Questões de Vestibular
Sobre funções da linguagem: emotiva, apelativa, referencial, metalinguística, fática e poética. em português
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Leia o poema a seguir, intitulado “As águas do Recife”, de João Cabral de Melo Neto:
Sobre o texto fazem-se as seguintes afirmativas:
I. Embora predomine a função poética da linguagem, há momentos em que se observa a função metalinguística.
II. No enunciado dos versos 1 e 2, observa-se a presença da figura de linguagem chamada metáfora.
III. Nos versos 6 e 11, ocorre a existência de outra figura de linguagem, que é a prosopopeia.
IV. No texto, a linguagem utilizada foge das formas cotidianas de expressão, abandonando, portanto, a lógica comunicativa.
V. Na última estrofe (versos 13 a 16), a figura de linguagem observada é a metonímia, mediante o emprego da causa pelo efeito.
Assinale a alternativa correta:
Texto 1
POÉTICA
BANDEIRA, Manuel, Melhores poemas, 17° ed. – São Paulo: Global, 2015, p.64
Texto 1
(A)“As filmagens de Tropa de Elite 2 mostram a força da verossimilhança na roteirização de uma troca de tiros”.
(B)“Cena de tiroteio”
(C)”Helicópteros sobrevoam o morro Dona Marta, em Botafogo, zona sul do Rio. Policiais militares, com fuzis calibre 762, trocam tiros com traficantes na rua de acesso à favela. Os moradores se escondem, assustados. Corta.
A cena que marcou o início das filmagens de Tropa de Elite 2, em fevereiro, pôs os habitantes da região em pânico, crédulos de que se tratava de operação policial genuína. De quebra, mostrou a força da verossimilhança exigida na criação das sequências de tiroteio no cinema”.
(Texto de Marcelo Lyra, retirado da revista Língua Portuguesa, nº 54, abril.2010, p. 36).
No TEXTO ACIMA, predomina a função:
Texto I
Feliz por nada
Geralmente, quando uma pessoa exclama “Estou tão feliz!”, é porque engatou um novo amor, conseguiu uma promoção, ganhou uma bolsa de estudos, perdeu os quilos que precisava ou algo do tipo. Há sempre um porquê. Eu costumo torcer para que essa felicidade dure um bom tempo, mas sei que as novidades envelhecem e que não é seguro se sentir feliz apenas por atingimento de metas. Muito melhor é ser feliz por nada.
Feliz por estar com as dívidas pagas. Feliz porque alguém o elogiou. Feliz porque existe uma perspectiva de viagem daqui a alguns meses. Feliz porque você não magoou ninguém hoje. Feliz porque daqui a pouco será hora de dormir e não há lugar no mundo mais acolhedor do que sua cama. Mesmo sendo motivos prosaicos, isso ainda é ser feliz por muito.
Feliz por nada, nada mesmo? Talvez passe pela total despreocupação com essa busca. Essa tal de felicidade inferniza. “Faça isso, faça aquilo”. A troco? Quem garante que todos chegam lá pelo mesmo caminho?
Particularmente, gosto de quem tem compromisso com a alegria, que procura relativizar
as chatices diárias e se concentrar no que importa pra valer, e assim alivia o seu cotidiano e
não atormenta o dos outros. Mas não estando alegre, é possível ser feliz também. Não
estando “realizado”, também. Estando triste, felicíssimo igual. Porque felicidade é calma.
Consciência. É ter talento para aturar o inevitável, é tirar algum proveito do imprevisto, é
ficar debochadamente assombrado consigo próprio: como é que eu me meti nessa, como é
que foi acontecer comigo? Pois é, são os efeitos colaterais de se estar vivo.
Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem.
Se é para ser mestre em alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar da patrulha do pensamento. De querer se adequar à sociedade e ao mesmo tempo ser livre. Adequação e liberdade simultaneamente? É uma senhora ambição. Demanda a energia de uma usina. Para que se consumir tanto?
A vida não é um questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao mundo quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito, que bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Você é o que é, um imperfeito bem intencionado e que muda de opinião sem a menor culpa.
Ser feliz por nada talvez seja isso.
MEDEIROS, Martha. Felicidade crônica. 15.ed. Porto Alegre: L&PM, 2016. p. 86-87.
Texto III
O conceito felicidade para os filósofos
A felicidade é particular para cada ser humano, é uma questão muito individual. Mesmo que a ideia compartilhada entre a maior parte das pessoas seja que esse conceito é construído com saúde, amor, dinheiro, entre outros itens.
