanias. Porto Alegre: Sulina, 1996. p. 155–157. 

Na introdução do texto, ao recrutar diferentes religiões, o locutor considera que 
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Q683281 Português

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PAISAGENS EM MOVIMENTO

    Ponho todos os cristais ao Sol de sábado, acendo vela para Oxum e de repente pergunto para ninguém: viver é viajar? Sim — é clichê, mas verdadeiro —, viver é viajar. Como pergunto para ninguém, é ninguém que responde? Ou quando se diz ninguém isso será apenas a maneira dissimulada de referir-se a um Alguém talvez com maiúscula? Eu não sei? Resisto à tentação de um texto todo feito inteiro de interrogações: quero falar de viagem.

     Quando vocês estiverem lendo isto aqui, estarei viajando. E estarei bem porque estarei viajando. Vem de longe essa sensação. Não apenas desde a infância, viagens de carro para a fronteira com a Argentina, muitas vezes atolando noite adentro, puxados por carro de boi, ou em trem Maria Fumaça, longuíssima viagem até Porto Alegre, com baldeação em Santa Maria da Boca do Monte. Outro dia, seguindo informações vagas de parentes, remexendo em livros de História, descobri que um de meus antepassados foi Cristóvão Pereira de Abreu, tropeiro solitário que abriu caminho pela primeira vez entre o Rio Grande do Sul e Sorocaba, imagino que talvez lá pelo século 17 ou 18. Deve estar no sangue, portanto, no DNA. Como afirmam que “quem herda aos seus não rouba”, está tudo certo e é assim que é e assim que sou.

    Pois adoro viajar. Quem sabe porque o transitório que é a vida, em viagem deixa de ser metáfora e passa a ser real? Para mim, nada mais vivo do que ver o povo e paisagem passar e passar além de uma janela em movimento. Talvez trouxe esta mania dos trens (janela de trem é a melhor que existe), carros e ônibus da infância, porque mesmo em avião hoje em dia, só viajo na janela. Quem já viu de cima Paris, o Rio de Janeiro ou a antiga Berlim do muro sabe que vale a pena.

    Topo qualquer negócio por uma viagem. Quando mais jovem, cheguei a fazer mais de uma vez São Paulo-Salvador de ônibus (na altura de Jequié você entende o sentido da palavra exaustão), há três anos naveguei São Luís do Maranhão-Alcântara num barquinho saltitante (na maré baixa, você caminha quilômetros pelo manguezal), e exatamente há um ano atrás, já bastante bombardeado, encarei Paris-Lisboa de ônibus, e logo depois ParisOslo de ônibus também. Não por economia, a diferença de avião é mínima — mas por pura paixão pela janela. Sábia paixão. Não fosse isso, jamais teria comprado aquela fita de Nina Hagen numa lanchonete de beira de estrada nos Países Bascos (tristes e feios) à margem dos Pireneus, ou visto a cidadezinha onde nasceu Ingrid Bergman, num vale belíssimo na fronteira da Suécia com a Noruega.

    Para suportar tais fadigas, é preciso não só gostar de viajar, mas principalmente de ver. Para um verdadeiro apaixonado pelo ver, não há necessidade sequer de fotografar, vídeo então seria ridículo. Quando não se tem a voracidade de registrar o que se vê, vê-se mais e melhor, sem ânsia de guardar, mostrar ou contar o visto. Vê-se solitária e talvez inutilmente, para dentro, secretamente, pois ninguém poderá provar jamais que viu mesmo. Além do mais a memória filtra e enfeita as coisas. Até hoje não sei se aquela Ciudad Rodrigo que vi pela janela do ônibus, envolta em névoas no alto de uma colina no norte da Espanha, seria mesmo real ou metade efeito de um Lexotan dado por meu amigo Gianni Crotti em Lisboa. Cá entre nós, nem preciso saber.

     Mando esta da estrada, ando com o pé que é um leque outra vez. Lembro um velho poema de Manuel Bandeira — «café com pão/café com pão” — recriando a sonoridade dos trens de antigamente. Pois aqui nesta janela, além dela, passa boi, passa boiada, passa cascata, matagal, vilarejo e tudo mais que compõe a paisagem das coisas viventes, embora passe também cemitério e fome. Coisas belas, coisas feias: o bom é que passam, passam, passam. Deixa passar. 


       ABREU, Caio Fernando. Pequenas epifanias. Porto Alegre: Sulina, 1996. p. 155–157. 

Depreende-se da leitura do texto que o autor define viagem como
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Q495044 Direito do Consumidor
De acordo com o Sistema de Proteção e Defesa do Consumidor:
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Q495043 Direito do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor disciplina uma vasta e relevante matéria que afeta praticamente a vida de todo o consumidor: os bancos de dados e cadastros de consumidores. Para Leonardo Roscoe e Bessa (2014, p. 327): “Os bancos de dados de consumo são aqueles cujas informações são importantes para o mercado de consumo.” De acordo com esse código e a Lei do Cadastro Positivo:
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Q495042 Direito Econômico
Os acordos entre concorrentes podem eliminar a concorrência, restringindo indevidamente a produção e elevando os preços. Sobre os cartéis, depreende-se que:
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Q495041 Direito Econômico
A Constituição de 1988 adotou o princípio da livre-iniciativa como alicerce de sua ordem econômica. Depreende-se que livre-iniciativa
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Q495040 Direito Processual do Trabalho
Da decisão proferida por Tribunal Regional do Trabalho, em sede de Recurso Ordinário vinculado a dissídio individual, que afronta Súmula do Tribunal Superior do Trabalho, cabe o Recurso denominado:
Alternativas
Q495039 Direito do Trabalho
Conforme a conceituação do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho empregado é
Alternativas
Respostas
141: C
142: A
143: D
144: B
145: D
146: E
147: B
148: B
149: B
150: A
151: D
152: C
153: E
154: A
155: D
156: B
157: B
158: A
159: A
160: D