Qual é a figura de linguagem presente no excerto “Sempre fu...
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Ano: 2022
Banca:
INSTITUTO AOCP
Órgão:
PM-GO
Prova:
INSTITUTO AOCP - 2022 - PM-GO - Aspirante da Polícia Militar |
Q1963097
Português
Texto associado
ILHA VISITÁVEL
Carlos Castelo
7 de abril de 2022
Eu sou a crônica, sou natural
ali do Rio de Janeiro. Sou eu quem leva o dia a dia
para milhões de brasileiros.
Esse ano completo 170
primaveras em nossas plagas. Não é pouca coisa.
Após tanto tempo, posso afirmar até com certo
orgulho: mesmo quem não frequenta jornais e
revistas, me conhece. Já viu o Veríssimo, o Otto, a
Clarice em minha companhia. Se não reparou, agora
vou jogar pesado. Perdoe-me o leitor por abrir um
parêntese tão avantajado, mas notem o que Machado
de Assis – o próprio, de fardão e pincenê – declarou a
meu respeito:
Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda,
sentaram-se à porta, para debicar os
sucessos do dia. Provavelmente
começaram a lastimar-se do calor. Uma
dizia que não pudera comer ao jantar, outra
que tinha a camisa mais ensopada do que
as ervas que comera. Passar das ervas às
plantações do morador fronteiro, e logo às
tropelias amatórias do dito morador, e ao
resto, era a coisa mais fácil, natural e
possível do mundo. Eis a origem da crônica.
Era só o começo. Andei na
pena e no tinteiro de um sem-número de coroados
das letras nacionais. Bandeira disse que sou um
conjunto de quase nadas. Drummond foi mais longe,
defendeu a minha inutilidade:
O inútil tem sua forma particular de utilidade.
É a pausa, o descanso, o refrigério do
desmedido afã de racionalizar todos os atos
de nossa vida (e a do próximo) sob o critério
exclusivo de eficiência, produtividade,
rentabilidade e tal e coisa. Tão
compensatória é essa pausa que o inútil
acaba por se tornar da maior utilidade,
exagero que não hesito em combater, como
nocivo ao equilíbrio moral.
E não são apenas poetas
apontando a minha conveniência. Eis aí o crítico
Antonio Candido, que não me deixa mentir (apesar de
que, como sou cruza de ficção com jornalismo, até
poderia).
A crônica está sempre ajudando a
estabelecer ou restabelecer a dimensão das
coisas e das pessoas. Em lugar de oferecer
um cenário excelso, numa revoada de
adjetivos e períodos candentes, pega o
miúdo e mostra nele uma grandeza, uma
beleza ou uma singularidade insuspeitadas.
Era para ficar inflada de
contentamento. Acontece que, apesar de tanta
fortuna crítica, desafortunadamente os anos 20 de
hoje não são os 50 do século passado. [...]
De lá para cá, muita coisa
mudou. Jornais e revistas estão longe de ser o que
foram sob Samuel Wainer ou Assis Chateaubriand.
Minha presença era massiva, terminou sendo
substituída por fotos de pratos de comida, gatinhos
fofos, cãezinhos hilários, frases de autoajuda e
dancinhas nas redes sociais.
Os candidatos a me
representar foram minguando. Refiro-me aos ótimos,
os regulares fervilham por aí. Entretanto, como os
talentosos ainda existem e não desistem, vou
ocupando espaços como este.
Afinal, eu sou a crônica.
Nunca pretendi ser monumental, nem ciência exata.
Sempre fui, e serei, como dizia o poeta, uma ilha
visitável, sem acomodações de residência.
Adaptado de: https://revistacult.uol.com.br/home/ilha-visitavel/.
Acesso em: 18 de abr. 2022.
Qual é a figura de linguagem presente no excerto
“Sempre fui, e serei, [...] uma ilha visitável.”?