A filosofia que investiga e se dedica para definir e esclarecer as ideias do ser humano é excelente para refletir sobre a felicidade. E as primeiras reflexões de filosofia sobre ética continham o assunto felicidade, na Grécia antiga.
A mais antiga referência de filosofia sobre esse tema é o fragmento do texto de Tales de Mileto, este que viveu entre 7 a.C. e 6 a.C. Para Tales, ser feliz é ter corpo forte e são, boa sorte e alma formada.
Para Sócrates, essa ideia teve rumo novo, ele postulou que não havia relação da felicidade com somente satisfação dos desejos e necessidades do corpo, mas que o homem não é apenas corpo, e sim em principal, alma. Felicidade seria o bem da alma, através da conduta justa e virtuosa.
E já para Kant, a felicidade está no âmbito do prazer e desejo, e não há relação com Ética, logo não seria tema para investigar de maneira filosófica.
Mas ao que cerca a língua inglesa, na época de Kant, a felicidade teve destaque no pensamento político e sua busca passou a ser “direito do homem”, e isso é consignado na Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787, redigida de acordo com o Iluminismo.
No século 20, surge uma nova reflexão sobre o tema do inglês Bertrand Russel com a obra A Conquista da Felicidade, com método da investigação lógica; para Bertrand, por síntese, ser feliz é eliminar o egocentrismo.
[...]
- Disponível em: www.afilosofia.com.br/post/o-conceito-felicidade-para-os-filosofos/542.
- Acesso em: 06 abr. 2018 (adaptado).
- Texto IV
- Felicidade clandestina
- Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Pouco aproveitava. E nós, menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".
- Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez. Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra. Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
LISPECTOR, Clarice. Felicidade Clandestina. In: Felicidade Clandestina: contos.
Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1998 (adaptado).
Texto V
A busca pela felicidade está nos tornando infelizes e as redes sociais não estão ajudando
A opinião é do pianista James Rhodes, "Não somos destinados a ser felizes o tempo inteiro", diz ele no quadro opinativo Viewsnight, do programa da BBC Newsnight, afirmando que a busca pela felicidade a todo custo está nos tornando infelizes.
Na visão do pianista, "a busca pela felicidade parece nobre, mas é fundamentalmente falha".
Ele considera que "a felicidade não é algo a se perseguir mais do que a tristeza, a raiva, a esperança ou o amor".
A felicidade "é, simplesmente, um estado de ser, que é fluido, passageiro e às vezes inatingível".
Negar a existência de outros sentimentos, nem sempre considerados positivos, afirma, não é o melhor caminho. [...]
Rhodes observa que estamos em uma era de ritmo sem precedentes no dia a dia e que "nossa mentalidade 'sempre ligada' criou um ambiente impraticável e insustentável".
"Estamos em apuros", diz ele. "E as selfies cuidadosamente escolhidas e postadas no Instagram; a perfeição física espalhada por todas as mídias – inalcançável e extremamente 'photoshopada' – e o anonimato das redes sociais, onde descarregamos nossa ira, não estão ajudando".
"Sentimentos desafiadores"
Rhodes chama a atenção para os diferentes tipos de sentimento que permeiam a vida e nem todos têm a ver com satisfação ou alegrias. Há também o outro lado.
"Todos nos sentimos alternadamente ansiosos, para baixo, tranquilos, aflitos, contentes. Ocasionalmente, alguns de nós podemos nos perder no continuum em direção a depressão, ao transtorno de estresse pós-traumático e a pensamentos suicidas", diz.
Mas pondera: "Só porque não estamos felizes não significa que estamos infelizes". Para o pianista, assim é a complexidade da vida: "repleta de sentimentos e situações tumultuados, desafiadores e difíceis".
"Negá-los, resistir a eles, se desculpar por eles ou fingir que não existem é contraintuitivo e contraproducente".
Foi justamente o caminho contrário, o do reconhecimento de que "coisas ruins também acontecem" e de que é preciso falar sobre elas que ele decidiu trilhar há alguns anos – quando resolveu contar em livro problemas que enfrentou ao longo da vida.
Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/salasocial-42680542. Acesso em: 06 abr. 2018 (adaptado).
Texto VI
Ode ao dia feliz
Desta vez deixa-me
ser feliz,
nada passou a ninguém,
não estou em parte alguma,
acontece somente
que sou feliz
pelos quatro lados
do coração, andando
dormindo ou escrevendo.
O que vou fazer-te, sou
feliz
[...]
Pablo Neruda
Disponível em: http://www.portaldaliteratura.com/poemas.php?id=1400. Acesso em: 16 abr. 2018.
