Assinale a alternativa que corresponde corretamente ao númer...
Segundo Ato
Leléu, com apetrechos de limpeza, conversa na calçada da cadeia com o Cabo Heliodoro, que está armado de rifle.
LELÉU Esse mundo é assim. O sujeito nunca é o que nasceu pra ser. O senhor é cabo, mas nasceu pra sargento.
HELIODORO E você, Leléu? Você nasceu pra quê?
LELÉU O senhor sabe o que eu queria ter, sargento? A força dos touros. O aprumo de um cavalo puro-sangue. Ser bom e doce para as mulherinhas, como as chuvas de caju que caem de repente, no calor mais duro de novembro. E livre, Sargento Heliodoro. Como o vento num pasto muito grande.
HELIODORO Você às vezes tem um jeito muito enfeitado de falar. Essa é a minha desgraça, não sei dizer uma coisa desse jeito.
LELÉU Livre... Você não queira saber como invejei Paraíba e Testa-Seca, essas duas semanas, quando um saía da cela para fazer faxina. Imagina você, Sargento Heliodoro, invejar duas pestes daquelas. Só porque podiam ver o céu em cima da cabeça deles.
HELIODORO Ora, isso não quer dizer nada.
Porque todo mundo tem inveja de você. Até o Tenente. Vou lhe dizer mais: até eu.
LELÉU Inveja de mim? Vocês?! Soltos?!
HELIODORO Pra mim, pelo menos, isso de estar solto não adianta é nada.
LELÉU Você está livre, senhor. Isso é pouco?
HELIODORO Estou livre, mas sou um desgraçado, Leléu. Se você soubesse da minha vida, era capaz de chorar
LELÉU Ah! Então não conte. Eu aqui já cheio de tristeza. Mas não será que se pode dar um jeito? Porque pra quase tudo neste mundo há jeito.
[...]
LELÉU Mas Heliodoro, que tristeza! Eu fazia de você um homem bem casado!
HELIODORO Ora, bem casado! A mulher parece um papagaio.
LELÉU É verde?
HELIODORO Quisera eu. Fala sem parar, é pior do que um rádio. De manhã à noite.
(LINS, Osman. Lisbela e o prisioneiro. São Paulo: Planeta, 2003. p. 37-39.)