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Q2039893 Português
A complicada arte de ver


1§Ela entrou, deitou-se no divã e disse: “Acho que estou ficando louca”. Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. “Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões – é uma alegria.

2§Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica.

3§De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões… agora, tudo o que vejo me causa espanto.” Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as “Odes Elementales”, de Pablo Neruda. Procurei a “Ode à Cebola” e lhe disse: “Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: ‘Rosa de água com escamas de cristal’. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta…Os poetas ensinam a ver”.

4§Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física. William Blake sabia disso e afirmou: “A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê”. Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo. Adélia Prado disse: “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra".

5§Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema. Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem.

6§“Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios”, escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido.

7§Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada “satori”, a abertura do “terceiro olho”. Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: “Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram”.

8§Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, “seus olhos se abriram”.

9§Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em “Operário em Construção”: “De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa – garrafa, prato, facão – era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção”.

10§A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. (...) Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras.

Rubem Alves
Texto Adaptado (originalmente publicado no caderno “Sinapse” - “Folha de S. Paulo”, em 26/10/2004). 
Leia o fragmento do texto abaixo:
“Adélia Prado disse: “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”.” (4º parágrafo)
É correto afirmar que
Alternativas

Gabarito comentado

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Alternativa Correta: B - a expressão “de vez em quando” poderia estar isolada entre vírgulas, de acordo com a norma culta.

Tema Central da Questão: A questão se concentra na análise de pontuação e uso correto das normas gramaticais no contexto de um fragmento textual. Para resolvê-la, é necessário entender conceitos como o uso de aspas, vírgulas, pronomes oblíquos e conjunções, além de saber aplicá-los adequadamente conforme a norma culta do português.

Justificativa da Alternativa Correta:

A alternativa B está correta porque a expressão “de vez em quando” pode ser considerada um adjunto adverbial de tempo, que é passível de ser isolado por vírgulas para marcar sua intercalação na frase. No caso do texto, o uso das vírgulas seria opcional, mas gramaticalmente aceitável, adequando-se à norma culta para dar ênfase ou ritmo à leitura.

Análise das Alternativas Incorretas:

A - "o uso de aspas destacando o fragmento de Adélia Prado é facultativo no texto."

O uso de aspas não é facultativo nesse caso. No fragmento mencionado, as aspas são necessárias para indicar que se trata de uma citação direta das palavras de Adélia Prado. As aspas servem para delimitar exatamente o que foi dito por outra pessoa, garantindo que o leitor saiba que se trata de um trecho citado.

C - "o pronome oblíquo 'me' foi empregado em posição enclítica."

Essa alternativa está incorreta porque o pronome "me" está em posição mesoclítica, não enclítica. No português, a posição enclítica ocorre quando o pronome vem após o verbo sem qualquer interrupção, o que não é o caso aqui.

D - "a conjunção 'e' marca relação de alternância entre as orações."

Na verdade, a conjunção "e" não marca alternância, mas sim adição ou soma de ideias. No fragmento em questão, a conjunção "e" é usada para unir duas orações que compartilham um contexto contínuo, não alternante.

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Comentários

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ASPAS " " SÃO OBRIGATÓRIAS QUANDO EM CASO DE CITAÇÃO

GABARITO B.

Advérbio deslocado.

Poderia? Deveria...

me corrijam se estiver errado, mas após a vírgula seria ''tira-me'' pois não se inicia um período com pronome oblíquo átono!

letra b

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