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Noite de autógrafos
Escritores, principalmente de ficção, mentem muito – ou
não seriam escritores de ficção. Mas ninguém mente mais
que escritores em campanha de lançamento de um livro,
não importa o gênero. A noite de autógrafos, por exemplo, é
um terreno fértil para tal autor delirar e sair dizendo, no dia
seguinte, que assinou muito mais livros do que os modestos
15 ou 20 que autografou na vida real.
Minha história favorita é a da bela romancista bissexta
que, há anos, teria autografado 2000 livros de uma sentada, numa livraria em São Paulo. Já com uma certa prática
na matéria, fiz os cálculos. Dois mil livros? Vamos supor que
a autora tenha recebido cada leitor à mesa, aceitado o seu
beijo, trocado com ele uma única e simpática frase, deixado fotografar-se abraçada ao dito, escrito algo bem simples,
assinado, devolvido o livro, aceitado outro beijo e dito tchau –
e tudo isso em 1 minuto cravado.
Significa que os 2000 livros lhe terão tomado 2000 minutos.
Ou seja, ela ficou sentada por 33 horas e 20 minutos, assinando sem parar. Nem os megassellers* americanos que aportam
aqui e carimbam os livros em vez de assiná-los conseguiriam
tal proeza.
Já o autor mais consciencioso, em meio à sessão, dá
uma espiada na fila, constata que ela está muito comprida
e tenta apressar o processo. Mas nem sempre é possível,
porque quem vai a tais eventos quer mais que um autógrafo
– quer também trocar uma palavra com o autor e sentir, ao
vivo, se ele se parece com o que escreve.
É um momento bonito esse encontro do escritor com
seus leitores. E não importa que tenha sido uma noite de
15 ou 20 autógrafos – ou de imaginários 2000.
(Ruy Castro. A arte de querer bem.
Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2018, p. 59-60)
* megassellers: escritores que atingem a marca de milhões de exemplares
vendidos.