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Q2076542
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Clarice Lispector nasceu em uma aldeia na Ucrânia (Antiga União Soviética). Ao chegar ao Brasil,
desembarcou em Manaus, quando tinha dois meses de idade, depois se mudou para Recife. Viveu fora do
Brasil, fez leituras de grandes brasileiros e de estrangeiros, trazendo inovações, produzindo um estilo que
a tornou uma das grandes escritoras de Língua Portuguesa.
Leia um fragmento de um dos capítulos de seu primeiro livro.
ALEGRIAS DE JOANA
A liberdade que às vezes sentia. Não vinha de reflexões nítidas, mas de um estado
como feito de percepções por demais orgânicas para serem formuladas em pensamentos.
Às vezes, no fundo da sensação tremulava uma ideia que lhe dava leve consciência de sua
espécie e de sua cor.
O estado para onde deslizava quando murmurava: eternidade. O próprio pensamento
adquiria uma qualidade de eternidade. Aprofundava-se magicamente e alargava-se, sem
propriamente um conteúdo e uma forma, mas sem dimensões também. A impressão de
que se conseguisse manter-se na sensação por mais uns instantes teria uma revelação —
facilmente, como enxergar o resto do mundo apenas inclinando-se da terra para o espaço.
Eternidade não era só o tempo, mas algo como a certeza enraizadamente profunda de não
poder contê-lo no corpo por causa da morte; a impossibilidade de ultrapassar a eternidade
era eternidade; e também era eterno um sentimento em pureza absoluta, quase abstrato.
Sobretudo dava ideia de eternidade a impossibilidade de saber quantos seres humanos se
sucederiam após seu corpo, que um dia estaria distante do presente com a velocidade de
um bólido.
Definia eternidade e as explicações nasciam fatais como as pancadas do coração.
Delas não mudaria um termo sequer, de tal modo eram sua verdade. Porém mal brotavam,
tornavam-se vazias logicamente.
Definir a eternidade como uma quantidade maior que
o tempo e maior mesmo do que o tempo que a mente humana pode suportar em ideia
também não permitiria, ainda assim, alcançar sua duração. Sua qualidade era exatamente
não ter quantidade, não ser mensurável e divisível porque tudo o que se podia medir e
dividir tinha um princípio e um fim. Eternidade não era a quantidade infinitamente grande
que se desgastava, mas eternidade era a sucessão.
LISPECTOR, Clarice. Perto do Coração Selvagem: Rio de Janeiro: Rocco, 2019.
As três palavras ou expressões que permitem que o leitor reconheça as alegrias de Joana, conforme o
fragmento, são as seguintes: