Em “A comer sanduíche porque não dá para almoçar.” (3º §), ...
Texto 1
Eu sei, mas não devia
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
Agente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando - precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. À ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, tançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
COLASANTI, M. Eu sei, mas não devia. Jornal do Brasil, 1972.
- Gabarito Comentado (0)
- Aulas (3)
- Comentários (11)
- Estatísticas
- Cadernos
- Criar anotações
- Notificar Erro
Comentários
Veja os comentários dos nossos alunos
na realidade, a diferença na acentuação nas palavras feiura, bainha, juiz e balaústre é que no primeiro caso existe um ditongo anterior ao hiato em posição paroxítona, já na palavra PI-AU-Í temos o acento, mesmo o hiato sendo antecedido por um ditongo, apenas pelo fato de está em posição oxítona. No caso de BAINHA E JUIZ, a não acentuação justifica-se pelo fato de que não acentua hiatos precedidos de NHA, L,M,R,Z,N.
ESPERO TER AJUDADO! P CIMA!
feiura não é mais acentuado
Resumo das regras de acentuação:
REGRAS GERAIS:
- Acentuam-se as oxítonas terminadas em A, E, O ou EM
- Acentuam-se as paroxítonas que NÃO terminam em A, E, O ou EM / acentuam-se as que terminam em R, X, US, N, EI (ditongo), L, UM, PS, Ã
- Acentuam-se os monossílabos tônicos terminados em A, E ou O
Analisou a palavra mas a acentuação não é justificada por nenhuma das regras gerais? Então parta para as REGRAS ESPECIAIS:
- acentuam-se os hiatos I ou U tônicos, desde que não estejam na posição de paroxítona antecedida de ditongo decrescente na sílaba anterior, nem tenham Z na mesma sílaba ou L, M, N, R ou NH na sílaba seguinte
- acentuam-se o ditongos ÉU, ÓI e ÉI desde que não estejam na posição de paroxítona
Enfim, o português e suas 1001 exceções.
Bons estudos!
GAB.: C
Fiura, existe um ditongo anterior ao hiato em posição paroxítona (não se acentua), já na palavra PI-AU-Í temos o acento, mesmo o hiato sendo antecedido por um ditongo, apenas pelo fato de está em posição oxítona (acentua).
Balaústre se encaixa na regra do hiato.
No caso de BAINHA E JUIZ, a não acentuação justifica-se pelo fato de que não acentua hiatos precedidos de NHA, L,M,R,Z,N
Clique para visualizar este comentário
Visualize os comentários desta questão clicando no botão abaixo