O Tempo e o Amor
Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o
tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas,
que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as
linhas que partem do centro para a circunferência, que, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino, porque não há amor tão
robusto, que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza o
desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira, embota-lhe as setas, com que já
não fere, abre-lhe os olhos, com que vê o que não via, e faz-lhe crescer as asas, com que voa
e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto, e basta que sejam usadas para não serem
as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amar é causa de não
amar, e o ter amado muito, de amar menos.
(VIEIRA, Pe. António. Sermão do Mandato, parte III, In: Sermões. Porto: Lello & Irmão, 1959. p. 94.)