Atenção: Para responder à questão, considere o trecho do livro O elogio do vira-lata e outros ensaios, de
Eduardo Giannett.
A ciência destrói o seu passado. Os clássicos da literatura científica, como os tratados hipocráticos, o Le Monde de Descartes
ou a Philosophia Botanica de Lineu, foram obras que marcaram época, mas que a passagem do tempo reduziu à condição de peças
de antiquário e objeto de interesse restrito a especialistas em história da ciência. Nenhum cientista que se preze aprende o seu ofício
destrinchando os clássicos de sua disciplina.
Com a filosofia é diferente. Os clássicos da literatura filosófica, como os diálogos platônicos, as Meditações de Descartes ou o
Leviatã de Hobbes, são obras que parecem dotadas do dom da eterna juventude. Embora também se prestem à lupa antiquária do
historiador de ideias, elas conseguem de algum modo driblar o tempo e falar diretamente aos espíritos vivos das novas gerações. A
filosofia, como a arte, não enterra o seu passado.
A diferença, é certo, resulta em parte da ausência de um critério bem definido de progresso na história da filosofia. Mas não é
só. A consciência da nossa ignorância cresce de mãos dadas com o avanço do saber científico. Como observa com certa malícia
Adam Smith na Teoria dos Sentimentos Morais, ao comentar a dificuldade de refutar conclusivamente teorias no campo da ética, a
progressividade das ciências naturais também reflete a sua maior vulnerabilidade e propensão ao erro.
(GIANNETTI, Eduardo. O elogio do vira-lata e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2018)