“Um homem não se recupera desses
solavancos, ele se torna uma pessoa diferente e
eventualmente a nova pessoa encontra novas
preocupações.” Foi isso o que Scott Fitzgerald tinha a
dizer depois de seu colapso nervoso. Ele se via como
um prato quebrado, “o tipo que nos perguntamos se
vale a pena conservar”. Prato que nunca mais será
usado para visitas, mas que servirá para guardar
biscoitos tarde da noite.
De fato, há certos momentos no interior da
vida de um sujeito nos quais algo quebra, que não
será mais colado. Olhando para trás, é estranho ter a
sensação de que andávamos em direção a esse
ponto de ruptura, como se fosse impossível evitá-lo
caso quiséssemos continuar avançando. Como se
houvesse passagens que só poderiam ser
vivenciadas como quebra. Talvez isso ocorra porque
somos feitos de forma tal que precisamos nos afastar
de certas experiências, de certos modos de gozo,
para podermos funcionar. Dessa forma,
conseguiremos fabricar um prato com nossas vidas,
um prato pequeno. A mulher que precisa se afastar
da maternidade, o homem que precisa se afastar de
uma paixão na qual se misturam coisas que deveriam
estar separadas: todos esses são casos de pratos
fabricados para não passarem de certo tamanho.
No entanto, somos às vezes pegos por
situações nas quais acabamos por nos confrontar
com aquilo que nos horroriza e fascina. Se quisermos
continuar, sabemos que, em dado momento, o prato
se quebrará, que ele nunca será recuperado, que
talvez não funcionará “melhor”, até porque ele viverá
com a consciência clara de que há vários pontos da
superfície nos quais sua vulnerabilidade ficará visível.
Como disse Fitzgerald, um homem não se recupera
desses solavancos. Algo desse sofrimento fica
inscrito para sempre.
Mas ele também poderá descobrir que,
mesmo depois da quebra, ainda é capaz de se colar,
de continuar funcionando, um pouco como esses
pratos que pintamos de outra forma para disfarçar as
rachaduras. Se bem elaborada, tal experiência
poderá levar à diminuição do medo daquilo que, um
dia, fomos obrigados a excluir. Talvez aprendamos a
compor com doses do excluído, já que a necessidade
da exclusão não era simplesmente arbitrária, embora
ela não precise ser radicalmente hipostasiada. Algo
do excluído poderá ser trabalhado e integrado; algo
deverá ser irremediavelmente perdido.
Um dia, descobriremos que todos os pratos
da sala de jantar estão quebrados em algum ponto e
que é com pratos quebrados que sempre se
ofereceram jantares. Os pratos que não passam por
alguma quebra são pequenos e, por isso, só servem
para a sobremesa. No entanto, ninguém vai ao
banquete por causa da sobremesa.
Adaptado de: https://revistacult.uol.com.br/home/pratos-quebrados/.
Acesso em: 18 abr. 2022.
A partir da leitura do excerto “[...] a necessidade
da exclusão não era simplesmente arbitrária,
embora ela não precise ser radicalmente
hipostasiada.”, é correto afirmar que