Divagação sobre as ilhas
Carlos Drumnond de Andrade
Quando me acontecer alguma pecúnia, passante de um
milhão de cruzeiros, compro uma ilha; não muito longe do
litoral, que o litoral faz falta; nem tão perto, também que de lá
possa eu aspirar a fumaça e a graxa do porto. Minha ilha (e só
de a imaginar já me considero seu habitante) ficará no justo
ponto de latitude e longitude, que, pondo-me a coberto de
ventos, sereias e pestes, nem me afaste demasiado dos
homens nem me obrigue a praticá-los diuturnamente. Porque
esta é a ciência e, direi, a arte do bem-viver; uma fuga
relativa, e uma não muito estouvada confraternização.
De há muito sonho esta ilha, se é que não a sonhei
sempre. (...)
E por que nos seduz a ilha? As composições de sombra e
luz, o esmalte das relvas, a cristalinidade dos regatos – tudo
isso existe fora das ilhas, não é privilégio dela. A mesma
solidão existe, com diferentes pressões, nos mais diversos
locais, inclusive os de população densa, em terra firme e
longa. Resta ainda o argumento da felicidade – “aqui eu não
sou feliz”, declara o poeta, para enaltecer, pelo contraste, a
sua pasárgada: mas será que se procura realmente nas ilhas
uma ocasião de ser feliz ou modo de sê-lo? E só se alcançaria
tal mercê, de índole extremamente subjetiva, no regaço de
uma ilha, e não igualmente em terra comum?
Quando penso em comprar uma ilha, nenhuma dessas
excelências me seduz mais que as outras, nem todas juntas
constituem a razão de meu desejo. (...)
A ilha me satisfaz por ser uma porção curta de terra (falo
de ilhas individuais, não me tentam aventuras marajoaras),
um resumo prático, substantivo, dos estirões deste vasto
mundo, sem os inconvenientes dele, e com a vantagem de ser
quase ficção sem deixar de constituir uma realidade.
Presença da Literatura Brasileira. Modernismo. 5a. edição.