No terceiro parágrafo, ao comparar o nascimento da rua com ...

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Ano: 2018 Banca: IBFC Órgão: PM-SE Prova: IBFC - 2018 - PM-SE - Soldado da Polícia Militar |
Q910072 Português
Texto I

A Rua
(Fragmento)

    EU AMO A RUA. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres[...], mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua.
    (...) a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma! (...) a rua é a agasalhadora da miséria. Os desgraçados não se sentem de todo sem o auxílio dos deuses enquanto diante dos seus olhos uma rua abre para outra rua (...).
    A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suor humano na argamassa do seu calçamento. Cada casa que se ergue é feita do esforço exaustivo de muitos seres, e haveis de ter visto pedreiros e canteiros, ao erguer as pedras para as frontarias, cantarem, cobertos de suor, uma melopeia tão triste que pelo ar parece um arquejante soluço. A rua sente nos nervos essa miséria da criação, e por isso é a mais igualitária, a mais socialista, a mais niveladora das obras humanas. (...) A rua é a eterna imagem da ingenuidade. Comete crimes, desvaria à noite, treme com a febre dos delírios, para ela como para as crianças a aurora é sempre formosa, para ela não há o despertar triste, e quando o sol desponta e ela abre os olhos esquecida das próprias ações, é (...) tão modesta, tão lavada, tão risonha, que parece papaguear com o céu e com os anjos...
    A rua faz as celebridades e as revoltas, a rua criou um tipo universal, tipo que vive em cada aspecto urbano, em cada detalhe, em cada praça, tipo diabólico que tem, dos gnomos e dos silfos das florestas, tipo proteiforme, feito de risos e de lágrimas, de patifarias e de crimes irresponsáveis, de abandono e de inédita filosofia, tipo esquisito e ambíguo com saltos de felino e risos de navalha, o prodígio de uma criança mais sabida e cética que os velhos de setenta invernos, mas cuja ingenuidade é perpétua, voz que dá o apelido fatal aos potentados e nunca teve preocupações, criatura que pede como se fosse natural pedir, aclama sem interesse, e pode rir, francamente, depois de ter conhecido todos os males da cidade, poeira d’oiro que se faz lama e torna a ser poeira – a rua criou o garoto!

RIO, João do. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp. 28–31.

Vocabulário
Agremia: do verbo agremiar; juntar num mesmo grupo.
Canteiros: pedreiros responsáveis pelas construções com pedra.
Frontarias: fachada principal; frente.
Melopeia: melodia; canção melodiosa.
Silfos: seres mágicos do ar presente em mitologias europeias.
Proteiforme: que muda de forma frequentemente.
Potentados: majestades; maiorais; pessoas de grande poder.
No terceiro parágrafo, ao comparar o nascimento da rua com o do homem, o autor, em linhas gerais, quer dar destaque:
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