COMO O DOUTOR GOOGLE ESTÁ CRIANDO UMA
LEGIÃO DE CIBERCONDRÍACOS
Thiago Tanji – 18 SET 2015
“Sintomas”, “dor de cabeça”, “sonolência”,
“estou com sorte”. Uma busca despretensiosa usando
essas palavras-chave leva a um endereço que indica
os sinais e sintomas de um tumor cerebral.
Definitivamente, não era um dia de sorte. Mas é
possível encontrar outros diagnósticos virtuais para
essa busca, como anemia, distúrbios do sono,
meningite e virose, é claro. Já escolheu a doença que
mais se encaixa no seu caso? Provavelmente, você
decidirá pela pior dessa lista. “Depois de checar os
sintomas no Google, a maior parte das pessoas tende
a associar sua situação a doenças sérias e raras”, diz
Dengfeng Yan, professor do departamento de
marketing da Universidade do Texas em San Antonio,
Estados Unidos. É verdade que o dr. Google é prático
e pode ajudar em alguns casos, mas seu curso de
medicina é baseado em algoritmos que podem te
transformar em um cibercondríaco (é sério, essa
palavra já é utilizada por cientistas).
Em 2012, quando era pesquisador na
Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong,
na China, Yan realizou um trabalho para estudar as
escolhas irracionais de consumidores com base na
ideia de que as pessoas tendem a superestimar seus
problemas de saúde. Em uma entrevista, ele
perguntava a um grupo sobre a possibilidade de
contrair doenças como gripe aviária, câncer de mama
e AIDS. “As pessoas costumam ignorar a chance real
de ocorrências de uma doença e acabam confiando
demais apenas nos sintomas que estão sentindo”,
afirma. O problema é que, ao buscar os sintomas pela
internet, nosso medo de contrair doenças graves é
potencializado, já que essas enfermidades rendem
um maior número de discussões e tendem a aparecer
com maior frequência no resultado das buscas. “As
informações mostradas no Google não são uma
representação da realidade, já que a maior parte das
pessoas não costuma discutir a ocorrência de
doenças normais”, diz Yan.
De acordo com um relatório do Google, uma
em cada 20 pesquisas do serviço de buscas está
relacionada a questões ligadas à saúde. Mas o
problema é que quantidade não representa qualidade.
“Há um conteúdo muito bom que é cuidadosamente
checado e publicado por especialistas. No entanto,
também há um conteúdo extremamente pobre, com
informações incorretas”, afirma Guido Zuccon,
pesquisador de sistemas de informação da
Universidade de Tecnologia de Queensland, na
Austrália. “Também observamos que há conteúdo de
alta qualidade, como pesquisas divulgadas pela
comunidade médica, mas que os usuários em geral
têm muita dificuldade de entender”. Em março deste
ano, a equipe do pesquisador conduziu um estudo
para avaliar a qualidade das informações médicas
disponíveis nas buscas do Google, a partir da
experiência de um grupo de entrevistados. No
relatório, Zuccon indica que as ferramentas virtuais
melhoraram sua engenharia de busca nos últimos
anos, mas a pesquisa por termos abrangentes –
como os sintomas descritos no início da matéria –
ainda não consegue retornar resultados satisfatórios
para os usuários.
Adaptado de:
https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/09/como-odoutor-google-esta-criando-uma-legiao-de-cibercondriacos.html.
Acesso em: 10 jun. 2022.