Questões Militares de Português - Significação Contextual de Palavras e Expressões. Sinônimos e Antônimos.

Foram encontradas 1.422 questões

Ano: 2023 Banca: VUNESP Órgão: PM-SP Prova: VUNESP - 2023 - PM-SP - Aluno-Oficial |
Q2566461 Português
    Nos filmes e histórias em quadrinhos da nossa infância recebíamos uma lição da qual só agora me dou conta. Não era a que o Bem sempre vence o Mal, embora o herói sempre vencesse o bandido. Quem dava a lição era o bandido, e era esta: a morte precisa de uma certa solenidade.

    A vitória do herói sobre o bandido era banalizada pela repetição. Para o mocinho, matar era uma coisa corriqueira, uma decorrência da sua virtude. Já o bandido era torturado pela ideia da morte, pela sua própria vilania, pelo terrível poder que cada um tem de acabar com a vida de outro. O bandido era incapaz de simplesmente matar alguém, ou matar alguém simplesmente. Para ele o ato de matar precisava ser lento, trabalhado, ornamentado, erguido acima da sua inaceitável vulgaridade — enfim, tão valorizado que dava ao herói tempo de escapar e ainda salvar a mocinha. Pois a verdade é que nenhum herói teria sobrevivido à sua primeira aventura se não fosse esta compulsão do vilão de fazer da morte uma arte demorada, um processo com preâmbulo e apoteose, e significado. Nunca entendi por que o bandido não dava logo um tiro na testa do herói quando o tinha em seu poder, em vez de deixá-lo suspenso sobre o poço dos jacarés por uma corda besuntada que os ratos roeriam pouco a pouco, enquanto o gramofone1 tocava Wagner2 . Hoje sei que o vilão queria dar tempo, ao mocinho e à plateia, de refletir sobre a finitude e a perversidade humanas.

    Os vilões do meu tempo de matinês eram invariavelmente “gênios do Mal”, paródias de intelectuais e cientistas cujas maquinações eram frustradas pelo prático mocinho. A imaginação perdia para a ação porque a imaginação, como a hesitação, é a ação retardada, a ação precedida do pensamento, do pavor ou, no caso do bandido, da volúpia do significado. O Mal era inteligência demais, era a obsessão com a morte, enquanto o Bem — o que ficava com a mocinha — era o que não pensava na morte. Quando recapturava o mocinho, mesmo sabendo que ele escapara da morte tão cuidadosamente orquestrada com os ratos e os jacarés, o bandido ainda não lhe dava o rápido e definitivo tiro na testa, para ele aprender. Deixava-o amarrado sobre uma tábua que lentamente, solenemente, se aproximava de uma serra circular, da qual o herói obviamente escaparia de novo. E, se pegasse o mocinho pela terceira vez, nem assim o bandido abandonaria sua missão didática. Sucumbiria à sua outra compulsão fatal, a de falar demais. Mesmo o tiro na testa precisava de uma frase antes, uma explicação, um jogo de palavras. Geralmente era o que dava tempo para a chegada da polícia e a prisão do vilão, derrotado pela literatura.

     Pobres vilões. E nós, inconscientemente, torcíamos pelos burros.


(Luis Fernando Verissimo. O suicida e o computador, 1992.)


1 gramofone: antigo toca-discos.

Wagner: Richard Wagner, compositor alemão do século XIX.
Em “E, se pegasse o mocinho pela terceira vez, nem assim o bandido abandonaria sua missão didática.” (3o parágrafo), o termo sublinhado pode ser substituído, sem prejuízo para o sentido do texto, por:
Alternativas
Ano: 2023 Banca: VUNESP Órgão: PM-SP Prova: VUNESP - 2023 - PM-SP - Aluno-Oficial |
Q2566460 Português
    Nos filmes e histórias em quadrinhos da nossa infância recebíamos uma lição da qual só agora me dou conta. Não era a que o Bem sempre vence o Mal, embora o herói sempre vencesse o bandido. Quem dava a lição era o bandido, e era esta: a morte precisa de uma certa solenidade.

    A vitória do herói sobre o bandido era banalizada pela repetição. Para o mocinho, matar era uma coisa corriqueira, uma decorrência da sua virtude. Já o bandido era torturado pela ideia da morte, pela sua própria vilania, pelo terrível poder que cada um tem de acabar com a vida de outro. O bandido era incapaz de simplesmente matar alguém, ou matar alguém simplesmente. Para ele o ato de matar precisava ser lento, trabalhado, ornamentado, erguido acima da sua inaceitável vulgaridade — enfim, tão valorizado que dava ao herói tempo de escapar e ainda salvar a mocinha. Pois a verdade é que nenhum herói teria sobrevivido à sua primeira aventura se não fosse esta compulsão do vilão de fazer da morte uma arte demorada, um processo com preâmbulo e apoteose, e significado. Nunca entendi por que o bandido não dava logo um tiro na testa do herói quando o tinha em seu poder, em vez de deixá-lo suspenso sobre o poço dos jacarés por uma corda besuntada que os ratos roeriam pouco a pouco, enquanto o gramofone1 tocava Wagner2 . Hoje sei que o vilão queria dar tempo, ao mocinho e à plateia, de refletir sobre a finitude e a perversidade humanas.

    Os vilões do meu tempo de matinês eram invariavelmente “gênios do Mal”, paródias de intelectuais e cientistas cujas maquinações eram frustradas pelo prático mocinho. A imaginação perdia para a ação porque a imaginação, como a hesitação, é a ação retardada, a ação precedida do pensamento, do pavor ou, no caso do bandido, da volúpia do significado. O Mal era inteligência demais, era a obsessão com a morte, enquanto o Bem — o que ficava com a mocinha — era o que não pensava na morte. Quando recapturava o mocinho, mesmo sabendo que ele escapara da morte tão cuidadosamente orquestrada com os ratos e os jacarés, o bandido ainda não lhe dava o rápido e definitivo tiro na testa, para ele aprender. Deixava-o amarrado sobre uma tábua que lentamente, solenemente, se aproximava de uma serra circular, da qual o herói obviamente escaparia de novo. E, se pegasse o mocinho pela terceira vez, nem assim o bandido abandonaria sua missão didática. Sucumbiria à sua outra compulsão fatal, a de falar demais. Mesmo o tiro na testa precisava de uma frase antes, uma explicação, um jogo de palavras. Geralmente era o que dava tempo para a chegada da polícia e a prisão do vilão, derrotado pela literatura.

     Pobres vilões. E nós, inconscientemente, torcíamos pelos burros.


(Luis Fernando Verissimo. O suicida e o computador, 1992.)


1 gramofone: antigo toca-discos.

Wagner: Richard Wagner, compositor alemão do século XIX.
Está empregado em sentido figurado o termo sublinhado no seguinte trecho: 
Alternativas
Ano: 2024 Banca: FGV Órgão: PM-SP Prova: FGV - 2024 - PM-SP - Soldado PM de 2ª Classe |
Q2553690 Português
As opções abaixo mostram definições de palavras. Assinale aquela que mostra um tipo de definição não técnica, diferente das demais por seu caráter criativo. 
Alternativas
Ano: 2023 Banca: IBFC Órgão: CBM-PB Prova: IBFC - 2023 - CBM-PB - Soldado BM - Combatente |
Q2544043 Português

Texto I

O incendiador de caminhos 


    Uma das intervenções a que sou chamado a participar em Moçambique destina-se a combater as chamadas “queimadas descontroladas”. Este combate parece ter todo o fundamento: trata-se de proteger ecossistemas e de conservar espaços úteis e produtivos.

    Contudo, eu receio que seja mais uma das ingratas batalhas sem hipótese de sucesso imediato. Na realidade, nós não entendemos a complexa ecologia do fogo na savana africana. Não entendemos as razões que são anteriores ao fogo. De qualquer modo, não param de me pedir para que fale com os camponeses sobre os malefícios dos incêndios rurais. Devo confessar que nunca fui capaz de cumprir essa incumbência.

    Na realidade, o que tenho feito é tentar descortinar algumas das razões que levam os camponeses a converter os capinzais em chamas. Sabe-se que a agricultura de corte e queimada é uma das principais razões para estas práticas incendiárias. Mas fala-se pouco de um outro culpado que é uma personagem a que chamarei de “homem visitador”. É sobre este “homem visitador” que irei falar neste breve depoimento.

    Na família rural de Moçambique, a divisão de tarefas sugere uma sociedade que faz pesar sobre a mulher a maior parte do trabalho. Os que adoram quantificar as relações sociais publicaram já gráficos e tabelas que demonstram profusamente que, enquanto o homem repousa, a mulher se ocupa o dia inteiro. Mas esse mesmo camponês faz outras coisas que escapam aos contabilistas sociais. Entre as ocupações invisíveis do homem rural sobressai a visitação. Essa atividade é central nas sociedades rurais de Moçambique.

    O homem passa meses do ano prestando visitas aos vizinhos e familiares distantes. As visitas parecem não ter um propósito prático e definido. Quando se pergunta a um desses visitantes qual a finalidade da sua viagem ele responde: “Só venho visitar”. Na realidade, prestar visitas é uma forma de prevenir conflitos e construir bons laços de harmonia que são vitais numa sociedade dispersa e sem mecanismos estatais que garantam estabilidade.

    Os visitadores gastam a maior parte do tempo em rituais de boas-vindas e de despedida. Abrir as portas de um sítio requer entendimentos com os antepassados que são os únicos verdadeiros “donos” de cada um dos lugares. Pois os homens visitadores percorrem a pé distâncias inacreditáveis. À medida que progridem, vão ateando fogo ao capim. A não ser que seja em pleno Inverno, esse capim arde pouco. O fogo espalha-se e desfalece pelas imediações do atalho que os viajantes vão percorrendo. Esse incêndio tem serviços e vantagens diversas que se manifestam claramente no regresso: define um mapa de referências, afasta as cobras e os perigos de emboscadas, facilita o piso e torna o retorno mais fácil e seguro. [...] 


(COUTO, Mia. E se Obama fosse africano?. São Paulo: Companhia das Letras. 2011) 


No último período do texto, o enunciador atribui aos incêndios um sentido: 
Alternativas
Ano: 2023 Banca: IBFC Órgão: CBM-PB Prova: IBFC - 2023 - CBM-PB - Soldado BM - Combatente |
Q2544040 Português

Texto I

O incendiador de caminhos 


    Uma das intervenções a que sou chamado a participar em Moçambique destina-se a combater as chamadas “queimadas descontroladas”. Este combate parece ter todo o fundamento: trata-se de proteger ecossistemas e de conservar espaços úteis e produtivos.

    Contudo, eu receio que seja mais uma das ingratas batalhas sem hipótese de sucesso imediato. Na realidade, nós não entendemos a complexa ecologia do fogo na savana africana. Não entendemos as razões que são anteriores ao fogo. De qualquer modo, não param de me pedir para que fale com os camponeses sobre os malefícios dos incêndios rurais. Devo confessar que nunca fui capaz de cumprir essa incumbência.

    Na realidade, o que tenho feito é tentar descortinar algumas das razões que levam os camponeses a converter os capinzais em chamas. Sabe-se que a agricultura de corte e queimada é uma das principais razões para estas práticas incendiárias. Mas fala-se pouco de um outro culpado que é uma personagem a que chamarei de “homem visitador”. É sobre este “homem visitador” que irei falar neste breve depoimento.

    Na família rural de Moçambique, a divisão de tarefas sugere uma sociedade que faz pesar sobre a mulher a maior parte do trabalho. Os que adoram quantificar as relações sociais publicaram já gráficos e tabelas que demonstram profusamente que, enquanto o homem repousa, a mulher se ocupa o dia inteiro. Mas esse mesmo camponês faz outras coisas que escapam aos contabilistas sociais. Entre as ocupações invisíveis do homem rural sobressai a visitação. Essa atividade é central nas sociedades rurais de Moçambique.

    O homem passa meses do ano prestando visitas aos vizinhos e familiares distantes. As visitas parecem não ter um propósito prático e definido. Quando se pergunta a um desses visitantes qual a finalidade da sua viagem ele responde: “Só venho visitar”. Na realidade, prestar visitas é uma forma de prevenir conflitos e construir bons laços de harmonia que são vitais numa sociedade dispersa e sem mecanismos estatais que garantam estabilidade.

    Os visitadores gastam a maior parte do tempo em rituais de boas-vindas e de despedida. Abrir as portas de um sítio requer entendimentos com os antepassados que são os únicos verdadeiros “donos” de cada um dos lugares. Pois os homens visitadores percorrem a pé distâncias inacreditáveis. À medida que progridem, vão ateando fogo ao capim. A não ser que seja em pleno Inverno, esse capim arde pouco. O fogo espalha-se e desfalece pelas imediações do atalho que os viajantes vão percorrendo. Esse incêndio tem serviços e vantagens diversas que se manifestam claramente no regresso: define um mapa de referências, afasta as cobras e os perigos de emboscadas, facilita o piso e torna o retorno mais fácil e seguro. [...] 


(COUTO, Mia. E se Obama fosse africano?. São Paulo: Companhia das Letras. 2011) 


Ao longo do texto, a expressão “Na realidade” cumpre papel coesivo e é empregada no 2º, no 3º e no 5º parágrafos. Essa expressão equivale, semanticamente, a:  
Alternativas
Respostas
11: B
12: C
13: E
14: E
15: C