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TEXTO II


A TRISTE PARTIDA

                                                  Patativa do Assaré


Meu Deus, meu Deus. . .


Setembro passou

Outubro e Novembro

Já tamo em Dezembro

Meu Deus, que é de nós,

Meu Deus, meu Deus

Assim fala o pobre

Do seco Nordeste

Com medo da peste

Da fome feroz

Ai, ai, ai, ai


A treze do mês

Ele fez experiência

Perdeu sua crença

Nas pedras de sal,

Meu Deus, meu Deus

Mas noutra esperança

Com gosto se agarra

Pensando na barra

Do alegre Natal

Ai, ai, ai, ai


Rompeu-se o Natal

Porém barra não veio

O sol bem vermeio

Nasceu muito além

Meu Deus, meu Deus

Na copa da mata

Buzina a cigarra

Ninguém vê a barra

Pois a barra não tem

Ai, ai, ai, ai


Sem chuva na terra

Descamba Janeiro,

Depois fevereiro

E o mesmo verão

Meu Deus, meu Deus

Entonce o nortista

Pensando consigo

Diz: "isso é castigo

não chove mais não"

Ai, ai, ai, ai


Apela pra Março

Que é o mês preferido

Do santo querido

Senhor São José

Meu Deus, meu Deus

Mas nada de chuva

Tá tudo sem jeito

Lhe foge do peito

O resto da fé

Ai, ai, ai, ai 


Agora pensando

Ele segue outra tria

Chamando a famia

Começa a dizer

Meu Deus, meu Deus

Eu vendo meu burro

Meu jegue e o cavalo

Nós vamos a São Paulo

Viver ou morrer

Ai, ai, ai, ai


Nós vamos a São Paulo

Que a coisa tá feia

Por terras alheia

Nós vamos vagar

Meu Deus, meu Deus

Se o nosso destino

Não for tão mesquinho

Cá e pro mesmo cantinho

Nós torna a voltar

Ai, ai, ai, ai


E vende seu burro

Jumento e o cavalo

Inté mesmo o galo

Venderam também

Meu Deus, meu Deus

Pois logo aparece

Feliz fazendeiro

Por pouco dinheiro

Lhe compra o que tem

Ai, ai, ai, ai 


Em um caminhão

Ele joga a famia

Chegou o triste dia

Já vai viajar

Meu Deus, meu Deus

A seca terrível

Que tudo devora

Lhe bota pra fora

Da terra natá

Ai, ai, ai, ai


O carro já corre

No topo da serra

Oiando pra terra

Seu berço, seu lar

Meu Deus, meu Deus

Aquele nortista

Partido de pena

De longe acena

Adeus meu lugar

Ai, ai, ai, ai


No dia seguinte

Já tudo enfadado

E o carro embalado

Veloz a correr

Meu Deus, meu Deus

Tão triste, coitado

Falando saudoso

Seu filho choroso

Exclama a dizer

Ai, ai, ai, ai


De pena e saudade

Papai sei que morro

Meu pobre cachorro

Quem dá de comer?

Meu Deus, meu Deus

Já outro pergunta

Mãezinha, e meu gato?

Com fome, sem trato

Mimi vai morrer

Ai, ai, ai, ai


E a linda pequena

Tremendo de medo

"Mamãe, meus brinquedo

Meu pé de fulô?"

Meu Deus, meu Deus

Meu pé de roseira

Coitado, ele seca

E minha boneca

Também lá ficou

Ai, ai, ai, ai


E assim vão deixando

Com choro e gemido

Do berço querido

Céu lindo azul

Meu Deus, meu Deus

O pai, pesaroso

Nos filho pensando

E o carro rodando

Na estrada do Sul

Ai, ai, ai, ai


Chegaram em São Paulo

Sem cobre quebrado

E o pobre acanhado

Procura um patrão

Meu Deus, meu Deus

Só vê cara estranha

De estranha gente

Tudo é diferente

Do caro torrão

Ai, ai, ai, ai


Trabaia dois ano,

Três ano e mais ano

E sempre nos prano

De um dia vortar

Meu Deus, meu Deus

Mas nunca ele pode

Só vive devendo

E assim vai sofrendo

É sofrer sem parar

Ai, ai, ai, ai 


Se arguma notícia

Das banda do norte

Tem ele por sorte

O gosto de ouvir

Meu Deus, meu Deus

Lhe bate no peito

Saudade lhe molho

E as água nos óio

Começa a cair

Ai, ai, ai, ai


Do mundo afastado

Ali vive preso

Sofrendo desprezo

Devendo ao patrão

Meu Deus, meu Deus

O tempo rolando

Vai dia e vem dia

E aquela famia

Não vorta mais não

Ai, ai, ai, ai 


Distante da terra

Tão seca mas boa

Exposto à garoa

À lama e o paú

Meu Deus, meu Deus

Faz pena o nortista

Tão forte, tão bravo

Viver como escravo

No Norte e no Sul

Ai, ai, ai, ai 

Assinale a alternativa em que percebemos claramente o benefício que a seca promovia para os fazendeiros de muitas posses.
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