No processo de comunicação, é preciso expressar uma finalidade, um objetivo, que se
materializa por meio de uma função da linguagem específica. Leia as assertivas a seguir e
marque a INCORRETA em relação aos textos I, III, IV, V e VI:
Às 15h de uma segunda-feira, o campinho de futebol sob o viaduto de Vila Esperança está lotado de jovens descalços disputando o clássico Dois Poste contra Santa Cruz.
Ninguém tem emprego. Xambito é um deles.
Xambito precisa pagar pensão para seu filho de três anos, mas não quer voltar para a “vida errada”, como diz.
“Essa vida errada aí, biqueira [ponto de vendas de drogas], tráfico, só tem dois caminhos: cadeia ou morte; não quero nenhum desses dois, quero ver meu filho crescer, botar ele pra jogar bola, pra estudar”, diz Xambito, que anda pela favela com uma caixinha de som tocando o sertanejo Felipe Araújo.
Ele está correndo atrás de um “serviço fichado” (registrado). Já foi várias vezes aos pátios das fábricas em Cubatão, mas diz que aparecem dez vagas para 500 pessoas. “Só com ajuda de Deus para ser chamado, é muita gente desempregada.”
(http://arte.folha.uol.com.br/mundo/2017/um-mundo-de-muros/brasil/ excluidos/)
Leia o trecho do livro Bem-vindo ao deserto do real!, de Slavoj Žižek, para responder à questão.
Numa antiga anedota que circulava na hoje falecida República Democrática Alemã, um operário alemão consegue um emprego na Sibéria; sabendo que toda correspondência será lida pelos censores, ele combina com os amigos: “Vamos combinar um código: se uma carta estiver escrita em tinta azul, o que ela diz é verdade; se estiver escrita em tinta vermelha, tudo é mentira.” Um mês depois, os amigos recebem uma carta escrita em tinta azul: “Tudo aqui é maravilhoso: as lojas vivem cheias, a comida é abundante, os apartamentos são grandes e bem aquecidos, os cinemas exibem filmes do Ocidente, há muitas garotas, sempre prontas para um programa – o único senão é que não se consegue encontrar tinta vermelha.” Neste caso, a estrutura é mais refinada do que indicam as aparências: apesar de não ter como usar o código combinado para indicar que tudo o que está dito é mentira, mesmo assim ele consegue passar a mensagem. Como? Pela introdução da referência ao código, como um de seus elementos, na própria mensagem codificada.
(Bem-vindo ao deserto do real!, 2003.)
Na coesão textual, ocorre o que se chama catáfora quando um termo se refere a algo que ainda vai ser enunciado na frase.
Um exemplo em que o termo destacado constrói uma catáfora é:
a poesia aponta para um uso muito primário da linguagem, que parece anterior ao perfil de sua ocorrência nas conversas, nos jornais, nas aulas, conferências, discussões, discursos, ensaios ou telefonemas. (l. 4-6)
A comparação entre a poesia e outros usos da linguagem põe em destaque a seguinte característica do discurso poético:
A perspicácia, de RENÉ MAGRITTE (1936) http://rene-magritte-paintings.blogspot.com
Pode-se definir “metalinguagem” como a linguagem que comenta a própria linguagem, fenômeno presente na literatura e nas artes em geral.
O quadro A perspicácia, do belga René Magritte, é um exemplo de metalinguagem porque:
Normalmente, é possível omitir elementos de construção de frases sem dificultar a compreensão do leitor, uma vez que ficam subentendidos pelo conjunto da própria estrutura ou pela sequência em que se apresentam.
O exemplo do texto em que há omissão de elementos de construção de frases, sem prejuízo da compreensão, é:
TEXTO 8
Aos 60 anos, Rossmarc foi confinado na cadeia Raimundo Pessoa em Manaus, dividindo uma cela com 80 detentos. Dormia no chão junto de uma fossa sanitária. Para manter-se vivo usava toda a sua inteligência para fazer acordos com os detentos. Lá havia de tudo: drogados, jagunços, pseudomissionários, contrabandistas etc. Fora vítima do advogado. Com toda a lábia, nunca fora a Brasília defender Rossmarc. Por não ter apresentado a defesa, foi condenado a 13 anos de prisão. O advogado sumira, Rossmarc perdera o prazo para recorrer. Como era estrangeiro, os juízes temiam que fugisse do Brasil. O juiz ordenou sua prisão imediata. A cela, com oitenta detentos, fervilhava, era mais do que o inferno. Depressivo, mantinha-se tartamudo num canto, remoendo sua história, recordando-se dos bons tempos em que navegava pelos rios da Amazônia com seus amigos primatas.
Visitas? Só a de Pássaro Azul. Mudara-se também para Manaus e, sem nada dizer a Rossmarc, para obter dinheiro, prostituía-se num cabaré. Estava mais magra e algumas rugas se mostravam em seu rosto antes reluzente, agora de cor negra desgastada. Com o intuito de obter dinheiro, tanto para Rossmarc pagar as contas de dois viciados em crack no presídio, como para as custas de um advogado inexperiente, pouco se alimentava e ao redor dos olhos manchas entumecidas apareciam, deixando-a como alguém que consumia droga em exagero. As noitadas no cabaré enfumaçado e fedorento deixavam-na enfraquecida. Mas não deixara de amar o biólogo holandês. Quando fugira do quilombola, naquela noite, jurara amor eterno e não estava disposta a quebrar o juramento.
Enquanto Pássaro Azul se prostituía para obter os escassos recursos, Rossmarc, espremido entre os oitenta detentos, procurava desesperadamente uma luz no fim do túnel. Lembrava-se dos amigos influentes, de jornalistas, de políticos, e cada vez que Pássaro Azul o visitava, ele implorava que procurasse essas pessoas. Pássaro Azul corria atrás, mas sequer era recebida. Quem daria ouvidos a uma negra que se dizia íntima de Rossmarc, o biólogo que cometera crimes de biopirataria? Na visita seguinte, Rossmarc indagava:
— E dai, procurou aquela pessoa?
Para não magoar o amado, ela respondia que todos estavam muito interessados em sua causa. Dizia, entretanto, sem entusiasmo, com os olhos acuados e baixos, para não ver o rosto magro e chupado de Rossmarc. Entregava-lhe o pouco dinheiro que economizava, fruto da prostituição, e saia de lá com os olhos rasos d’água, tolhendo os soluços.
Numa noite no cabaré, Pássaro Azul conheceu um homem gordo e vesgo, que usava correntões de ouro. Dizia-se dono de um garimpo no meio da selva. Bebia e fumava muito, ria alto, com gargalhadas por vezes irritantes. Entre todas as raparigas, escolheu Pássaro Azul, que lhe fez todas as vontades, pervertendo-se de forma baixa e vil. Foram três noitadas intermináveis, mas Pássaro Azul aprendera a administrar a bebida. Não era tola, como as demais, que se embebedavam a ponto de caírem e serem arrastadas. Era carinhosa com o fazendeiro e saciava-lhe todos os caprichos. Não o abandonava, sentava em seu colo gordo e fazia-lhe agrados fingidos. Dava-lhe mais bebida e um composto de viagra, e o rosto gordo se avermelhava como de um leão enraivecido. Então, ela o puxava para o quarto sórdido. Na cama, enfrentava como guerreira o monte de carne e ossos, trepando sobre suas grandes papadas balofas e cavalgando, como uma guerreira. O homem resfolegava, gritava, gemia, uivava, mas Pássaro Azul não parava aquela louca cavalgada.
[...]
(GONÇALVES, David. Sangue verde. Joinville:
Sucesso Pocket, 2014. p. 217-218.)
TEXTO 7
A gota que fez transbordar a caixa da paciência de vovó foi um casalzinho folgado. Cansada da algazarra, do som da sanfona, que por três dias e três noites vinha balançando os alicerces da Casa, vovó foi procurar refúgio na paz de seu quarto. Que paz que nada, ali também a festa rolava solta. Abismada, ela viu um casalzinho iniciando sua lua de mel, imaginem onde? Na cama de vovó! Pena que o urinol estivesse vazio. Furiosa, Ana Vitória pensou em apelar para o chicote. Depois seu pensamento voltou para os primeiros dias de seu casamento, lembrou-se da urgência que a fazia deixar tudo por fazer e ir atrás do marido no roçado. Viu a si mesma, viu os dois, ela e o marido, um casal corado e feliz se deitando debaixo de qualquer árvore. Dez meses após o casamento nasceu o primeiro filho, seguido de outros, um por ano. A leveza daquele início parecia tão distante, tão irreal. Uma lagrimazinha de saudade marejou seus olhos abatidos, rolou pela face cansada e foi morrer no peito murcho. Desanimada, ela pensou que nunca mais ia parar de ter filhos, de lavar bundinhas melecadas de cocô. Acabou deixando os pombinhos em paz, eles que aproveitassem a vida enquanto era possível. Mas avisou aos interessados que preferia perder um bom quinhão de suas terras a continuar convivendo com tamanha barafunda. Assim, a ideia remota da criação de um arraial foi posta em prática. Doações foram feitas e o terreno demarcado.
