Custou a ir à cidade: quando foi demorou-se algumas sema...
Custou a ir à cidade: quando foi demorou-se algumas semanas, e quando chegou, entregou a meu pai uma folha de papel escrita, dizendo-lhe:
– Toma, e guarda, com cuidado, é a carta de liberdade de Joana. Meu pai não sabia ler, de agradecido beijou as mãos daquela fera. Abraçou-me, chorou de alegria, e guardou a suposta carta de liberdade.
Então furtivamente eu comecei a aprender a ler, com um escravo mulato, e a viver com alguma liberdade.
Isso durou dois anos. Meu pai morreu de repente, e, no dia imediato, meu senhor disse a minha mãe:
– Joana que vá para o serviço, tem já sete anos, e eu não admito escrava vadia.
Minha mãe, surpresa e confundida, cumpriu a ordem sem articular uma palavra.
Nunca a meu pai passou pela ideia, que aquela suposta carta de liberdade era uma fraude; nunca deu a ler a ninguém; mas, minha mãe, à vista do rigor de semelhante ordem, tomou o papel, e deu-o a ler, àquele que me dava as lições. Ah! Eram umas quatro palavras sem nexo, sem assinatura, sem data! Eu também a li, quando caiu das mãos do mulato. Minha pobre mãe deu um grito, e caiu estrebuchando.
Reis, Maria Firmina dos, 1825-1917. Úrsula e outras obras [recurso eletrônico] / Maria Firmina dos Reis. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018. – (Série prazer de ler; n. 11 e-book).
Os discursos sexista e escravocrata, manifestações da sociedade patriarcal, denunciadas por Maria Firmina, em
A Escrava, se fazem representados no trecho