É correto afirmar que, no texto 2, o tipo textual predomina...
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Ano: 2025
Banca:
Marinha
Órgão:
Comando do 2º Distrito Naval
Prova:
Marinha - 2025 - Comando do 2º Distrito Naval - Praças de 2ª Classe - Nível Médio |
Q3256049
Não definido
Texto associado
Texto 2
Por parte de pai
Debruçado na janela meu avô espreitava a rua da
Paciência, inclinada e estreita. Nascia lá em cima, entre
casas miúdas e se espichava preguiçosa, morro abaixo.
Morria depois da curva, num largo com sapataria,
armazém, armarinho, farmácia, igreja, tudo perto da
escola Maria Tangará, no Alto de São Francisco.
[...] Eu brincava na rua, procurando o além dos
olhos, entre pedras redondas e irregulares calçando a rua
da Paciência. Depois das chuvas, essas pedras
centenárias, cinza, ficavam lisas e limpas, cercadas de
umidade e areia lavada. Nas enxurradas desciam lascas
de malacheta brilhando como ouro e prata, conforme a luz
do sol.
[...] Meu avô, pela janela, me vigiava ou
abençoava, até hoje não sei, com seu olhar espantado de
quem vê cada coisa pela primeira vez. E aqueles que por
ali passavam lhe cumprimentavam: “Oi, seu Queirós”. Ele
respondia e rimava: "Tem dó de nós". Minha avo,
assentada na sala, fazendo bico de croché em pano de
prato, não via a rua.
[...] O café, colhido no quintal da casa, dava para o
ano todo, gabava meu avô, espalhando a colheita pelo
chão de terreiro, para secar. O quintal se estendia para
muito depois do olhar, acordando surpresa em cada
sombra. Torrado em panela de ferro, o café era moído
preso no portal da cozinha. O café do bule era grosso e
forte, o da cafeteira, fraco e doce. Um para adultos e outro
para crianças. O aroma do café se espalhava pela casa,
despertando a vontade de mastigar queijo, saborear bolo
de fubá, comer biscoito de polvilho, assado em forno de
cupim. [...] Minha avó, coado o café, deixava o bule e a
cafeteira sobre a mesa forrada com toalha de ponto cruz,
e esperava as quitandeiras.
Tudo se comprava na porta: verduras, leite, doces,
pães. Com a caderneta do armazém comprava-se o que
não podia ser plantado em casa. No final do mês, ao
pagar a conta ganhava-se uma lata de marmelada.
Depois do cafezal, na divisa com a serra, corria o
córrego, fino e transparente. Tomávamos banho pelados,
até a ponta dos dedos ficarem enrugadas. Meu avô raras
vezes, nos fazia companhia.
[...] Meu avô conhecia o nome das frutas. Na hora
de volitar, ele trazia, se equilibrando pelos caminhos, uma
lata de areia para minha avó arear as panelas de ferro.
[...] Atrás da horta havia chiqueiro onde três ou
quatro porcos dormiam e comiam, sem desconfiar do
futuro. Se eu fosse porco não engordava nunca,
imaginava. Ia passar fome, fazer regime, para continuar
vivendo,
[...] Meu avô me convidou, naquela tarde, para me
assentar ao seu lado nesse banco cansado. Pegou minha
mão e, sem tirar os olhos do horizonte, me contou:
O tempo tem uma boca imensa. Com sua boca do
tamanho da eternidade ele vai devorando tudo, sem
piedade. O tempo não tem pena. Mastiga rios, arvores,
crepúsculos. Tritura os dias, as noites, o sol, a lua, as
estrelas. Ele é o dono de tudo. Pacientemente ele engole
todas as coisas, degustando nuvens, chuvas, terras,
lavouras. Ele consome as historias e saboreia os amores.
Nada fica para depois do tempo.
[...] As madrugadas, os sonhos, as decisões,
duram na boca do tempo. Sua garganta traga as estações,
os milénios, o ocidente, o oriente, tudo sem retorno. E nós,
meu neto, marchamos em direção a boca do tempo.
Meu avô foi abaixando a cabeça e seus olhos
tocaram em nossas mãos entrelaçadas. Eu achei serem
pingos de chuva as gotas rolando sobre os meus dedos,
mas a noite estava clara, como tudo mais.
Queirós, Bartolomeu Campos. Por parte de pai. Belo
Horizonte: RHJ, 1995.
É correto afirmar que, no texto 2, o tipo textual
predominante é o: