TEXTO 2 - O que atrai jovem professor é carreira decente, e não aposentadoria especial
Érica Fraga FOLHA DE SÃO PAULO, 04/05/2017.
A adesão de professores à greve de sexta-feira (28/04/2017) em oposição às reformas propostas pelo
governo Temer causou barulho. Muitos pais cujos filhos estudam em escolas privadas se sentiram incomodados
pela perda de um dia de aula. Um dos argumentos contrários mais mencionados por eles é o fato de que os docentes
desses estabelecimentos têm remuneração melhor que a recebida por seus pares do setor público e, portanto, não
deveriam parar. Do lado dos professores, uma das principais queixas é que serão prejudicados pela reforma da
Previdência.
O projeto original previa a equiparação das regras de aposentadoria para todos os trabalhadores, o que
levaria a uma mudança significativa no regime mais benéfico dos docentes, que, de forma geral, conseguem se
aposentar cinco anos mais cedo.
Desde então — e antes da greve —, o governo cedeu. Se o relatório em debate hoje for aprovado como
está, os professores mantêm um regime especial, mas com regras um pouco mais duras que as atuais.
A queda de braços entre os grupos com benefícios especiais mais afetados pelas reformas e o governo, as
paralisações, a revolta dos pais e os choques de ideias são desdobramentos esperados no jogo democrático. Mas
será uma pena se não aproveitarmos essa oportunidade para debater uma importante questão de fundo: por que,
afinal, os professores brasileiros têm o direito de se aposentar mais cedo do que trabalhadores de outras categorias?
A resposta dos docentes é, geralmente, que recebem salários mais baixos embora trabalhem em situações mais
adversas do que os demais profissionais.
Esses argumentos têm fundamentos em dados da realidade. Segundo o movimento "Todos pela Educação",
a remuneração dos professores com ensino superior equivale a pouco mais da metade da média recebida pelos
profissionais com essa escolaridade. O alto nível de estresse envolvido no exercício do magistério — que inclui
casos de violência por parte dos alunos — ajuda a compor o cenário complicado da profissão.
O problema é que inúmeras nuances no mercado de trabalho fazem com que seja difícil avaliar essas
condições piores em termos absolutos, que justificariam uma aposentadoria especial para essa categoria, e não para
outras.
Há, por exemplo, diferenças de salários percebidas entre os próprios docentes. Os de escolas privadas têm
remuneração normalmente maior e atuam em contextos menos estressantes. Existem outras categorias pouco
valorizadas, assim como outras profissões cujo exercício envolve condições precárias de trabalho. Isso dificulta
qualquer análise sobre onde colocar a régua que separaria os que merecem e os que não merecem condições
especiais de aposentadoria, se o principal critério para isso for justiça social.
Resta, no entanto, outro argumento sobre o benefício no caso do magistério que tem bastante apelo: ele
ajudaria a manter alguma atratividade para essa profissão tão crucial para o desenvolvimento de qualquer nação.
O problema é que, se isso for uma possibilidade de fato, não parece estar funcionando no caso do Brasil, onde o
desinteresse pela carreira docente é galopante.
Como já mostrado nesta coluna, os jovens brasileiros não têm interesse pelo magistério e aqueles que o
acabam elegendo são os de pior desempenho escolar.
Talvez isso ocorra porque fatores que desvalorizam a profissão têm peso muito maior do que benefícios
como aposentadoria especial e férias mais longas. Discutir e implementar medidas que tornem o magistério, de
fato, mais atraente é, portanto, necessário.
A experiência de países bem-sucedidos indica que isso passa pela adoção de salários decentes e planos de
carreira (com a criação de cargos que permitam que os melhores profissionais se destaquem), assim como pela
oferta de cursos de formação práticos e interessantes.
No Brasil, assumimos metas para melhorar a remuneração dos professores e adotar planos de carreira no
magistério, mas não temos nem mesmo critérios e indicadores bem definidos para acompanhar a evolução de
ambos; e nossos cursos de formação de professores permanecem extremamente teóricos.
Se alguém acha que esses são temas menos urgentes que o da sustentabilidade do nosso sistema
previdenciário, está redondamente enganado. Sem educação de qualidade não há possibilidade de desenvolvimento
econômico.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ericafraga/2017/05/1880620-o-que-atrai-jovem-professor-e-carreira-decente-e-naoaposentadoria-especial.shtml
. Acessado em 04/05/2017