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Ano: 2021
Banca:
Marinha
Órgão:
COLÉGIO NAVAL
Prova:
Marinha - 2021 - COLÉGIO NAVAL - Aluno - 2º Dia |
Q1879014
Português
Texto associado
Nunca imaginei um dia
Até alguns anos atrás, eu costumava dizer frases
como "eu jamais vou fazer isso" ou "nem morta eu faço
aquilo", limitando minhas possibilidades de descoberta e
emoção. Não é fácil libertar-se do manual de instruções
que nos autoimpomos. As vezes, leva-se uma vida inteira,
e nem assim conseguimos viabilizar esse projeto. Por
sorte, minha ficha caiu há tempo.
Começou quando iniciei um relacionamento com
alguém completamente diferente de mim, diferente a um
ponto radical mesmo: ele, por si só, foi meu primeiro
"nunca imaginei um dia". Feitos para ficarem a dois
planetas de distância um do outro. Mas o amor não
respeita a lógica, e eu, que sempre me senti tão
?onfo~~vel num_ mundo planejado, inaugurei a
instab1hdade emocional na minha vida. Prendi a respiração
e dei um belo mergulho.
A partir dai, comecei a fazer coisas que nunca
havia feito. Mergulhar, aliás, foi uma delas. Sempre
respeitosa com o mar e chata para molhar os cabelos
afundei em busca de tartarugas gigantes e peixe~
coloridos no mar de Fernando de Noronha. Traumatizada
com cavalos (por causa de um equino que quase me levou
ao ch_ão quando eu tinha oito anos), participei da minha
primeira cavalgada depois dos 40, em São Francisco de
Paula: Roqueira convicta e avessa a pagode, assisti a um
show: do Zeca Pagodinho na Lapa. Para ver o Ronaldo
Fenô'11eno jogar ao vivo, me infiltrei na torcida do Olímpico
num ,Jogo entre Grêmio e Corinthians, mesmo sendo
colorada.
Meu paladar deixou de ser monótono: comecei a
provar alimentos que nunca havia provado antes. E muitas
outras coisas vetadas por causa do "medo do ridículo"
receberam alvará de soltura. O ridículo deixou de existir na
minha vida.
Não deixei de ser eu. Apenas abri o leque me
permitindo ser um "eu" mais amplo. E sinto que é um
caminho sem volta.
Um mês atrás participei de outro capítulo da série
"Nunca im_aginei um dia". Viajei numa excursão, eu que
sempre reieIteI essa modalidade turística. Sigo preferindo
viajar a dois ou sozinha, mas foi uma experiência
fascinante, ainda mais que a viagem não tinha como
destino um pais do circuito Elizabeth Arden (ParisLondr:s-Nova York), mas um pais africano, muçulmano e
desértico. Ahás, o deserto de Atacama, no Chile, será meu
provável "nunca imaginei um dia" do próximo ano.
E agora cometi a loucura jamais pensada, a
insanidade que nunca me permiti, o ato que me faria
merecer uma camisa-de-força: eu, que nunca me comovi
com bichos de estimação, adotei um gato de rua.
Pode colocar a culpa no esplrito natalino: trouxe
um bichano de três meses pra casa, surpreendendo
minhas filhas, que já haviam se acostumado com a ideia
de ter uma mãe sem coração. E o que mais me estarrece:
estou apaixonada por ele.
Ainda há muitas experiências a conferir: fazer
compras pela internet, andar num balão cozinhar
dignamente, me tatuar, ler livros pelo kindle', viajar de
navio e mais umas 400 coisas que nunca imaginei fazer um dia, mas que já não duvido. Pois tem essa também:
deixei de ser tão cética.
Já que é improvável que o próximo ano seja
diferente de qualquer outro, que a novidade sejamos nós.
Medeiros, Martha. Nunca imaginei um dia. 2009. Disponível
em: http://alagoinhaipaumirim.blogspot.com/2009/12/nuncaimaginei-um-dia-martha-medeiros.html. Acesso em: 10 fev. 2021.
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