O guarda-noturno caminha com delicadeza, para
não assustar, para não acordar ninguém. Lá vão seus
passos vagarosos, cadenciados, cosendo a sua
sombra com a pedra da calçada.
Vagos rumores de bondes, de ônibus, os últimos
veículos, já sonolentos, que vão e voltam quase
vazios. O guarda-noturno, que passa rente às casas,
pode ouvir ainda a música de algum rádio, o choro de
alguma criança, um resto de conversa, alguma
risada. Mas vai andando. A noite é serena, a rua está
em paz, o luar põe uma névoa azulada nos jardins,
nos terraços, nas fachadas: o guarda-noturno para e
contempla.
À noite, o mundo é bonito, como se não houvesse
desacordos, aflições, ameaças. Mesmo os doentes,
parece que são mais felizes: esperam dormir um
pouco à suavidade da sombra e do silêncio. Há
muitos sonhos em cada casa. É bom ter uma casa,
dormir, sonhar. O gato retardatário que volta
apressado, com certo ar de culpa, num pulo exato
galga o muro e desaparece; ele também tem o seu
cantinho para descansar. O mundo podia ser
tranquilo. As criaturas podiam ser amáveis. No
entanto, ele mesmo, o guarda-noturno, traz um bom
revólver no bolso, para defender uma rua...
E se um pequeno rumor chega ao seu ouvido e
um vulto parece apontar da esquina, o guarda-noturno
torna a trilhar longamente, como quem vai
soprando um longo colar de contas de vidro.
E recomeça a andar, passo a passo, firme e
cauteloso, dissipando ladrões e fantasmas. É a hora
muito profunda em que os insetos do jardim estão
completamente extasiados, ao perfume da gardênia
e à brancura da lua. E as pessoas adormecidas
sentem, dentro de seus sonhos, que o guarda-noturno
está tomando conta da noite, a vagar pelas
ruas, anjo sem asas, porém armado.
(MEIRELES, Cecilia. Quadrante 2. In
ww w.gotasdeliteraturabrasileira.blogspot.com )
O sinal de dois-pontos empregado no trecho “Mesmo
os doentes, parece que são mais felizes: esperam
dormir um pouco à suavidade da sombra e do
silêncio.” (3o §) semanticamente corresponde a: