Questões de Vestibular UEMA 2022 para Vestibular
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O (não) lugar do “pardo”
Lá no fim do século XIX e no começo do XX, o Brasil passava pelo dilema que todas as nações modernas enfrentaram (e, de certa maneira, ainda enfrentam): como criar uma identidade nacional que justifique e mantenha o Estado?
Notem que eu ouso criar, porque é bem isso mesmo, inventar uma história que servisse aos interesses da elite dominante e homogeneizasse a população brasileira. Ora, essa população era formada, principalmente, por pretos escravos ou ex-escravos, indígenas perseguidos e uma parcela de gente branca. No centro da discussão estava: quem seria o cidadão brasileiro.
Houve quem defendesse a educação para o trabalho: ensinar os pretos amolecidos e degenerados pela escravidão (faz me rir) a trabalhar resignado. Teve aqueles que achavam que a inferioridade dos pretos era tão grande que não adiantava educar nem nada, era melhor expulsar ou deixar morrer. O Brasil, em seus debates sobre a nação e seus cidadãos, bebeu muito das teorias racialistas que estavam em voga na Europa e sendo amplamente utilizadas para justificar a colonização na África depois de séculos e séculos de saque humano. [...]
Daí surge o pardo como a gente conhece hoje. O pardo não é raça, não é povo, não é cidadão brasileiro. Ele é o estágio transitório entre a base da pirâmide (os negros) e o topo (os brancos). Não é branco, ainda não chegou no estágio sublime de branquitude que garante o direito à vida, oportunidades e cidadania, mas é prova viva da boa vontade e do esforço de se embranquecer tão valorizado por uma elite branca que, desde sempre, morre de medo dos pretos fazerem daqui o Haiti.
Como fala Foucault, o poder, no estado moderno, não é negativo, ele é normatizador. Ou seja, estabelece normas de conduta, estéticas, discursivas, e beneficia aqueles que fazem o jogo. No caso do Brasil, o jogo da branquitude. Quanto mais branco você tentar ser, seja usando intervenções estéticas ou compartilhando o discurso político e social, mais “tolerável” você vai ser. Nisso, nós que somos claros, temos uma vantagem: o branqueamento estético é mais alcançável para nós. Mas nada disso garante que você vai passar de boa em uma sociedade racialmente hierarquizada, o embranquecimento é, sobretudo, uma mutilação. E pra quem ainda tem dúvidas, mutilação é sempre ruim ok? Não tem gradação de violência e mutilação. [...]
https://medium.com/@isabelapsena/o-n%C3%A3o-lugar-do-pardo
O (não) lugar do “pardo”
Lá no fim do século XIX e no começo do XX, o Brasil passava pelo dilema que todas as nações modernas enfrentaram (e, de certa maneira, ainda enfrentam): como criar uma identidade nacional que justifique e mantenha o Estado?
Notem que eu ouso criar, porque é bem isso mesmo, inventar uma história que servisse aos interesses da elite dominante e homogeneizasse a população brasileira. Ora, essa população era formada, principalmente, por pretos escravos ou ex-escravos, indígenas perseguidos e uma parcela de gente branca. No centro da discussão estava: quem seria o cidadão brasileiro.
Houve quem defendesse a educação para o trabalho: ensinar os pretos amolecidos e degenerados pela escravidão (faz me rir) a trabalhar resignado. Teve aqueles que achavam que a inferioridade dos pretos era tão grande que não adiantava educar nem nada, era melhor expulsar ou deixar morrer. O Brasil, em seus debates sobre a nação e seus cidadãos, bebeu muito das teorias racialistas que estavam em voga na Europa e sendo amplamente utilizadas para justificar a colonização na África depois de séculos e séculos de saque humano. [...]
Daí surge o pardo como a gente conhece hoje. O pardo não é raça, não é povo, não é cidadão brasileiro. Ele é o estágio transitório entre a base da pirâmide (os negros) e o topo (os brancos). Não é branco, ainda não chegou no estágio sublime de branquitude que garante o direito à vida, oportunidades e cidadania, mas é prova viva da boa vontade e do esforço de se embranquecer tão valorizado por uma elite branca que, desde sempre, morre de medo dos pretos fazerem daqui o Haiti.
Como fala Foucault, o poder, no estado moderno, não é negativo, ele é normatizador. Ou seja, estabelece normas de conduta, estéticas, discursivas, e beneficia aqueles que fazem o jogo. No caso do Brasil, o jogo da branquitude. Quanto mais branco você tentar ser, seja usando intervenções estéticas ou compartilhando o discurso político e social, mais “tolerável” você vai ser. Nisso, nós que somos claros, temos uma vantagem: o branqueamento estético é mais alcançável para nós. Mas nada disso garante que você vai passar de boa em uma sociedade racialmente hierarquizada, o embranquecimento é, sobretudo, uma mutilação. E pra quem ainda tem dúvidas, mutilação é sempre ruim ok? Não tem gradação de violência e mutilação. [...]
https://medium.com/@isabelapsena/o-n%C3%A3o-lugar-do-pardo
O (não) lugar do “pardo”
Lá no fim do século XIX e no começo do XX, o Brasil passava pelo dilema que todas as nações modernas enfrentaram (e, de certa maneira, ainda enfrentam): como criar uma identidade nacional que justifique e mantenha o Estado?
Notem que eu ouso criar, porque é bem isso mesmo, inventar uma história que servisse aos interesses da elite dominante e homogeneizasse a população brasileira. Ora, essa população era formada, principalmente, por pretos escravos ou ex-escravos, indígenas perseguidos e uma parcela de gente branca. No centro da discussão estava: quem seria o cidadão brasileiro.
Houve quem defendesse a educação para o trabalho: ensinar os pretos amolecidos e degenerados pela escravidão (faz me rir) a trabalhar resignado. Teve aqueles que achavam que a inferioridade dos pretos era tão grande que não adiantava educar nem nada, era melhor expulsar ou deixar morrer. O Brasil, em seus debates sobre a nação e seus cidadãos, bebeu muito das teorias racialistas que estavam em voga na Europa e sendo amplamente utilizadas para justificar a colonização na África depois de séculos e séculos de saque humano. [...]
Daí surge o pardo como a gente conhece hoje. O pardo não é raça, não é povo, não é cidadão brasileiro. Ele é o estágio transitório entre a base da pirâmide (os negros) e o topo (os brancos). Não é branco, ainda não chegou no estágio sublime de branquitude que garante o direito à vida, oportunidades e cidadania, mas é prova viva da boa vontade e do esforço de se embranquecer tão valorizado por uma elite branca que, desde sempre, morre de medo dos pretos fazerem daqui o Haiti.
Como fala Foucault, o poder, no estado moderno, não é negativo, ele é normatizador. Ou seja, estabelece normas de conduta, estéticas, discursivas, e beneficia aqueles que fazem o jogo. No caso do Brasil, o jogo da branquitude. Quanto mais branco você tentar ser, seja usando intervenções estéticas ou compartilhando o discurso político e social, mais “tolerável” você vai ser. Nisso, nós que somos claros, temos uma vantagem: o branqueamento estético é mais alcançável para nós. Mas nada disso garante que você vai passar de boa em uma sociedade racialmente hierarquizada, o embranquecimento é, sobretudo, uma mutilação. E pra quem ainda tem dúvidas, mutilação é sempre ruim ok? Não tem gradação de violência e mutilação. [...]
https://medium.com/@isabelapsena/o-n%C3%A3o-lugar-do-pardo
A fluidez do texto é perceptível e garante ao leitor interesse por sua leitura pelo fato de serem inseridas expressões coloquiais, descontraídas, gerando atração muito mais pelo conteúdo do que pela forma.
Essa assertiva é comprovada no seguinte exemplo:
O estrangeiro apertou a mão calosa e áspera do velho, que abriu os lábios numa rude expressão de riso, mostrando as gengivas roxas e desdentadas. A cafuza não se mexeu; apenas, mudando vagarosamente o olhar, descansou-o, cheio de preguiça e desalento, no rosto do viajante. A criança acolheu-se a ela, boquiaberta, com a baba a escorrer dos beiços túmidos.
[...]
— Mora aqui há muito tempo? perguntou Milkau.
— Fui nascido e criado nessas bandas, sinhô moço... Ali perto do Mangaraí.
— E, tateando o espaço, estendia a mão para o outro lado do rio. — Não vê um casarão lá no fundo? Foi ali que me fiz homem, na fazenda do Capitão Matos, defunto meu sinhô, que Deus haja!
O estrangeiro, acompanhando o gesto, apenas divisava ao longe um amontoado de ruínas que interrompia a verdura da mata.
E a conversa foi continuando por uma série de perguntas de Milkau sobre a vida passada daquela região, às quais o velho respondia gostoso, por ter ocasião de relembrar os tempos de outrora, sentindo-se incapaz, como todos os humildes e primitivos, de tomar a iniciativa dos assuntos.
[...]
— Ah, tudo isto, meu sinhô moço, se acabou... Cadê fazenda? Defunto meu sinhô morreu, filho dele foi vivendo até que governo tirou os escravos. Tudo debandou. Patrão se mudou com a família para Vitória, onde tem seu emprego; meus parceiros furaram esse mato grande e cada um levantou casa aqui e acolá, onde bem quiseram. Eu com minha gente vim para cá, para essas terras do seu coronel. Tempo hoje anda triste. Governo acabou com as fazendas, e nos pôs todos no olho do mundo, a caçar de comer, a comprar de vestir, a trabalhar como boi para viver. Ah! tempo bom de fazenda!
[...]
— Mas, meu amigo — disse Milkau
—, você aqui ao menos está no que é seu, tem sua casa, sua terra, é dono de si mesmo.
— Qual terra, qual nada... Rancho é do marido de minha filha, que está aí sentada, terra é de seu coronel, arrendada por dez mil-réis por ano. Hoje em dia tudo aqui é de estrangeiro, Governo não faz nada por brasileiro, só pune por alemão... ARANHA, G. (1868-1931). Canaã. 3 ed. São Paulo: Martins Claret, 2013.
Dentre os trechos extraídos do diálogo dos personagens, indique aquele em que predomina a intenção crítica do
autor acerca da política da época.
O estrangeiro apertou a mão calosa e áspera do velho, que abriu os lábios numa rude expressão de riso, mostrando as gengivas roxas e desdentadas. A cafuza não se mexeu; apenas, mudando vagarosamente o olhar, descansou-o, cheio de preguiça e desalento, no rosto do viajante. A criança acolheu-se a ela, boquiaberta, com a baba a escorrer dos beiços túmidos.
[...]
— Mora aqui há muito tempo? perguntou Milkau.
— Fui nascido e criado nessas bandas, sinhô moço... Ali perto do Mangaraí.
— E, tateando o espaço, estendia a mão para o outro lado do rio. — Não vê um casarão lá no fundo? Foi ali que me fiz homem, na fazenda do Capitão Matos, defunto meu sinhô, que Deus haja!
O estrangeiro, acompanhando o gesto, apenas divisava ao longe um amontoado de ruínas que interrompia a verdura da mata.
E a conversa foi continuando por uma série de perguntas de Milkau sobre a vida passada daquela região, às quais o velho respondia gostoso, por ter ocasião de relembrar os tempos de outrora, sentindo-se incapaz, como todos os humildes e primitivos, de tomar a iniciativa dos assuntos.
[...]
— Ah, tudo isto, meu sinhô moço, se acabou... Cadê fazenda? Defunto meu sinhô morreu, filho dele foi vivendo até que governo tirou os escravos. Tudo debandou. Patrão se mudou com a família para Vitória, onde tem seu emprego; meus parceiros furaram esse mato grande e cada um levantou casa aqui e acolá, onde bem quiseram. Eu com minha gente vim para cá, para essas terras do seu coronel. Tempo hoje anda triste. Governo acabou com as fazendas, e nos pôs todos no olho do mundo, a caçar de comer, a comprar de vestir, a trabalhar como boi para viver. Ah! tempo bom de fazenda!
[...]
— Mas, meu amigo — disse Milkau
—, você aqui ao menos está no que é seu, tem sua casa, sua terra, é dono de si mesmo.
— Qual terra, qual nada... Rancho é do marido de minha filha, que está aí sentada, terra é de seu coronel, arrendada por dez mil-réis por ano. Hoje em dia tudo aqui é de estrangeiro, Governo não faz nada por brasileiro, só pune por alemão... ARANHA, G. (1868-1931). Canaã. 3 ed. São Paulo: Martins Claret, 2013.
Nos fragmentos, observa-se um procedimento descritivo, típico do Naturalismo Literário: detalhismo por meio de elementos sensoriais. Releia-os.
“A criança acolheu-se a ela boquiaberta, com a baba a escorrer dos beiços túmidos.”
“— E, tateando o espaço, estendia a mão para o outro lado do rio.”
Nas expressões “beiços túmidos” e “tateando o espaço”, destacam-se, respectivamente, os seguintes elementos sensoriais:
O fragmento a seguir é um dos diálogos entre os dois estrangeiros que protagonizam Canaã.
— Parece que já vi este quadro em algum lugar — disse Milkau, cismando, — Mas não, este ar, este conjunto suave, este torpor instantâneo, e que se percebe vai passar daqui a pouco, é seguramente a primeira vez que conheço.
— E por quanto tempo aqui ficaremos? — disse o outro num bocejo de desalento; e o seu olhar pairava preguiçosamente sobre a paisagem.
— Não meço o tempo — respondeu Milkau —, porque não sei até quando viverei, e agora espero que este seja o quadro definitivo da minha existência. Sou um imigrado, e tenho a alma do repouso; este será o meu último movimento na terra...
— Mas nada o agita? Nada o impelirá para fora daqui, fora desta paz dolorosa, que é uma sepultura para nós?...
— Aqui fico. E se aqui está a paz, é a paz que procuro exatamente...Eu me conservarei na humildade; em torno de mim desejarei uma harmonia infinita.
ARANHA, G. (1868-1931). Canaã. 3 ed. São Paulo: Martins Claret, 2013.
A relação discurso/personagem está representada, corretamente, na seguinte associação:
LENTZ — Até agora não vejo probabilidade da raça negra atingir a civilização dos brancos. Jamais a África ...
MILKAU — O tempo da África chegará. As raças civilizam-se pela fusão; é no encontro das raças adiantadas com as raças virgens, selvagens, que está o repouso conservador, o milagre do rejuvenescimento da civilização. O papel dos povos superiores é o instintivo impulso do desdobramento da cultura, transfundindo de corpo a corpo o produto dessa fusão que, passada a treva da gestação, leva mais longe o capital acumulado nas infinitas gerações. Foi assim que a Gália se tornou França e a Germânia, Alemanha.
LENTZ — Não acredito que da fusão com espécies radicalmente incapazes resulte uma raça sobre que se possa desenvolver a civilização. Será sempre uma cultura inferior, civilização de mulatos, eternos escravos em revoltas e quedas. Enquanto não se eliminar a raça que é o produto de tal fusão, a civilização será sempre um misterioso artifício, todos os minutos rotos pelo sensualismo, pela bestialidade e pelo servilismo inato do negro. O problema social para o progresso de uma região como o Brasil está na substituição de uma raça híbrida, como a dos mulatos, por europeus. A imigração não é simplesmente para o futuro da região do País um caso de simples estética, é antes de tudo uma questão complexa, que interessa o futuro humano.
ARANHA, G. (1868-1931). Canaã. 3 ed. São Paulo: Martins Claret, 2013.
[...] E os dois imigrantes, no silêncio dos caminhos, unidos enfim numa mesma comunhão de esperança e admiração, puseram-se a louvar a Terra de Canaã.
Eles disseram que ela era formosa com os seus trajes magníficos, vestida de sol, coberta com o manto do voluptuoso e infinito azul; que era amimada pelas coisas; sobre o seu colo águas dos rios fazem voltas e outras enlaçam-lhe a cintura desejada; [...]
Eles disseram que ela era opulenta, porque no seu bojo fantástico guarda a riqueza inumerável, o ouro puro e a pedra iluminada; porque os seus rebanhos fartam as suas nações e o fruto das suas árvores consola o amargor da existência; porque um só grão das suas areias fecundas fertilizaria o mundo inteiro e apagaria para sempre a miséria e a fome entre os homens. Oh! poderosa!...
Eles disseram que ela, amorosa, enfraquece o sol com as suas sombras; para o orvalho da noite fria tem o calor da pele aquecida, e os homens encontram nela, tão meiga e consoladora, o esquecimento instantâneo da agonia eterna...
Eles disseram que ela era feliz entre as outras, porque era a mãe abastada, a casa de ouro, a providência dos filhos despreocupados, que a não enjeitam por outra, não deixam as suas vestes protetoras e a recompensam com o gesto perpetuamente infantil e carinhoso, e cantam-lhe hinos saídos de um peito alegre...
Eles disseram que ela era generosa, porque distribui os seus dons preciosos aos que deles têm desejo; a sua porta não se fecha, as suas riquezas não têm dono; não é perturbada pela ambição e pelo orgulho; os seus olhos suaves e divinos não distinguem as separações miseráveis; o seu seio maternal se abre a todos como um farto e tépido agasalho... Oh! esperança nossa!
Eles disseram esses e outros louvores e caminharam dentro da luz...
ARANHA, G. (1868-1931). Canaã. 3 ed. São Paulo: Martins Claret, 2013.
A presença constante da repetição de termos e de expressões no início do parágrafo é conhecida como anáfora.
O uso da anáfora – Eles disseram – , no contexto, expressa tom
[...] E os dois imigrantes, no silêncio dos caminhos, unidos enfim numa mesma comunhão de esperança e admiração, puseram-se a louvar a Terra de Canaã.
Eles disseram que ela era formosa com os seus trajes magníficos, vestida de sol, coberta com o manto do voluptuoso e infinito azul; que era amimada pelas coisas; sobre o seu colo águas dos rios fazem voltas e outras enlaçam-lhe a cintura desejada; [...]
Eles disseram que ela era opulenta, porque no seu bojo fantástico guarda a riqueza inumerável, o ouro puro e a pedra iluminada; porque os seus rebanhos fartam as suas nações e o fruto das suas árvores consola o amargor da existência; porque um só grão das suas areias fecundas fertilizaria o mundo inteiro e apagaria para sempre a miséria e a fome entre os homens. Oh! poderosa!...
Eles disseram que ela, amorosa, enfraquece o sol com as suas sombras; para o orvalho da noite fria tem o calor da pele aquecida, e os homens encontram nela, tão meiga e consoladora, o esquecimento instantâneo da agonia eterna...
Eles disseram que ela era feliz entre as outras, porque era a mãe abastada, a casa de ouro, a providência dos filhos despreocupados, que a não enjeitam por outra, não deixam as suas vestes protetoras e a recompensam com o gesto perpetuamente infantil e carinhoso, e cantam-lhe hinos saídos de um peito alegre...
Eles disseram que ela era generosa, porque distribui os seus dons preciosos aos que deles têm desejo; a sua porta não se fecha, as suas riquezas não têm dono; não é perturbada pela ambição e pelo orgulho; os seus olhos suaves e divinos não distinguem as separações miseráveis; o seu seio maternal se abre a todos como um farto e tépido agasalho... Oh! esperança nossa!
Eles disseram esses e outros louvores e caminharam dentro da luz...
ARANHA, G. (1868-1931). Canaã. 3 ed. São Paulo: Martins Claret, 2013.
A Escrava, de Maria Firmina dos Reis, é um exemplar de conto do movimento abolicionista brasileiro, que projeta, no contexto de 1887, uma autora negra, pobre, maranhense, em texto publicado na Revista Maranhense nº. 3. Você vai ler a primeira cena dessa narrativa curta.
Em um salão onde se achavam reunidas muitas pessoas distintas, e bem colocadas na sociedade, e depois de versar a conversação sobre diversos assuntos mais ou menos interessantes, recaiu sobre o elemento servil.
O assunto era por sem dúvida de alta importância. A conversação era geral; as opiniões, porém, divergiam. Começou a discussão.
— Admira-me, — disse uma senhora, de sentimentos sinceramente abolicionistas; faz-me até pasmar como se possa sentir, e expressar sentimentos escravocratas, no presente século, no século dezenove! A moral religiosa e a moral cívica aí se erguem, e falam bem alto esmagando a hidra que envenena a família no mais sagrado santuário seu, e desmoraliza, e avilta a nação inteira!
Levantai os olhos ao Gólgota, ou percorrei-os em torno da sociedade, e dizei-me:
— Para que se deu em sacrifício o Homem Deus, que ali exalou seu derradeiro atento? Ah!
Então não era verdade que seu sangue era o resgate do homem! É então uma mentira abominável ter esse sangue comprado a liberdade!? E depois, olhai a sociedade... Não verdes o abutre que a corrói constantemente!... Não sentis a desmoralização que a enerva, o cancro que a destrói?
Reis, Maria Firmina dos, 1825-1917. Úrsula e outras obras [recurso eletrônico] / Maria Firmina dos Reis. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018. – (Série prazer de ler; n. 11 e-book)
A fala da senhora, ao se contrapor aos escravocratas, apresenta argumentação, ancorada na perspectiva da (do)
Custou a ir à cidade: quando foi demorou-se algumas semanas, e quando chegou, entregou a meu pai uma folha de papel escrita, dizendo-lhe:
– Toma, e guarda, com cuidado, é a carta de liberdade de Joana. Meu pai não sabia ler, de agradecido beijou as mãos daquela fera. Abraçou-me, chorou de alegria, e guardou a suposta carta de liberdade.
Então furtivamente eu comecei a aprender a ler, com um escravo mulato, e a viver com alguma liberdade.
Isso durou dois anos. Meu pai morreu de repente, e, no dia imediato, meu senhor disse a minha mãe:
– Joana que vá para o serviço, tem já sete anos, e eu não admito escrava vadia.
Minha mãe, surpresa e confundida, cumpriu a ordem sem articular uma palavra.
Nunca a meu pai passou pela ideia, que aquela suposta carta de liberdade era uma fraude; nunca deu a ler a ninguém; mas, minha mãe, à vista do rigor de semelhante ordem, tomou o papel, e deu-o a ler, àquele que me dava as lições. Ah! Eram umas quatro palavras sem nexo, sem assinatura, sem data! Eu também a li, quando caiu das mãos do mulato. Minha pobre mãe deu um grito, e caiu estrebuchando.
Reis, Maria Firmina dos, 1825-1917. Úrsula e outras obras [recurso eletrônico] / Maria Firmina dos Reis. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018. – (Série prazer de ler; n. 11 e-book).
Os discursos sexista e escravocrata, manifestações da sociedade patriarcal, denunciadas por Maria Firmina, em
A Escrava, se fazem representados no trecho
Analise a charge a seguir.
Estado de Minas 03-12-2021 https://www.em.com.br/app/charge/2021/12/03/interna_charge,1328062/racismo.shtml
A charge apresenta uma crítica severa à falta de liberdade do ser humano. Há relação temática, sobretudo,
evidenciada na sequência do segundo ao quarto quadrinhos com o seguinte trecho do conto A Escrava: