Texto 2A01
Era um sábado de abril. B... chegara àquele porto e
descera a terra, deu alguns passeios. Ao dobrar uma esquina, viu
certo movimento no fim da outra rua, e picou o passo a descobrir
o que era.
Era um incêndio no segundo andar de uma casa. Polícia,
autoridades, bombas iam começar o seu ofício.
B... viu episódios interessantes, que esqueceu logo, tal foi
o grito de angústia e terror saído da boca de um homem que
estava ao pé dele. Não teve tempo nem língua em que
perguntasse ao desconhecido o que era. Ali, no meio do fumo
que rompia por uma das janelas, destacava-se do clarão, ao
fundo, a figura de uma mulher.
A mulher parecia hesitar entre a morte pelo fogo e a morte
pela queda. A alma generosa do oficial não se conteve, rompeu a
multidão e enfiou pelo corredor.
Não se lembrava como pôde fazer isso; lembrava-se que,
a despeito das dificuldades, chegou ao segundo andar. Tudo aí
era fumo. O fumo rasgou-se de modo que ele pôde ver o busto da
mulher...
– A mulher, — disse ele ao terminar a aventura, e
provavelmente sem as reticências que Abel metia neste ponto da
narração, — a mulher era um manequim, posto ali de costume ou
no começo do incêndio, como quer que fosse, era um manequim.
A morte agora, não tendo mulher que levasse, parecia
espreitá-lo a ele, salvador generoso. Desceu os degraus a quatro e
quatro. Transpondo a porta da sala para o corredor, quando a
multidão ansiosa estava a esperá-lo, na rua, uma tábua, um ferro,
o que quer que era caiu do alto e quebrou-lhe a perna...
Tratou-se a bordo e em viagem. Desembarcando aqui, no
Rio de Janeiro, foi para o hospital onde Abel o conheceu.
Contava partir em breves dias. Abel não se despediu dele. Mais
tarde soube que, depois de alguma demora em Inglaterra, foi
mandado a Calcutá, onde descansou da perna quebrada, e do
desejo de salvar ninguém.
Machado de Assis. Um incêndio.
In: Obra completa de Machado de Assis, Vol. II, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
Internet: <https://www.machadodeassis.ufsc.br>(com adaptações).