As construções começaram a nascer com a rapidez dos cogumelos. Primeiro a igreja com a torre central, beiral duplo em madeira recortada em bicos. Paredes azuis, janelas brancas. Feinha a pobre igreja, mas nem por isso desprezada. Talvez sua maior virtude estivesse na singeleza, no aconchego. A igrejinha era o orgulho do povoado. Sobre o altar feito por um carpinteiro caprichoso, a imagem de um Cristo cansado, a cabeça pensa, o olhar vazio. Descascado, ensanguentado, provocava nos fieis uma piedade quase dolorosa. Foi nessa igreja que meus pais me apresentaram ao Nosso Criador.
(BARROS, Adelice da Silveira. Mesa dos inocentes. Goiânia: Kelps, 2010. p. 74-75.)
No trecho extraído da obra Mesa dos inocentes, de Adelice da Silveira (Texto 7), podemos destacar várias expressões que revelam, ao mesmo tempo, elevado tom de humor e uma certa intromissão do narrador, o que caracteriza uma forma inteligente e divertida de prática do discurso indireto livre.
Com base na assertiva acima, assinale a alternativa cujo recorte melhor a representa:
TEXTO 7
Memórias de um pesquisador
Não era bem vida, era uma modorra – mas de qualquer modo suportável e até agradável. Terminou bruscamente, porém, eu estando com vinte e oito anos e um pequeno bujão de gás explodindo mesmo à minha frente, no laboratório de eletrônica em que trabalhava, como auxiliar. Me levaram às pressas para o hospital, os médicos duvidando que eu escapasse. Escapei, mas não sem danos. Perdi todos os dedos da mão esquerda e três (sobraram o polegar e o mínimo) da direita. Além disso fiquei com o rosto seriamente queimado. Eu já não era bonito antes, mas o resultado final – mesmo depois das operações plásticas – não era agradável de se olhar. Deus, não era nada agradável.
No entanto, nos primeiros meses após o acidente eu não via motivos para estar triste. Aposentei-me com um bom salário. Minha velha tia, com quem eu morava, desvelava-se em cuidados. Preparava os pastéis de que eu mais gostava, cortava-os em pedacinhos que introduzia em minha boca – derramando sentidas lágrimas cuja razão, francamente, eu não percebia. Deves chorar por meu pai – eu dizia – que está morto, por minha mãe que está morta, por meu irmão mais velho que está morto; mas choras por mim. Por quê? Escapei com vida de uma explosão que teria liquidado qualquer um; não preciso mais trabalhar; cuidas de mim com desvelo; de que devo me queixar?
Cedo descobri. Ao visitar certa modista.
Esta senhora, uma viúva recatada mas ardente, me recebia todos os sábados, dia em que os filhos estavam fora. Quando me senti suficientemente forte telefonei explicando minha prolongada ausência e marcamos um encontro.
Ao me ver ficou, como era de se esperar, consternada. Vais te acostumar, eu disse, e propus irmos para a cama. Me amava, e concordou. Logo me deparei com uma dificuldade: o coto (assim eu chamava o que tinha me sobrado da mão esquerda) e a pinça (os dois dedos restantes da direita) não me forneciam o necessário apoio. O coto, particularmente, tinha uma certa tendência a resvalar pelo corpo coberto de suor da pobre mulher. Seus olhos se arregalavam; quanto mais apavorada ficava, mais suava e mais o coto escorregava.
Sou engenhoso. Trabalhando com técnicos e cientistas aprendi muita coisa, de modo que logo resolvi o problema: com uma tesoura, fiz duas incisões no colchão. Ali ancorei coto e pinça. Pude assim amá-la, e bem.
– Não aguentava mais – confessei, depois. – Seis meses no seco!
Não me respondeu. Chorava. – Vais me perdoar, Armando – disse – eu gosto de ti, eu te amo, mas não suporto te ver assim. Peço-te, amor, que não me procures mais.
– E quem vai me atender daqui por diante? – perguntei, ultrajado.
Mas ela já estava chorando de novo. Levantei-me e saí. Não foi nessa ocasião, contudo, que fiquei deprimido. Foi mais tarde; exatamente uma semana depois.
[...]
(SCLIAR, Moacyr. Melhores contos. Seleção de
Regina Zilbermann. São Paulo: Global, 2003. p.
176-177.)