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TEXTO PARA A QUESTÃO
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.
(...)
Então eu canto alto agudo uma melodia sincopada e estridente - é a minha própria dor, eu que
carrego o mundo e há falta de felicidade. Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada
pelas nordestinas que andam por aí aos montes.
(...)
Como eu irei dizer agora, esta história será o resultado de uma visão gradual - há dois anos e
meio venho aos poucos descobrindo os porquês.
(...)
Como é que sei tudo o que vai se seguir e que ainda o desconheço, já que nunca o vivi? É que
numa rua do Rio de Janeiro peguei no ar de relance o sentimento de perdição no rosto de uma
moça nordestina. Sem falar que eu em menino me criei no Nordeste. Também sei das coisas por
estar vivendo. Quem sabe, mesmo sem saber que sabe. Assim é que os senhores sabem mais do
que imaginam e estão fingindo de sonsos.
(...)
Proponho-me a que não seja complexo o que escreverei, embora obrigado a usar as palavras que
vos sustentam. A história determino - com falso livre-arbítrio - vai ter uns sete personagens e eu
sou um dos mais importantes deles, é claro. Eu, Rodrigo S.M. (...) Assim é que experimentei
contra os meus hábitos uma história com começo, meio e gran finale seguido de silêncio e de
chuva caindo.
(...)
O que escrevo é mais do que invenção, é minha obrigação contar sobre essa moça entre milhares
delas. E dever meu, nem que seja de pouca arte, o de revelar-lhe a vida.
Porque há o direito ao grito.
Então eu grito.
Grito puro e sem pedir esmola. Sei que há moças que vendem o corpo, única posse real, em troca
de um bom jantar em vez de um sanduíche de mortadela. Mas a pessoa de quem falarei mal tem
corpo para vender, ninguém a quer, ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém.
(...)
Como a nordestina, há milhares de moças espalhadas por cortiços, vagas de cama num quarto,
atrás de balcões trabalhando até a estafa. Não notam sequer que são facilmente substituíveis e que
tanto existiriam como não existiriam. Poucas se queixam e ao que eu saiba nenhuma reclama por
não saber a quem.
(Trechos de A Hora da Estrela – Clarice Lispector)
http://veja.abril.com.br/livros_mais_vendidos/trechos/a-hora-da-estrela.html
acesso em 20 de setembro de 2014
A Hora da Estrela é um romance social que denuncia, ainda que poeticamente, uma
realidade social. Pode-se afirmar que Macabéa, protagonista da obra, representa, essencial
e majoritariamente: