“Urbano adorava sanduíches do MacDonald, pizza calabres...
Urbano adorava sanduíches do MacDonald, pizza calabresa, hot-dog, lasanha e de sobremesa uma torta alemã bem grande.
Ricardo beliscava um pouco disto tudo, mas adorava mesmo era comer batata frita.
Urbano era fã de videogames, de filmes na tv.
Ricardo também, mas preferia jogos de rede e de estar conectado o tempo todo na internet.
Urbano e Ricardo eram vizinhos, estudavam na mesma escola, moravam no mesmo condomínio.
Urbano excedia no peso, por isso era chacoteado pelos colegas de sala, pelo pai, pelo irmão, pelo condomínio, pelos transeuntes todos: ó, seu gordo!
Ricardo faltava peso e era indiferente aos colegas de sala, ao pai, à mãe, à prima, à empregada e ao condomínio todo.
[...]
Ricardo e Urbano eram bons amigos.
Urbano tinha a mesma idade: 10 anos. Faziam mesma série.
Ricardo nunca ia à casa de Urbano, mas Urbano nunca saía da casa de Ricardo, da casa não, do quarto.
Urbano ia à escola no carro da mãe.
Ricardo tinha motorista particular e raramente encontrava os pais.
Urbano almoçava com a mãe, no shopping, algumas vezes todos (pai, mãe, irmão) se reuniam e almoçavam em casa, com mesa posta e tudo.
Ricardo beliscava no quarto a comida que a empregada trazia. Raras vezes almoçava na sala de jantar com a mãe. Com o pai e mãe juntos, só nos raros finais de semana. Muitas destas vezes em restaurantes requintados.
Urbano era carente, Ricardo indiferente.
O mundo perfeito de Urbano era o quarto do amigo Ricardo: uma cama grande, um conjunto de sofá confortável, tv de plasma, computador de última geração, videogames sofisticados com todos os tipos de jogos, atendimento vip da empregada e câmeras por todos os lados.
O mundo preferido de Ricardo era o virtual: email, blogs, messanger, ícones, internautas...
Ricardo e Urbano nunca jogavam bola, não conheciam as ruas das favelas nem o centro da cidade. Tinham piscinas, mas nunca nelas nadavam. Tinham jardins, mas nunca tocavam uma rosa. Tinham parquinhos, mas nunca neles brincavam.
Urbano só tinha Ricardo como amigo.
Ricardo estava conectado a mais de 40.000 amigos internautas. Fazia compras eletrônicas via Web. Conectava-se com sites de vendas de ingressos de cinema, teatro e show. Sabia tudo. Um viajante do e no mundo virtual:
[...]
Ricardo foi assediado por um amigo pedófilo na internet. O pai acusou a mãe de não cuidar bem do menino. A mãe denunciou o pai de abandono. Os dois se divorciaram. Ricardo não sofreu com a separação. Nem a mãe. Eram indiferentes. O menino sofreu ferimentos. Ficou um pouco assustado. Meses depois, a mãe arrumou amantes que entravam e saíam da casa sem, com ele, nunca falarem. Um oi, talvez! O pai desapareceu de vez. Mandava mesada gorda. A mãe parecia feliz.
Urbano e Ricardo sempre amigos, também amantes.
Urbano casou-se e tornou-se executivo e investidor n. 1 da bolsa de ações na internet. Criou uma empresa virtual. Faturou 1 milhão de dólares em 1 só ano.
Ricardo foi engolido pela internet. Virou estrela virtual. Continua sendo vigiado por uma multidão de câmeras.
(RODRIGUES, Maria Aparecida. Cinzas da paixão e outras estórias. Goiânia: Ed. da UCG, 2007. p. 75-76 e 80.)