Releia o trecho a seguir, extraído do terceiro parág...
O esquerdo-direitismo é uma crença semirreligiosa que se tornou a ideologia dominante do mundo no último século. Esquerdo-direitistas são pessoas que acreditam que todo o bem que existe no mundo provém de apenas uma fonte. Há dois tipos de esquerdo-direitistas - aqueles que acham que a fonte de todo o bem é o mercado e aqueles que acham que é o estado. A estes chamamos esquerdistas, aqueles são os direitistas.
No fundo, esquerdistas e direitistas são dois lados de uma mesma coisa. Ambos veem o mundo em apenas duas dimensões, sem profundidade, dividido entre bons e maus. Não admira que esquerdistas transformem-se em direitistas e vice-versa com tanta facilidade - alguns dos analistas mais ferrenhos da direita passaram a juventude militando nas facções mais radicais da esquerda.
Nos últimos [...] meses, os dois maiores ícones desse jeito simplista de ver o mundo morreram: Hugo Chávez (esquerda) e Margareth Thatcher (direita). Difícil imaginar dois personagens tão representativos desse modo oitocentista de ver o mundo. Todos os esquerdo-direitistas concordam que, entre os mortos, havia um santo e um demônio. Eles discordam apenas em relação a qual é qual.
A realidade é que nem Chávez nem Thatcher merecem a canonização. Ambos tiveram seus inegáveis méritos como líderes carismáticos, mas as duas biografias estão cheias de erros crassos. É que, ao contrário do que eles acreditavam, o esquerdo-direitismo está errado. A crença compartilhada por esquerdistas e direitistas de que o mundo está dividido ao meio, entre virtuosos e cretinos, simplesmente não tem lastro na realidade. Há virtudes e cretinices em cada um de nós e o mundo é muito mais cheio de sutilezas do que imaginavam nossos manuais ideológicos publicados nos séculos 18 e 19.
Prova disso está numa reportagem de capa recente publicada pela tradicional revista The Economist, a Bíblia liberal inglesa, que já foi um ícone esquerdo-direitista na época que essas coisas faziam sentido. A matéria de Economist de clara que o novo modelo para o planeta são os países nórdicos. “Se você tivesse que renascer em algum lugar do mundo com talentos e renda médios, você ia querer ser um viking", diz a revista.
Os países escandinavos, que nas décadas de 1970 e 1980 eram estados inchados, com impostos altíssimos, baixa competitividade e serviços públicos de estado socialista, quem diria, viraram exemplo para a revista que os liberais sempre adoraram. Isso porque, nos últimos anos, Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia fizeram várias reformas e se tornaram países incríveis para se viver.
Para começar, o estado racionalizou seus gastos e criou as mais fantásticas políticas de transparência do mundo, permitindo à população fiscalizar seus governantes e reduzir a gastança. Na Suécia, políticos de alto escalão moram em quitinetes, lavam a própria louça e usam transporte público ou bicicleta. Além disso, a burocracia caiu quase a zero e esses países viraram paraísos do empreendedorismo, de fazer inveja ao Vale do Silício com suas histórias de sucesso (Skype, Angry Birds, Spotify).
Mas isso foi feito sem sucatear o estado nem prejudicar a população. As reformas do estado foram feitas com um objetivo claro: manter a qualidade do serviço público, ou, se possível, aumentá-la. Essa lógica ajuda a entender o que aconteceu com a saúde e a educação pública nesses países. O governo continua atuando, provendo serviços de qualidade, mas empresas privadas também podem entrar na competição. Os cidadãos recebem do governo vouchers de saúde e educação e podem decidir usá-los em escolas e hospitais públicos ou privados. Na Escandinávia, o estado continua grande, mas uma coisa fundamental mudou: ele agora funciona.
O sucesso nórdico expõe a grande falácia do esquerdo-direitismo: a crença de que só há um caminho certo. Para os esquerdistas, criar mais empresas estatais e ter impostos altos é sempre bom. Para os direitistas, é sempre ruim. A verdade, como costuma ser o caso, está no meio: é possível, ao mesmo tempo, melhorar os serviços e aumentar a eficiência. Basta para isso focar no cidadão, que é muito mais importante do que empresas e estado.
Essa é a mágica que os países nórdicos operaram nos últimos anos. Enquanto isso, o Brasil faz o contrário: por aqui conseguimos combinar impostos altos com serviços ruins. E, em vez de focar em reduzir uns e melhorar outros, continuamos desperdiçando tempo com Thatcher e Chávez.
Comentários
Veja os comentários dos nossos alunos
.....
JUSTIFICATIVA DA ALTERNATIVA CORRETA: (LETRA A)
No trecho, o termo “representativo” é fundamental para clarificar que o sintagma que referencia Chávez e Thatcher – “dois personagens” – associa-se a uma maneira particular de ver o mundo, nesse caso, à maneira comum de entender o mundo no século XIX, isto é, aquele período específico de tempo que remete aos anos que se passaram entre 1800 e 1899 d. C. Assim, o fato de serem representativos desse tempo impede que tal palavra destaque o século de nascimento dos políticos – já que seriam oitocentistas (e não representativos de um modo oitocentista). O sufixo “-ista”, presente na palavra sob debate, tem como uma de suas funções, na Língua Portuguesa, formar palavras que relacionam um conceito, uma ideia, uma ideologia a uma pessoa, a um grupo etc. Assim, o “petista”, o “pmdebista”, o “psdebista” são aqueles que possuem algum vínculo (formal ou não) com a ideologia política veiculada por esses partidos. Seguindo essa lógica, “o modo oitocentista de ver o mundo”, nesse caso, está ligado àqueles que possuem vínculos, nesse caso ideológicos, com o tempo da História em questão. Dessa forma, caso fosse intenção do texto “advertir um período de tempo” ou “distinguir um período em comum da História em que os políticos buscavam suas ideias” o período seria construído de maneira diferente, provavelmente através de um estabelecimento direto do século que fomentava seus ideais, e a palavra com o sufixo “-ista”, em vista do sentido a que remete, não lhe serviria a esses propósitos. (Grifamos)
Fontes: • O próprio texto. • CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 2ª ed. São Paulo: Scipione, 2004. • SAVIOLI, Francisco Platão; FIORIN, José Luiz. Para entender o texto: leitura e redação. 17ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2007.
Clique para visualizar este comentário
Visualize os comentários desta questão clicando no botão abaixo