Em “Quando o trabalhador ou trabalhadora (...) recusam o em...
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Ano: 2012
Banca:
CÁSPER LÍBERO
Órgão:
CÁSPER LÍBERO
Prova:
CÁSPER LÍBERO - 2012 - CÁSPER LÍBERO - Vestibular |
Q1382998
Português
Texto associado
Leia o texto a seguir e responda à questão.
Jeitinho e jeitão: uma tentativa de interpretação do caráter brasileiro
Nascido inicialmente das contradições entre uma ordem liberal formal e uma realidade
escravista, o jeitinho transformou-se em código geral de sociabilidade.
Recordo um caso pessoal, passado há muito tempo. Eu trabalhava com Celso Furtado
(rigorosamente antijeitinho), que recebia um diretor do Banco Interamericano de
Desenvolvimento, por sinal um conterrâneo seu. Este, vendo-me por perto, e julgando que
eu não era parte da conversa, pediu-me água. Pediu a primeira, a segunda e a terceira vez.
Fui obrigado a dizer-lhe que não confundisse gentileza com servilismo, e que da próxima vez
ele mesmo se servisse. Não ocorria àquele senhor que alguém que não fosse da sua grei
pudesse tomar parte de uma conversa com altos representantes da banca interamericana.
A origem do jeitinho, assim como a da cordialidade teorizada por Sérgio Buarque, se explica
pela incompletude das relações mercantis capitalistas. Parece sempre que as pessoas estão
“sobrando”. Elas são como que resquícios de relações não mercantis, não cabem no universo
da civilidade. E às pessoas que sobram pode ser pedida qualquer coisa, já que é obrigação do
dominado servir ao dominante.
Qualquer reunião brasileira está cheia de batidinhas nas costas na hora do cumprimento,
impondo logo de saída uma intimidade que é intimatória e intimidatória. Um dos
cumprimentos mais característicos de Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, é bater com as
costas da mão na barriga dos interlocutores. Mesmo em encontros formais, o primeiro gesto
de Lula ao se aproximar de qualquer pessoa é tocar-lhe a barriga.
A matriz desses gestos encontra-se evidentemente no longo período escravagista. Nele, o corpo
dos negros era propriedade, podia ser tocado e usado. O surpreendente é que esses gestos e
costumes tenham persistido ao longo de 100 anos de vigência de um capitalismo pleno.
O escravismo e a escravidão não explicam inteiramente a “longa duração” da informalidade
generalizada e dos hábitos que a acompanham. Os Estados Unidos tiveram um sistema
escravista que chegou até a organizar fazendas de criação de negros. A ruptura com o
escravismo custou à nação norte-americana uma guerra civil que deixou marcas até hoje.
Mas o jeitinho não foi o expediente que usaram para superar os problemas colocados pelo
capitalismo que avança.
Aqui, o jeitinho das classes dominantes se impôs na abolição da escravatura. Primeiro veio a
Lei do Ventre Livre: garotos e garotas negros eram libertados em meio à escravidão. Mas
como inexistia a perspectiva de terem terra, emprego ou salário, a libertação não lhes servia
para quase nada.
Depois veio a Lei dos Sexagenários. Aos 60 anos, os negros que ainda estivessem vivos
eram libertados. Ora, já se sabia que a vida média de um escravo não alcançava os 40 anos.
Como mostrou Luiz Felipe de Alencastro em O Tratado dos Viventes, depois de décadas
de labuta no eito, o consumo do trabalho pelo capital não era uma metáfora: o negro
era um molambo de gente, e não um homem livre, mesmo quando libertado pela Lei dos
Sexagenários.
O que parecia cautela e previsão era, na verdade, o jeitinho (e o jeitão) em movimento.
Gradualmente, até a chamada Lei Áurea, a escravidão persistiu. Isso criou uma
superpopulação trabalhadora que o sistema produtivo não tinha como incorporar. Com a
industrialização, tão sonhada pelos modernos, o problema se agravou. Tendo que copiar
uma industrialização de matriz exógena, que tende sempre à economia do trabalho, os
excedentes populacionais cresceram exponencialmente.
Assim, o chamado trabalho informal tornou-se estrutural no capitalismo brasileiro. É ele
que regula a taxa de salários, e não as normas trabalhistas fundadas por Vargas. A partir daí
todas as burlas são permitidas e estimuladas. A pergunta que um candidato a emprego mais
ouve é: com carteira ou sem carteira? O funcionário com carteira resulta em descontos para
a Previdência. Ou, se o salário for um pouquinho melhor, até para o Imposto de Renda. A
resposta do candidato ao emprego é óbvia: sem carteira.
Quando o trabalhador ou trabalhadora que têm consciência dos seus direitos recusam o
emprego sem carteira, às vezes, escutam “malandro, não quer trabalhar”.
Em qualquer setor, em qualquer atividade, o jeitinho se impõe. O executivo de terno italiano
de grife, o apresentador da televisão e a atriz de um musical não são assalariados. São pessoas
jurídicas, PJs, unicamente para que empresas paguem menos impostos. Advogados, dentistas
e prestadores de serviços oferecem seus préstimos com ou sem recibo, e esse último é mais
barato. Bancários, telefonistas, vendedores e outras tantas categorias viram sua profissão
periclitar: eles são agora atendentes de call centers, terceirizados por grandes empresas.
O jeitinho é a regra não escrita, sem exigência legal, mas seguida ao pé da letra nas relações
micro e macrossociais. Está tão estabelecido, é tão natural que estranhá-lo (hoje menos do
que ontem, reconheça-se) pode ser entendido como pedantismo, arrogância ou ignorância:
“Nego metido a besta”, é a sentença. A não resolução da questão do trabalho, o seu
estatuto social, é no fundo a matriz do jeitinho. Simpático, ele é uma das maiores marcas do
moderno atraso brasileiro. (Francisco de Oliveira, revista piauí n. 73, outubro 2012, excerto).
Em “Quando o trabalhador ou trabalhadora (...) recusam o emprego sem
carteira...”, o verbo “recusar” não estaria flexionado no plural se a conjunção “ou”
criasse uma relação de: