Mensagem de final de ano aos jovens (des)informados
O ano passou num piscar de olhos. Aliás, tem sido assim
desde que a tecnologia e seus artefatos chegaram para tornarem-se peças indispensáveis no nosso cotidiano. A tecnologia acelerou a vida que, como diz a sábia boneca Emília em
suas famosas “Memórias da Emília” do nosso imortal Monteiro Lobato, já é, por si só, um pisca-pisca. Segundo ela, que
do alto de sua filosofia absolutamente genial narrou suas
memórias ao Visconde de Sabugosa: “a gente nasce, isto é,
começa a piscar. Quem para de piscar, chegou ao fim, morreu.
Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme-eacorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais. É,
portanto, um pisca-pisca. (...) A vida das gentes neste mundo,
senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um
dia. Pisca e mama; pisca e anda; pisca e brinca; pisca e estuda;
pisca e ama; pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos,
por fim, pisca pela última vez e morre.
E depois que morre? – perguntou o Visconde.
– Depois que morre vira hipótese. É ou não é?”.
É. Piscamos e lá se foi 2022.
O ser humano pisca de 15 a 20 vezes por minuto e, em
condições normais, um olho chega a piscar 8.000 vezes por
dia. Isso é necessário para que possamos lubrificar os olhos
limpando-os de agentes externos, como poeira ou outros
minúsculos elementos, que, a cada piscada, são impedidos
de entrar em contato direto com a córnea. Estudos apontam
que o ato de piscar está relacionado a um breve descanso da
mente, além de servir para lubrificar essa área tão importante dos olhos. Piscamos para ver melhor, mais limpo e
também para pensar com mais clareza. Nestes tempos em
que nossos computadores, tablets e celulares fazem parte
de quem somos, descobriu-se que estamos piscando cinco
vezes menos do que deveríamos, a isso deram o nome de
Síndrome do Uso Excessivo do Computador. Vejam só: estamos ficando doentes de tanto ver o mundo pelas telas! Fico
aqui pensando o que diria Emília, se soubesse disso. Piscando menos, vivemos menos e logo, logo, talvez ela dissesse, de nós só sobrarão hipóteses!...
Piscamos menos e mesmo assim o tempo passa célere,
e temos nos preocupado cada vez mais com ele, ainda mais
você, caro jovem leitor, que já reclama que não tem tempo
para fazer nem metade do que gostaria! Na Era da (Des)Informação o tempo passa mais rápido porque as telas não dão
descanso: entre um pisca e outro a gente vê um vídeo no
TikTok, pisca e posta uma foto no Instagram, pisca de novo e
comenta o post do amigo no Twitter e ainda dá tempo de
piscar mais uma vez e entrar no YouTube para dar uma espiada
no vídeo daquele influencer preferido. Parece muito pisca-
-pisca, mas, pelo que nos mostram as pesquisas, no meio de
tantas redes sociais não dá tempo de piscar o suficiente, e a
vista fica cada dia mais cansada, embaçada e a gente, mais encurvado, com a perspectiva de, daqui a 800 anos, estarmos corcundas, com quatro pálpebras e com as mãos em
forma de garra, como constatou estudo realizado pela empresa de telecomunicações Toll Free Forwarding. Ou então
se nada disso se concretizar, nos restará apenas ser só uma
hipótese...
Sem querer ser pessimista ou alarmista demais, o propósito desta mensagem de final de ano a todos os jovens
leitores é alertar para a nossa potência nesse mundo VUCA,
ou mundo BANI, como queira, nessa sociedade do cansaço,
nessa modernidade líquida. Precisamos piscar mais se quisermos continuar vivos. Podemos piscar mais vezes e sairmos das telas dos celulares. Podemos ler um livro impresso
e exercer a liberdade suprema de pular páginas, de começar
pelo meio, de parar de ler e olhar pela janela – aquela de
verdade mesmo, que tem formatos mil, que fica entre nós,
nossas casas e o mundo real. Precisamos conversar com as
pessoas, encontrar os amigos, ir ao estádio de futebol, passear pelos parques, nadar nos rios – enquanto eles ainda
existem e são “nadáveis” – navegar os mares ao invés de as
redes sociais. Podemos nos enredar em outras redes, aquelas que construímos, na escola, no clube, na vizinhança,
aquelas que de fato são laços e possuem o poder de destruir
muros. Podemos dominar os algoritmos se ampliarmos as
nossas experiências, porque eles ainda não prescindem do
humano e tanto mais humanos nos tornamos, quanto mais
experiências concretas conseguimos viver e compartilhar.
Não se trata aqui de dar uma receita de ano novo – elas
não funcionam, sabemos nós, que todos os anos fazemos
listas repletas de promessas – mas apenas de lembrar que
podemos seguir piscando, fazendo os nossos olhos brilharem com outras paisagens. Não tem sido fácil para você,
jovem leitor, singrar mares tão desconhecidos, tão sem
bússola como os grandes navegadores estavam quando desbravaram os continentes do chamado novo mundo. Mas se
eles chegaram a outros lugares, provaram que é possível
descobrir o desconhecido. Os instrumentos que os ajudaram
servem perfeitamente para os dias de hoje: curiosidade, estratégia, pesquisa, resistência, resiliência, crença no sonho,
no impossível, fé em si mesmo e um desejo recorrente de
viver melhor. Como dizia o escritor Eduardo Galeano é para
isso que serve a utopia: “para que eu não deixe de caminhar”.
Aos jovens (des)informados desse futuro tão incerto
desejo um tempo a mais entre uma piscada e outra, um
tempo para fechar os olhos e descansar das telas, uma piscada mais elaborada que permita a construção de narrativas
que não precisem ser postadas para tornarem-se relevantes,
e muitas piscadas por conta da vivência de histórias inclusivas, diferentes, diversas e desiguais. Desejo que construam
hipóteses – muitas! – e que possam referendá-las com rigor,
ética e criticidade. E que assim tornem-se cada dia mais potentes, protagonistas e reais.
(ALVES, Januária Cristina. Mensagem de final de ano aos jovens
(des)informados. Jornal Nexo, 2022. Disponível em:
https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2022/Mensagem-de-finalde-ano-aos-jovens-DesInformados. Acesso em: 21/12/2022. Adaptado.)